*Maria Carvalho
Estudos mostram que a misoginia existe desde a época de Freud. Neste contexto histórico, o pai da psicanálise era contra a mulher sair para trabalhar e considerava o fim do mundo que a esposa recebe salário superior ao marido. E quando pensamos no machismo estrutural existente, a associação à violência de gênero se faz inerente. No ambiente jurídico, o machismo institucional tenta colocar a mulher em situações de inferioridade e constrangimento.
Desqualificar faz parte de um escopo institucional contra o gênero feminino que por muitas vezes aceita sua culpabilização como justificativa para o crime. Portanto, aviltar a vítima como se ela não tivesse credibilidade, usando argumentos comuns na sociedade para culpá-la pelo abuso sofrido, é um tipo de violência institucional já difundida e velada no judiciário. Humilhar, vexar, agredir, impor dor e sofrimento, infelizmente já está no DNA do processo. E a este instituto é dado o nome de revitimização.
No jogo processual, até onde são válidas as estratégias? Até onde não desrespeite e coloque a mulher em situação constrangedora ou de inferioridade. A condução estratégica do processo tem que estar ligada sempre à boa-fé. Na teoria dos jogos, a regra é conhecer cada peça que você irá travar sua batalha e por óbvio o perfil de cada jogador. Porém, se valer do testemunho de uma mulher ou da forma que ela se relaciona com a sociedade em sua intimidade para atacar sua credibilidade, expondo de maneira temerosa a sua confiabilidade, ultrapassa o conflito da ampla defesa e da tutela da boa-fé processual.
A Lei 14.245/2021, conhecida como a Lei Mari Ferrer, traz o zelo pela integridade física e psicológica da mulher durante a instrução processual, *mas é importante observar que neste caso há a limitação da urbanidade não devendo confundir os princípios da ampla defesa e o contraditório com o princípio da amplitude da defesa no plenário do júri. A lei 14.245/21 é clara e limitada à instrução processual*.
De certo há alguns ganhos com esta lei, impedindo alguns absurdos como o ocorrido no caso que deu sua origem, mas impera a necessidade de pensar maneiras estruturais e para isso, efetivas, de garantir que o Poder Judiciário não continue a reprodução da violência.
É preciso que os atores da justiça, no exercício de suas funções, respeitem e garantam essa regra de ouro do jogo. E, em particular, que membros da advocacia e da Defensoria Pública compreendam, definitivamente, ser possível realizar a defesa sem violar ainda mais a vítima ou sem desestabilizar a mulher advogada.
*Maria Carvalho é advogada criminalista e presidente da Comissão de Direitos dos Refugiados da OAB/PE*