Renata Malta Vilas-Bôas, articulista do Jornal Estado de Direito
O brasileiro não é muito afeto a fazer testamentos, pois alguns pensam que ele pode trazer azar. Além disso, tem-se a ideia de que fazer um testamento é difícil ou complicado. Mas, a verdade é que, fazer um testamento não é difícil e nem perigoso.
O testamento é o documento que expressa a vontade da pessoa para com os seus bens (questões patrimoniais), mas também pode conter disposições extrapatrimoniais, como por exemplo o reconhecimento de uma filiação – seja consanguínea ou até mesmo a socioafetiva.
E é um documento em que se busca respeitar a vontade do testador, mas, sim, tem-se alguns requisitos legais. No caso do testamento público é necessário que seja feito em cartório na presença de duas testemunhas, por uma pessoa que possa expressar a sua vontade, sem que haja qualquer comprometimento que possa obstar o seu discernimento.
Com relação às testemunhas o legislador apontou algumas situações em que não pode ocorrer ao mesmo tempo da pessoa ser testemunha e ser beneficiária do testamento. E para evitar que pessoas caiam em tentação seus parentes também não podem ser testemunhas. Ou é beneficiário do testamento ou é testemunha. As duas coisas não podem ocorrer ao mesmo tempo.
Fazer um testamento e estar atento aos desejos do autor da herança é muito importante, pois como o testador não estará aqui para explicar o que ele quis dizer então todo cuidado é pouco.
O testamento pode dispor de todo o patrimônio, caso o autor dele não tenha o que denominamos de herdeiros necessários, que são os descendentes, ascendentes e cônjuge, conforme o Código Civil. Se houver herdeiros necessários apenas poderá dispor livremente de 50% (Cinquenta por cento) desse patrimônio.
É possível que se deixe em percentual, por exemplo 10% ou 5% do patrimônio do testador ou pode ser sobre algo específico, como por exemplo um carro , que faço constar a placa, o renavam, chassi, etc.
É possível que utilizemos o instituto do usufruto, por exemplo, ao invés de deixar determinada casa para alguém, transferindo assim, a propriedade, é possível que a pessoa venha a receber apenas o direito de usufruir daquela casa específica. E existem diversas outras possibilidades de realizarmos os desejos do testador.
Fazer o testamento é um dos possíveis elementos de um planejamento sucessório. Sendo que é possível trabalhar com holding, seguro de vida e outros documentos para juntos realizarem a vontade do testador.
Porém, todos os documentos precisam ser feitos preenchendo os requisitos legais, e caso isso não ocorra teremos problemas, com a possibilidade, inclusive do documento ser considerado nulo.
Na decisão transcrita abaixo, as testemunhas eram parentes do beneficiário, e com isso o testamento público foi considerado nulo. Vejamos como o E. TJRJ se manifestou no caso concreto abaixo:
APELAÇÃO CÍVEL. NULIDADE DE TESTAMENTO. TESTAMENTO PÚBLICO. TESTEMUNHAS IMPEDIDAS. 1. O testamento é um negócio jurídico, unilateral, personalíssimo, solene, revogável, que possibilita à pessoa dispor de seus bens para depois de sua morte. Justamente por essas características, tanto se faz necessário observar o preenchimento de todos os seus requisitos legais para conceder-lhe validade. 2. O testamento público, como é o caso dos autos, é o escrito pelo tabelião em seu livro de notas, de acordo com as declarações do testador, em presença de duas testemunhas. 3. Não podem ser testemunhas o herdeiro ou legatário instituído no testamento, bem como seus descendentes, ascendentes, irmãos, cônjuges ou companheiros e, também, os cônjuges, os descendentes, os ascendentes e os colaterais por consanguinidade, até o terceiro grau, das partes envolvidas. 4. Testemunha que era neto do testador, filho e herdeiro da beneficiária do testador. 5. As solenidades que cercam o ato jurídico em questão visam resguardar a livre manifestação de vontade do testador, de maneira que o desrespeito às formalidades criva de nulidade o testamento. 6. Nulidade do testamento reconhecida. 7. RECURSO PROVIDO.
Relatório
(…)
em síntese, que é herdeiro do Espólio de Antônio Cruz Fernandes, falecido em 01/06/2010, incluído na sucessão de Inacy Lopes Fernandes, falecida em 08/01/2009. Aduz que, na primeira sucessão, que diz respeito à genitora do autor, tem direito a 25% dos bens sua única irmã (2ª ré) 25% e, o seu genitor (falecido posteriormente) 50% do acervo. que tomou conhecimento de que o seu falecido pai, quando em vida e em precário estado de saúde, firmou testamento em 23/12/2009, dispondo sobre a totalidade dos bens e não apenas de sua cota-parte. Destaca que o testador não pode dispor do que não lhe pertence, e, no caso dos autos, pertencente ao testador somente 50% dos bens descritos e não sua totalidade. Alega, ainda, a nulidade do testamento, considerando que as testemunhas são pessoas com interesse no resultado. Requer, ao final, seja declarada a nulidade do testamento.
Resposta apresentada pelos réus no indexador 000123, concordando com o pedido autoral de anulação do testamento.
A sentença (indexador 000206) julgou parcialmente procedente o pedido para determinar que seja feita a adequação das disposições testamentárias, de forma que seja observado o limite de 50% sobre cada bem, referente à meação do cônjuge pré-morto. Condenou os réus ao pagamento das custas e honorários de 10% sobre o valor da causa.
Inconformado, o autor interpôs recurso de Apelação (indexador 000211) onde reitera a nulidade do testamento, com fundamento no desrespeito à formalidade exigida em lei. Destaca que os ascendentes, descendentes, irmãos e cônjuges, o legatário, bem como o advogado do testador, estão proibidos de servir como testemunhas testamentárias. Destaca que a testemunha _____ é neto do testador, filho e herdeiro da testamenteira e beneficiária _______ e irmão do beneficiário _______ , além de ter figurado como advogado do Espólio de Inacy Lopes Fernandes e do autor do testamento; e a testemunha ________ é nora da 1ª beneficiária (2ª ré e representante do espólio) e esposa da testemunha _______ , neto e advogado do testador. Ressalta, ainda, que houve a concordância dos réus com o pedido autoral.
Os réus não apresentaram contrarrazões, conforme certidão de indexador 000221.
Parecer da i. Procuradoria de Justiça (indexador 000236) pelo conhecimento e, no mérito, provimento do recurso.
É o relatório. Decido
Voto
(…)
Alega o autor, ora Apelante, que o testamento é nulo, uma vez que não obedeceu às formalidades exigidas pela Lei.
Pois bem, o testamento é o ato pelo qual a pessoa capaz manifesta sua última vontade, dispondo de seus bens e/ou de outros interesses de caráter não patrimonial, para depois de sua morte.
É um negócio jurídico, unilateral, personalíssimo, solene, revogável, que possibilita à pessoa dispor de seus bens para depois de sua morte. Justamente por essas características, tanto se faz necessário observar o preenchimento de todos os seus requisitos legais para conceder-lhe validade Com efeito, o casamento e o testamento são considerados os dois atos mais solenes do nosso direito. Portanto, o legislador não deixou ao alvedrio do testador a escolha da maneira de manifestar a sua intenção, devendo ser obedecidas as formas previamente estabelecidas.
O testamento público, como é o caso dos autos, é o escrito pelo tabelião em seu livro de notas, de acordo com as declarações do testador, em presença de duas testemunhas.
Nesse ponto, vale trazer que, conforme artigo 228 e artigo 1.801, ambos do Código Civil, não podem ser testemunhas o herdeiro ou legatário instituído no testamento, bem como seus descendentes, ascendentes, irmãos, cônjuges ou companheiros e, também, os cônjuges, os descendentes, os ascendentes e os colaterais por consanguinidade, até o terceiro grau, das partes envolvidas.
Vale dizer, ainda, que segundo a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, as testemunhas impedidas de participarem do ato são as resultantes de parentesco por consanguinidade, não as por afinidade:
CIVIL. TESTAMENTO PUBLICO. ANULAÇÃO. 1. MANUSCRITO DESPROVIDO DA NECESSARIA FORMALIDADE, NÃO POSSUI O CONDÃO DE REVOGAR TESTAMENTO ANTERIOR, LAVRADO COM OBSERVANCIA DAS SOLENIDADES LEGAIS. 2. AS TESTEMUNHAS IMPEDIDAS DE PARTICIPAREM DO ATO SÃO AS RESULTANTES DE PARENTESCO POR CONSANGUINIDADE, NÃO AS POR AFINIDADE. 3. AUSENCIA DE CONTRARIEDADE A LEI FEDERAL. 4. DISSIDIO JURISPRUDENCIAL NÃO CONHECIDO. 5. RECURSO ESPECIAL NÃO CONHECIDO. (REsp 7.197/MS, Rel. Ministro BUENO DE SOUZA, QUARTA TURMA, julgado em 07/06/1995, DJ 23/10/1995, p. 35674).
No caso, a Q é neto do testador, filho e herdeiro da testamenteira e beneficiária A e irmão do beneficiário B
A testemunha C, por sua vez, é esposa da testemunha W neto do testador.
Assim, considerando que as solenidades que cercam o ato jurídico em questão visam resguardar a livre manifestação de vontade do testador, o desrespeito às formalidade criva de nulidade o testamento.
Por fim, cabe mencionar que os réus reconhecem os vícios questionados, reconhecendo o pedido autoral, conforme resposta apresentada no indexador 000123.
Pelo exposto, voto no sentido de conhecer e DAR PROVIMENTO ao recurso, reformando a sentença para julgar procedente o pedido autoral, para anular o testamento firmado por Antônio Cruz Fernandes em 23/12/2009, lavrado nas notas do 4º ofício de Niterói (testamento em anexo III), livro 21, fls 029/30.
TERESA DE ANDRADE CASTRO NEVES Desembargadora Relatora
(Apelação Cível n° 0027432-97.2015.8.19.0087 – TJRJ)
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*Renata Malta Vilas-Bôas é Articulista do Estado de Direito, advogada devidamente inscrita na OAB/DF no. 11.695. Sócia-fundadora do escritório de advocacia Vilas-Bôas & Spencer Bruno Advocacia e Assessoria Jurídica, Professora universitária. Professora na ESA OAB/DF; Mestre em Direito pela UPFE, Conselheira Consultiva da ALACH – Academia Latino-Americana de Ciências Humanas; Acadêmica Imortal da ALACH – Academia Latino-Americana de Ciências Humanas; Integrante da Rete Internazionale di Eccelenza Legale. Secretária-Geral da Rede Internacional de Excelência Jurídica – Seção Rio de Janeiro – RJ; Colaboradora da Rádio Justiça; Ex-presidente da Comissão de Direito das Famílias da Associação Brasileira de Advogados – ABA; Presidente da Comissão Acadêmica do IBDFAM/DF – Instituto Brasileiro de Direito das Familias – seção Distrito Federal; Autora de diversas obras jurídicas. |
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