O Direito em novas plataformas
A relatividade do tempo para o Direito é bastante diversa daquela que se observa para as novas tecnologias. Como deve mesmo ser, o Direito vem a reboque das invenções, inovações, descobertas, já que não poderia antever condutas para regulá-las antes de sucederem. Verdade que se o Direito pudesse responder com mais presteza aos acontecimentos do dia-a-dia, o cenário seria mais animador, mas não se pode negar que, a seu modo e a seu tempo, o Direito busca conhecer tudo que lhe é colocado em questão. Naha mihi factum dabo tibi ius (narra-me os fatos que te darei o direito, em tradução livre) não perdeu seu sentido e se os fatos dados ocorrem no ambiente virtual é este mesmo ambiente que o Direito irá regular.
Sem qualquer rigor científico, pode-se especular que o aplicativo WhatsApp tem sido uma das plataformas mais usadas para troca de mensagens de voz e texto, imagens e vídeos, substituindo em muitos casos as próprias chamadas telefônicas. E como as inovações tecnológicas não são boas nem más, éticas ou não, valores que podemos dar apenas ao uso que fazemos delas, fato é que tais tecnologias são usadas para os fins mais diversos, nobres ou não.
A questão que se coloca nesta discussão, de forma muito rasa e sumária, é a utilização das mensagens trocadas pelo WhatsApp como meio de prova.
Vida privada
O Informativo de Jurisprudência 582 do Superior Tribunal de Justiça – o mais recente – trouxe essa discussão, abordando o conteúdo do Recurso em Habeas Corpus – RHC 51.531-RO, julgado pela Sexta Turma do STJ. Naquele caso, o recorrente foi denunciado no Juízo de Origem pela prática dos crimes de tráfico de drogas, associação para o tráfico e resistência, depois de ter sido pilhado com 300 (trezentos) comprimidos de ecstasy. Quando da prisão em flagrante, o telefone celular do recorrente foi apreendido e a polícia técnica procedeu perícia, devassando as mensagens trocadas através do aplicativo WhatsApp, o que fez com que o acusado recorrente defendesse a tese de que aquela conduta da polícia caracterizava indevida ingerência em sua vida privada, já que não autorizada pelo Poder Judiciário.
A primeira instância e o Tribunal de Justiça do Estado de Rondônia fecharam questão no sentido de que ‘a proteção do acesso aos dados constantes do aparelho não se assemelha à interceptação telefônica’ fazendo ‘não ser imprescindível a decisão judicial para realização de perícia em aparelho de telefonia celular apreendido, pois a lei permite até mesmo a violação de domicílio para efetuar a prisão em flagrante’.
Todavia, a Sexta Turma do STJ entendeu que a interpretação do artigo 3º, V da Lei 9.472/97 combinada com a do artigo 7º, inciso III da Lei 12.965/14 permite concluir que ‘no acesso aos dados do aparelho, tem-se devassa de dados particulares, com violação à intimidade do agente. Embora possível o acesso, necessária a prévia autorização judicial devidamente motivada.” . Com isso julgou ilícitas as provas advindas da colheita de tais dados sem a autorização judicial.
Hora de legitimar esse tipo de prova
De qualquer forma, o julgado deixou claro que as mensagens de texto trocadas pelo aplicativo WhatsApp podem sim aportar ao processo como provas contra aquele que as redigiu ou a gravou, desde que calcadas em autorização judicial para degravação. Não se poderia mesmo pensar que o Direito entendesse tais indicativos como inidôneos a todo custo a provar um fato. São rastros que os fatos deixam, escritos que se mantêm e que devem ser trazidos aos autos em busca da verdade real.
Não custa lembrar ainda que tanto no processo civil quanto no processo penal não se pode considerar ilícitas as mensagens desse tipo trazidas por outra pessoa figurantes do tríduo e não tomadas das mãos do réu. O Supremo Tribunal Federal já resvalou a questão quando analisou a Queixa-Crime proposta pelo Senador Romero Jucá contra o também Senador Telmário Mota, nos autos da Ação Originária – AO 2002/DF, aceitando até mesmo imagem da tela (prints) do aparelho móvel, a representar mensagens trocadas pelo WhatsApp, como prova dos fatos discutidos na demanda.
Fotos das redes sociais e cópias de mensagens escritas e faladas já são muito usadas para atestar aptidão financeira em ações de alimentos, impugnações à gratuidade de justiça, sem qualquer menção à nulidade delas.
Entender que as mensagens de WhatsApp não podem ser usadas como prova no processo, de qualquer forma, é condená-lo ao retrocesso. Enfim, apenas o cuidado de se devassar a intimidade tão somente diante de autorização judicial é que se pretende, de modo a legitimar esse tipo de prova.
Leonardo Grecco é Articulista do Estado de Direito – Juiz de Direito no Estado de São Paulo. Especialista em Bioética pela USP e em Direito Notarial e Registral pela Escola Paulista de Magistratura. Professor de Direito em Santos.
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