Estudos sobre a UnB

 

Coluna Lido para Você, por José Geraldo de Sousa Junior, articulista do Jornal Estado de Direito

 

 

 

 

Gestão Universitária – Estudos sobre a UnB, volume 1, organizado por César Augusto Tibúrcio Silva e Nair Aguiar-Miranda, Brasília: Editora UnB, 2011, 515 p; volume 2, 483 p.

           

Foto: UnB

            Retomo para uma leitura de atualização na conjuntura, os dois volumes da obra apresentada neste Lido para Você, num momento crítico no qual a universidade é alvo de agressões sem precedentes, tanto mais inusitadas porque procedentes das altas autoridades governamentais, entre elas o titular da presidência da República e seu ministro da Educação.

            Por isso que em já duas vezes, acabei por protocolizar, assinando em conjunto com ilustres parlamentares – Paulo Pimenta, Wadih Damous, Alexandre Padilha e com os juristas Marcelo Semer e Patrick Mariano, representações em defesa da universidade, na Comissão de Ética Pública e na Procuradoria Geral da república

            Penso, tal como tenho sustentado (http://odireitoachadonarua.blogspot.com/search?updated-max=2019-06-01T17:39:00-03:00&max-results=15)  que é um grave desvio de finalidade, é uma ofensa direta à Lei de Diretrizes e Bases da Educação [LDB] e a própria Constituição Federal, no que toca ao princípio da autonomia e da liberdade de ensinar. No primeiro caso, com motivação imprópria – reprimir balbúrdia – incide em responsabilidade, considerando a exigência de adequada fundamentação do ato, que deve respeitar a impessoalidade, a transparência e a legalidade e não a objeção difusa de politização. Veja-me o artigo. 37 da Constituição Federal. No segundo caso, com ofensa também às normas convencionais – Convenção Americana – imiscuindo-se no âmbito da autonomia. Em época recente, por essas mesmas razões representei contra o ministro da Educação na PGR [Procuradoria Geral da República] e na Comissão de Ética Pública [da Presidência da República]. Agora vejo que um deputado indica que vai entrar com ADPF (Ação por Descumprimento de Preceito Fundamental) diretamente no STF [Supremo Tribunal Federal]. Somente entidades nacionais podem fazê-lo, no caso partido. Mas espero que a ANDIFES [Associação Nacional de Dirigentes e Instituições Federais de Ensino] também o faça, porque a ameaça é a todo o sistema universitário federal.

            Na mais recente ( (PRG 00265840/2019), já recebida e acostada ao Inquérito Civil n. 1.29.000.001909/2019-20, ela instrui o procedimento de apuração do “posicionamento do Ministério da Educação que veda abordagem, análise, discussão ou debate acerca da participação de integrantes da comunidade escolar em atos públicos”. Tal como salientamos na peça que teve ampla repercussão, “No caso dos presentes autos, o Representado não apenas evidenciou nítida opção antidemocrática, arbitrária e, portanto, autoritária, como praticou atos de ofício no exercício de função pública para fazer prevalecer esta visão de mundo sobre milhões de brasileiros e brasileiras o que, por evidente, o torna passível de responsabilização nas esferas do direito penal e do direito administrativo”.

            Nesta conjuntura, pois, de forte incidência desconstituinte e desdemocratizante, colocar-se na trincheira de defesa das conquistas e dos avanços políticos  desenhados no Pacto de 1988, tem sido a convocatória irrecusável da luta por cidadania e por  direitos. Em atos públicos, mobilizações, artigos, essa tem sido a agenda que nos convoca e compromete.

         Assim, por exemplo, no espaço republicano do Parlamento, conforme dá conta a notícia a seguir transcrita (https://www.adunb.org/post/audi%C3%AAncia-p%C3%BAblica-aponta-para-disputa-constitucional-em-defesa-da-educa%C3%A7%C3%A3o): A Comissão de Legislação Participativa da Câmara dos Deputados promoveu uma audiência pública nesta quinta-feira (6/6) para debater a Liberdade de Cátedra. Representando a Associação dos Docentes da Universidade de Brasília (ADUnB), o ex-reitor José Geraldo de Sousa Júnior disse que o país passa por um momento de desconstitucionalização e desdemocratização. “Liberdade de pensamento não é concessão do Estado. É direito fundamental do indivíduo, que pode até mesmo contrapor-se ao Estado”, disse o professor, lembrando as palavras da ministra Cármen Lúcia no julgamento da (ADPF) 548*, que garantiu a livre manifestação de ideias em universidades. “O exercício de autoridade não se pode converter em ato de autoritarismo. Aí é onde nós devemos traçar a nossa luta”, afirmou José Geraldo. O professor defendeu a mobilização social em defesa da constituição e da democracia como caminho de resistência. “Saímos de um momento em que milhões de pessoas tomaram as ruas para reafirmar o sentido da autonomia da sociedade [no 15M e 30M]. É preciso recuperar as ruas para o protagonismo social, os movimentos sociais, sindicais e políticos” afirmou José Geraldo.

Na semana que passou (12/6), em evento na Feira do Livro de Brasília (35a.), já o espaço cultural foi ocupado para debater a Universidade – um bem público ameaçado?: Em sociedades democráticas – interpela a convocatória para esse debate no qual tomei parte – o conhecimento produzido pelas universidades e seus benefícios são reconhecidos e amparados plenamente pelo Estado. As universidades públicas são um patrimônio da sociedade brasileira e são espaços de excelência do conhecimento. Estão nelas a grande maioria das pesquisas desenvolvidas no Brasil, cerca de 90%. Não é razoável ignorar que investir nas universidades é investir no desenvolvimento do país. Em momentos de crise ou de mudanças institucionais, narrativas diversas são produzidas para justificar projetos de poder. As universidades públicas e gratuitas estão no centro de um debate carregado de subjetividades a respeito de qual papel as universidades públicas desempenham no desenvolvimento do país e a quem se destinam.

        Aqui mesmo, neste espaço do Jornal Estado de Direito, na coluna Lido para Você, tenho trazido o tema, em insistente apelo ao debate, ora sob a perspectiva da liberdade de ensinar e da autonomia que mais de perto toca os docentes (http://estadodedireito.com.br/a-tutela-juridica-da-liberdade-academica-no-brasil-a-liberdade-de-ensinar-e-seus-limites/); ora sob a perspectiva das práticas de extensão universitária que mobilizam o imaginário e o compromisso social dos estudantes (http://estadodedireito.com.br/a-pratica-juridica-na-unb-reconhecer-para-emancipar/).

       Agora, neste Lido para Você, em contraponto ao discurso desqualificador do afazer universitário, notícia de contribuição notável de servidores, no caso, da Universidade de Brasília (UnB), estimulada por política de reconhecimento e valorização da contribuição desse segmento para o desenvolvimento e a reflexão acerca de práticas de gestão que desenvolvem.

       É com muita satisfação e indisfarçável orgulho que o faço, recuperando aqui o prefácio do primeiro volume do livro – Gestão Universitária – organizado por César Augusto Tibúrcio Silva, responsável também, pela realização do primeiro curso de pós-graduação lato sensu em Gestão Universitária, para servidores da UnB, e por Nair Aguiar-Miranda,

       O curso e a publicação das monografias elaboradas e aprovadas pelos alunos do programa, traduzem louvável iniciativa do Decanato de Gestão de Pessoas (DGP), em parceria com a Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade (Face).

     Ponho em relevo três dimensões analíticas presentes nessa iniciativa. A primeira delas é a que diz respeito à participação de cada pessoa, na condição de aprendiz e produtor de saber, agregando e gerando conhecimento acerca de seu próprio meio. É o exercício de uma das faces daquilo que Boaventura de Sousa Santos chama “ecologia dos saberes”, para designar a produção de conhecimentos contextualizados, situados e úteis e que só podem florescer em ambientes tão próximos quanto possível das práticas de que se originam e “de um modo tal que os protagonistas da ação social sejam reconhecidos como protagonistas da criação de saber”.

       A educação é a ferramenta por excelência para realizar essa autonomização do indivíduo dentro de seu campo, ou, dito de outra forma, é a chave para sua emancipação social, o primeiro passo para a refundação democrática da Administração Pública, e a condição para pensar o próprio Estado democrático. Nesse sentido, a UnB atua como aporte para geração de conhecimentos, atendendo às demandas de aquisição e desenvolvimento de competências por parte dos servidores.

       A segunda dimensão é a que considera os servidores na condição de uma categoria destacada. A realização desse curso de formação caminha no sentido da valorização do ethos de todo esse segmento universitário. Por meio da especialização desses servidores pela qualificação, o seu poder de ação amplia-se e acentua-se, também, a sua inserção estratégica e a sua representatividade corresponsável pela gestão da Universidade a que servem.

        A terceira, por fim, de conteúdo político, é entre as dimensões aquela a partir da qual os sujeitos atuam como representantes ou membros da instituição. Eles, os servidores, são a própria UnB. Têm papel fundamental na administração de sua estrutura e atuam, junto a toda a comunidade, como multiplicadores, difundindo os saberes e as práticas que adquirem. 

       A propósito da questão da administração pública e da relevância de seus servidores, o historiador Toynbee chegou a formular uma teoria explicativa do sucesso dos países e dos Estados, tomando como exemplo o Império Romano. Para ele, a grande expansão de Roma não se deveu tanto ao seu formidável exército, mas sim ao seu funcionalismo civil, altamente capaz, responsável, bem remunerado e organizadamente distribuído em todos os espaços administrativos do Império.

       Essa abordagem ilustra a posição vital que ocupam os servidores na trama institucional, e que, por isso mesmo, devem ter reconhecimento efetivo. A qualificação profissional é condição para esse reconhecimento e, em conseqüência, para a boa gestão pública. É preciso que se criem espaços, a exemplo do curso de Gestão Universitária, para aquisição de novas competências profissionais e para a atribuição e exercício autônomo dessas competências .

       No que diz respeito às relações formais entre o servidor público e a instituição da qual participa, entre os cinco princípios previstos pelo artigo 37 da Constituição Federal que regem as ações dos servidores públicos – quais sejam: legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência –, darei aqui ênfase a este último. O princípio da eficiência possui uma condição especial, não por ter sido acrescido aos anteriores, pela Emenda Constitucional n. 19, mas sim por representar uma reforma da percepção legal acerca da Administração. É este, entre os demais, aquele que trata de maneira mais direta da realidade, que envolve ações práticas para além do universo jurídico. Ele prevê que toda ação deva ser realizada visando ao maior proveito da relação entre custo e benefício. Tudo vai depender da forma como se definam este custo e este benefício.

       No caso da Universidade, instituição que está essencialmente a serviço da sociedade, é eticamente essencial desenvolver ações que se voltem para qualificar e dignificar seu corpo de servidores. O aprimoramento da carreira dos servidores é instrumento que potencializa tanto o estímulo à cidadania quanto o atendimento das necessidades da instituição, representando ganhos para toda a comunidade universitária. Trazendo mais uma vez as palavras de Boaventura de Sousa Santos, “numa sociedade democrática, o critério fundamental para avaliar a eficiência e a racionalidade da reforma da Administração Pública e do Estado é o seu impacto na cidadania e, especialmente, nos direitos sociais dos cidadãos”.

       O livro, nos dois volumes editados, no segundo contando com prefácio de meu leal e fraterno colega de reitorado, meu vice-Reitor, Professor da Faculdade de Medicina João Batista de Sousa,  dá início, espero, dependendo dos dirigentes que me sucederam, a uma série que possa registrar a contribuição autoral de servidores, porque se trata em última análise de contribuições importantes, que revelam um repositório de talentos, fruto de reflexões e análises que formam um importante acervo para o melhor conhecimento das diferentes áreas que tematizam a obra: gestão de pessoas, gestão de processos, gestão orçamentária, financeira e de custos, gestão acadêmica, gestão de comunicação e de marketing e gestão da responsabilidade social (1o. volume); gestão de pessoas, sistemas de gestão, gestão do conhecimento e da informação e gestão da responsabilidade social (2o. volume).

      Os autores e o plano da obra expõem trabalhos exemplares para qualificar o desempenho funcional e estimular as inteligências disponíveis na Instituição para os misteres da gestão universitária. O impacto dos trabalhos aqui catalogados poderá ser aferido na medida do sucesso deste programa de valorização do desempenho profissional, cujo fim último é lançar luz sobre a realidade dos diferentes espaços de trabalho na universidade, possibilitando o aprimoramento de suas ações.

                                                 

 

José Geraldo de Sousa Junior é Articulista do Estado de Direito, possui graduação em Ciências Jurídicas e Sociais pela Associação de Ensino Unificado do Distrito Federal (1973), mestrado em Direito pela Universidade de Brasília (1981) e doutorado em Direito (Direito, Estado e Constituição) pela Faculdade de Direito da UnB (2008). Ex- Reitor da Universidade de Brasília, período 2008-2012, é Membro de Associação Corporativa – Ordem dos Advogados do Brasil,  Professor Titular, da Universidade de Brasília,  Coordenador do Projeto O Direito Achado na Rua.

 

                                   

 

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