O que se pensa na Colina

Coluna Lido para Você, por José Geraldo de Sousa Junior, articulista do Jornal Estado de Direito

 

 

 

 

Colaboradores Voluntários do Núcleo de Prática Jurídica. José Geraldo de Sousa Junior (Organizador). Coleção “O que se pensa na Colina”, vol. 2. Brasília: Universidade de Brasília/Faculdade de Direito/CESPE da UnB, 2002, 41 p.

 

 

            Mais de uma vez, aqui nesta Coluna Lido para Você, abordei o tema do ensino jurídico, sua teoria e prática. Com direta pertinência à publicação que aqui e agora apresento, remeto à edição da coluna http://estadodedireito.com.br/a-pratica-juridica-na-unb-reconhecer-para-emancipar/.

            Nesse texto, com a pertinência a que me refiro, insisti que uma das principais novidades trazidas pelas diretrizes curriculares para o ensino jurídico, com a reforma de 1994 (Portaria nº 1886), foi a institucionalização de um eixo de formação prática, desenvolvido por meio de atividades curriculares simuladas e também reais, sob supervisão pedagógica, em Núcleo de Prática Jurídica. A Resolução nº 9, de 2004, editada pelo Conselho Nacional de Educação, que rege atualmente as diretrizes para o curso de graduação em Direito, manteve o padrão orientador da norma anterior e, no que tange ao eixo de formação prática empreendeu um atualizado refinamento conceitual para acentuar que ele “objetiva a integração entre a prática e os conteúdos teóricos desenvolvidos nos demais Eixos, especialmente nas atividades relacionadas com o Estágio Curricular Supervisionado, Trabalho de Curso e Atividades Complementares”. Vale dizer, para além de inserir a prática, desenvolvida em núcleo próprio, como atividade que adestra para os chamados imperativos de habilidade, preservou a sua dimensão epistemológica que a conforma como um modo próprio de conhecer. De acordo com o Grupo de Trabalho OAB-MEC (Portarias MEC nºs 3.381/04 e 484/05), instituído com a finalidade de realizar estudos para consolidar os parâmetros já estabelecidos para a análise dos pedidos de autorização para novos cursos de Direito, mesmo o estágio curricular, concebido para se realizar nesse eixo, tem como finalidade “proporcionar ao aluno formação prática, com desenvolvimento das habilidades necessárias à atuação profissional”, de modo que a “concepção e organização das atividades práticas devem se adequar, de uma banda, ao perfil profissional concebido no projeto pedagógico e, de outra banda, aos conteúdos dos eixos de formação fundamental e profissional, trazendo ao discente uma perspectiva integrada da formação teórica e prática” (GT OAB-MEC, Relatório, SESu/2005).

            A importância então referida foi devidamente trabalhada no livro então Lido para Você. Volto ao tema, agora, por duas razões. Primeiro, porque na própria UnB está em curso uma revisão curricular, com atualização das diretrizes aplicáveis ao curso da universidade classificado em todos os indicadores como um curso de excelência, com algumas importantes novidades no quesito da indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão e, consequentemente na articulação entre teoria e prática. Depois, porque há sempre dimensões inesperadas, experimentos mal compartilhados, processos que compreendem um rico catálogo do que, a falta de melhor expressão, representam boas práticas, práticas exemplares, que traduzem esse enorme campo de possibilidade para além do desenho de partida dos enunciados das próprias diretrizes.

            O texto ora Lido para Você é um registro dessas possibilidades, portanto uma experiência a compartilhar, a de colaboradores voluntários em núcleos de prática jurídica, na modelagem que se exercitou na Faculdade de Direito da UnB.

            Tenho especial apreço pelo experimento porque era o Diretor da Faculdade de Direito então e nessa condição supervisionei a implementação do procedimento e organizei o livro, como seve, tendo como objetivo exatamente registrar, descrever, avaliar e compartilhar a experiência.

            No meu Lido para Você antes referido, cheguei a anotar que diferentemente, entretanto, das reformas anteriores, a diretriz pedagógica dirigida ao enfoque prático da formação jurídica veio carregada por uma motivação que apelava à responsabilidade social das Instituições de ensino e ao redesenho do perfil profissional em formação de modo a investi-lo de maior sensibilidade humanística e  a estimulá-lo para uma comprometida  solidariedade social.

            Com efeito, em meu texto de apresentação de Colaboradores trago como abertura temática, exatamente essa ideia, tratado do .

            No texto, reafirmo que a retomada do tema da solidariedade sob a perspectiva crítica e auto-reflexiva é feita, nos tempos correntes, com a revalorização de práticas e de ações re-significadas politicamente em um horizonte democrático, participante, ainda presente entre nós não obstante o surto autoritário que quer sentar praça.

            Fixei esse ponto de partida no livro, dizendo que assim se dá, por exemplo, com o processo voluntário de participação, de fato um serviço civil, quando não se realiza de modo alienante do discernimento e da autonomia de escolha dos sujeitos.

            Essa distinção se fazia e se faz necessária para se ter em vista o fato da perda de protagonismo dos indivíduos e coletividades, no paradigma liberal, num processo dramático de verticalização das relações sociais, no qual o cidadão, acaba tornando-se e de modo ainda mais intenso no ultraneoliberalismo, súdito ou servo, segundo o conceito de Juan Ramon Capella.

            Boaventura de Sousa Santos, em textos primorosos que lembrei, configurou esse processo, falando a um tempo de expansão do Estado como se fora sociedade civil, usurpando-lhe as prerrogativas de protagonismo e de participação ativa e de retomada, numa conjuntura de crise do liberalismo, do dinamismo subjetivo da cidadania, conduzindo a relações horizontalizadas com a reconstrução de novos espaços de sociabilidade, públicos e não só estatais.

            A sociedade civil de serviços, na metáfora do terceiro setor, tem o seu itinerário de institucionalização, mas não se esgota nessa única via visível de possibilidade organizativa e de alternatividades participativas, renovando formas democráticas do agir cidadão.

            Dessa alternatividade se nutre, é certo, a recuperação da experiência de serviço voluntário, repensado como ação política e não apenas altruísta, e muito menos alienada de direitos como hoje se inscreve no curso de reformas de destituição, que seja transformadora e não somente caritativa, ou espoliadoras, confrontante das estruturas perversas de exclusão.

            Penso que este é o alcance global dessa recuperação no objetivo da Organização das Nações Unidas (ONU), ao instituir 2001 como Ano Internacional do Voluntariado. Penso também que é em sentido de engajamento social e político que se institucionalizou no Brasil, com apoio legislativo (Lei nº 9.608/98), as bases para um programa nacional de voluntariado.

            Na Faculdade de Direito da UnB, a implantação de seu projeto pedagógico, inspirado em atualizadas diretrizes curriculares e em expectativas de uma formação técnica não alienada das exigências éticas de um agir cidadão, ensejou abrir canais de participação voluntária para estabelecer pautas de mediação entre os profissionais que forma e a realidade viva e interativa em que se dará a sua atuação.

            Pode-se dizer, levando em conta outro inspirador texto de Boaventura de Sousa Santos“Por que pensar?” -, que se trata de abrir pautas para uma “reflexão mais geral sobre por que e come pensar as sociedades em nossos dias e a nossa existência pessoal nelas” e de poder criar condições para respostas nas quais “o triunfo do esforço mental sobre o esforço físico, num tempo que se diz auto-reflexivo, em que os indivíduos se assumem cada vez mais como sujeitos autônomos, senhores das suas escolhas, capazes de usar a reflexão para alterarem, tanto os processos de trabalho, como as trajetórias de vida”, permita lucidez às nossas ações.

            Essa busca de lucidez está presente nas reflexões que iluminam e explicam o projeto Colaboradores Voluntários do Núcleo de Prática Jurídica da Faculdade de Direito da UnB. Pensado como estratégia para avançar em direção ao possível, a partir do real na formação de nossos alunos, o projeto permite estabelecer perspectivas de alternatividade a partir do compartilhamento de experiências e de energias, conduzidas por interesses públicos, que ajudem a avaliar as alternativas e que demonstrem, como diz Boaventura de Sousa Santos, que “o possível, por ter mais energia, é mais rico que o real, não sendo, por isso, legítimo reduzir o real ao que existe”.

            Nesse sentido, os textos que compõem o livro, escritos à época de sua publicação por acadêmicos e especialistas para ele mobilizados a partir de seus vínculos com a UnB, porém, que na continuidade de sua formação crescentemente qualificada também se fortaleceram, na força e na energia que se pode aferir desde a interlocução que estabeleceram e dos enunciados que formularam.

            Assim, o texto de Alayde Avelar Freire Sant’Anna, “A Revolução dos vínculos Solidários”. Em sua reflexão, Alayde – que se bacharelou na Faculdade de Direito da UnB e aí também concluiu seu Mestrado (http://estadodedireito.com.br/a-radicalizacao-do-direito/), foi procuradora federal lotada na UnB e ao tempo em que fui Reitor exerceu a função de Ouvidora da Universidade – prossegue no diapasão que propus de pensar o projeto na perspectiva da solidariedade.

            O texto de André Macedo de Oliveira, também bacharel, mestre de doutor em Direito pela UnB, coordenou o Núcleo de Prática Jurídica e é hoje professor na Faculdade de Direito da Universidade de Brasília, “Advogados voluntários do Núcleo de Prática Jurídica da UnB”, traça os contornos conceituais do projeto e a especificidade da prática jurídica ativada no sistema de voluntariado.

            Júnio César B. Ferro, pedagogo lotado na Faculdade de Direito, até que se deslocou para o sistema educacional do Distrito Federal, emprestou sua expertise ao projeto e dela faz registro no texto “Programa de Colaboradores Voluntários do Núcleo de Prática Jurídica: o fazer pedagógico do protagonismo social”.

            Com o texto “Considerações preliminares sobre voluntariado: pequeno relato da experiência com trabalhos voluntários no Núcleo de Prática Jurídica da Faculdade de Direito da UnB (Ceilândia/DF)”, Heloisa Helena Figueira Dourado, nos proporciona a perspectiva de auto-realização da proposta, tendo sido ela própria advogada voluntária do projeto.

            Em “Tempo para tudo” Giovanna Maria Frisso, então aluna e hoje duas vezes Doutora em Direito (pela UnB e pela Universidade de Essex, no Reino Unido), relata sua experiência de voluntariado em projeto de extensão, realizado em campo, assessoria jurídica para concretizar o direito à moradia de uma comunidade do Distrito Federal (Vila Telebrasília), passando pela mediação alfabetizadora para estrutura a titularidade dos sujeitos ao estruturarem a consciência de seus direitos.

            Por fim Sara Côrtes, advogada e aluna do mestrado em direito da UnB, hoje doutora e professora da Universidade Federal da Bahia, em “Voluntariado ou Barbárie” reflete sobre os “desafios para a emergência de subjetividades participativas solidárias e voluntárias”.

            Tal como digo na apresentação do livro, em suma, são reflexões valiosas para compartilhar, por traduzirem experiências importantes, singulares, que, como tal, não devem ser desperdiçadas.

José Geraldo de Sousa Junior é Articulista do Estado de Direito, possui graduação em Ciências Jurídicas e Sociais pela Associação de Ensino Unificado do Distrito Federal (1973), mestrado em Direito pela Universidade de Brasília (1981) e doutorado em Direito (Direito, Estado e Constituição) pela Faculdade de Direito da UnB (2008). Ex- Reitor da Universidade de Brasília, período 2008-2012, é Membro de Associação Corporativa – Ordem dos Advogados do Brasil,  Professor Titular, da Universidade de Brasília,  Coordenador do Projeto O Direito Achado na Rua.55

 

 

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  1. Sirley Aparecida de Souza

    Bacana professor! A Dra. Sara Côrtes é advogada popular na AATR. Ela foi uma das advogadas da AATR que colaborou na pesquisa de minha tese de doutorado. Muito bom.

    Abraços fraternos.

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Comentários

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