Um Estudo sobre os usos do Direito na aprovação da PEC do Congelamento dos Gastos Públicos

 

Coluna Lido para Você, por José Geraldo de Sousa Junior, articulista do Jornal Estado de Direito

 

 

 

Título da Obra – Direitos Humanos e Tenebrosas Transações: Um Estudo sobre os Usos do Direito na Aprovação da PEC do Congelamento dos Gastos Públicos, de Pedro Pompeo Pistelli Ferreira, Dissertação de Mestrado defendida no Programa de Pós-Graduação em Direitos Humanos e Cidadania (PPGDH), do Centro de Estudos Avançados Multidisciplinares (CEAM), da Universidade de Brasília (UnB), Brasília, 28/06/2019, 189 p.

 

Li este trabalho como dever de ofício, na condição de examinador participantes da Banda de Defesa da Dissertação. Assim, junto com meus próprios comentários, valem-me aqui para efeito de leitura crítica, o rico debate proporcionado pelos demais membros, a começar pelo Orientador Professor Alexandre Bernardino Costa, Professora Liana Maria da frota Carleial, da Faculdade de Economia da UFPR e Professor Edemilson Cruz Santana Junior, do Instituto de Ciências Sociais, da UnB.

Este meu Lido para Vocêrepercute, portanto, a interlocução estabelecida no momento da defesa e o impacto do exame da Dissertação, revelando um rico material que vale também como notícia para os Editores, no sentido de motivar seu interesse de publicação.

A minha interlocução com o autor remonta ao seu percurso imediatamente anterior à defesa da dissertação, nas etapas preparatórias do programa de mestrado no qual ela foi desenvolvida. Refiro-me aos debates em sala de aula, sobretudo nas disciplinas de fundamento, a partir de onde, alguns aspectos epistemológicos calçaram parte desses fundamentos, valendo por em relevo aqueles que aludem ás teorias críticas do direitos e dos direitos humanos, assumindo o autor na dissertação, alguns desses pressupostos notadamente os relativos à concepção de O Direito Achado na Rua (conferir em http://estadodedireito.com.br/colecao-direito-vivo/).

Em resenha recentemente publicada, efetivamente, Pedro PompeoPistelli Ferreira (Revista InSURgência | Brasília | ano 3 | v.3 | n.2 | 2017 | ISSN 2447-6684)), colabora para por em evidência esses pressupostos, exatamente a propósito de meu livro com Antonio Escrivão Filho – Para um Debate Teórico-Conceitual e Político sobre os Direitos Humanos, Belo Horizonte: Editora D’Plácido, 2016, 2a. Edição 2019 (verhttp://estadodedireito.com.br/para-um-debate-teorico-conceitual-e-politico-sobre-os-direitos-humanos/) – no que eles guardam conexão com suas escolhas teóricas na Dissertação, afirmando que:

“os principais méritos da presente obra, a nosso ver, consistem, justamente, na priorização dada à ação dos “de baixo”, à práxis dos movimentos populares de homens e mulheres que se levantam contra a opressão, e na tentativa de apreender o processo global de luta pela realização dos direitos humanos, marcada pela permanente tensão entre classes espoliadas e espoliadoras, grupos oprimidos e opressores. Esses dois momentos, profundamente interconectados, parecem-nos duas tarefas que devem ser defendidas de forma ainda mais enfática diante de um contexto de contrarreformas e profundos retrocessos ancorados na ideologia neoliberal. Mais que isso, essas duas posturas podem servir de consenso mínimo entre as teorias críticas do direito no Brasil, que passaram muito tempo batendo cabeças acerca de qual seria a resultante do processo global de formação do direito (a organização legítima da liberdade ou as relações de equivalência entre sujeitos de direito que trocam mercadorias?). Apesar dessas discordâncias não serem irrelevantes, parece-nos fundamental que esses grupos consigam encontrar um terreno comum de debate que, por sua vez, permita a união de esforços contra os recentes ataques contra os grupos subalternizados e os movimentos populares, encampados pelo executivo, pelo legislativo e pelo judiciário”.

Em sua Dissertação Pedro PompeoPistelli Ferreira se propõe:

compreender a concepção de direitos humanos subjacente nos argumentos e usos do direito empregados em defesa da aprovação da Emenda Constitucional 95/16” analisando os discursos “utilizados por grupos defensores dessa medida que têm alguma implicação de uso de direito e posterior possibilidade de construção de uma noção de direitos humanos”. Teoricamente Pedro Ferreira vale-se da “dialética social do direito de (Roberto) Lyra Filho, com centralidade dada à constante e dinâmica contradição entre classes espoliadas e espoliadores, grupos oprimidos e opressores” num amálgama ideológico que exponha a ideologia jurídica que embale a apropriação retórica de uma “concepção restrita de direitos humanos” , com a qual se costura “as mediações necessárias para aglutinar as frações da burguesia brasileira e internacional constituída em frente estatal-empresarial unificada em torno da implantação de um neoliberalismo puro em solo nacional” (do Resumo da Dissertação).

Embora conscientemente engajada, não só pela expressa opção de compromisso exposta na dedicatória ((Às esfarrapadas e aos esfarrapados do mundo) e na adoção de pressupostos radicalmente críticos que se arrimam nas filosofias e teorias da libertação, eco certamente de sua iniciação acadêmica sob a orientação lá na UFPR de Celso Ludwig e do marxismo heterodoxo sintetizado pelo humanismo dialético de Roberto Lyra Filho, o trabalho de Pedro Ferreira, muito forte nesses fundamentos epistemológicos, acaba cedendo ao verbalismo de conjuntura, atribuindo vigor significativo à retórica artificiosa das diatribes economicistas do arranjo neoliberal em curso no país.

Não creio que se trate de uma ingenuidade analítica, espécie de síndrome de Estocolmoàs avessas que um mergulho tão profundo nas fontes de sustentação dessa retórica de acumulação, excludente e perversa acaba produzindo (“Assim, ao recortar o objeto, lemos um corpus principal de trinta textos relevantes formulados publicamente pela equipe econômica do governo Temer…identificamos que há, dentro das justificativas desse grupo, uma recorrência a argumentos jurídicos (em sentido amplo)…raciocínios tecnocráticos de gestão da economia via os ensinamentos da ortodoxia econômica…os direitos embasados por meio de uma ‘retórica da condição necessária’, segundo a qual o fundamento de todo e qualquer direito humano seria a garantia da rentabilidade do capital investido no país”).

Longe disso, basta registrar o respeitoso reconhecimento que os economistas de alta extração crítica atribuíram aos argumentos do autor no curso de defesa. Elas advertem no sentido de que de modo algum se dê relevo ao econômico que tenha se arrependido, desde a sua clivagem, nos séculosXVIII e XIX de se configurar em modo político e armar-se de sentimentos morais (Adam Smith). Cuida-se, antes, pois,  de não se deixar ludibriar-se nessa retórica de esvaziamento da dimensão material que constitui o humano, como bem sabe o autor com base nos ensinamentos de Herrera Flores e preservar a consciência de que há um abismo intransponível entre neoliberalismo e direitos humanos (http://estadodedireito.com.br/neoliberalismo-e-direitos-humanos/).Nesse livro de Avelãs Nunes, também citado pelo autor, a sua conclusão não poderia ser mais contundente e na contracorrente dos ensaios de austeridade em curso aqui e alhures apoiados por golpes institucionais e juridicidades de exceção:

“o projecto neoliberal está condenado ao fracasso  e já é possível pensar em alternativas credíveis de um mundo de cooperação e de solidariedade, um mundo capaz de responder satisfatoriamente às necessidades fundamentais de todos os habitantes de planeta”.

Aplicando esses fundamentos, pudemos assim, Renata Carolina Corrêa Vieira e eu (https://constitucionalismo.com.br/democracia-e-bem-viver/), sustentar uma chamada para que se reponha na esteira da defesa da Constituição e da Democracia, “exigências acerca das reformas estruturais pelas quais passa o debate hoje, vale dizer, a nota social que se vai perdendo e que acaba por retirar a dimensão ético-política que deve presidir a sua orientação. Cuida-se, pois, de definir políticas públicas, inclusive no que concerne à reforma do Estado e dos serviços públicos, que sejam obedientes a valores. Na medida de seu potencial transformador das instituições e dos perfis de desempenho, esses valores é que vão permitir organizar, na sociedade e no Estado, padrões de cooperação, solidariedade e participação, por meio dos quais, à lógica excludente e alienante que se sustenta no primado da acumulação monopolista, se oponha, como prioridade de ação, da sociedade e do governo, a lógica democrática que se sustenta no primado de uma equitativa distribuição, enquanto se oriente para projeções que garantam o direito à vida plena, bem vivida, vida decente”.

Há na análise de Pedro Ferreira um ponto que desafia pontos de vista para tomadas de posição tanto no plano teórico quanto no plano político, para leitura adequada do que ele próprio consigna como  usos do direito, categoria forte de seu trabalho que vai lhe permitir designar a ambiguidade que vai conferir legitimidade ao emprego pelos movimentos sociais de cima (frente estatal-empresarial que forma a subjetividade da burguesia e suas frações de classe s dominantes), do discurso dos direitos humanos que fundamentam sua concepção e organização de mundo:

“numa retórica da condição necessária como base do todo e qualquer direito humano (que) seria a garantia da rentabilidade do capital investido no país (inscrita no direito de propriedade dos grandes investidores)”.

Aqui reside o núcleo de eventual divergência que interpela nossos pressupostos, os meus e os do autor, que não é nova e que o próprio Pedro Ferreira explicitou na resenha sobre meu livro com Escrivão Filho (“qual seria a resultante do processo global de formação do direito (a organização legítima da liberdade ou as relações de equivalência entre sujeitos de direito que trocam mercadorias?”).

Tal como externei durante a arguição, num mundo que ambiguidades não se prestem de álibi para disfarçar antagonismos radicais, vale ainda o critério proposta por Merleau-Ponty quando se trate de discernir entre discursos que só na aparência são unívocos. De fato, lembra o filósofo, se todos defendem os mesmos valores – a liberdade, a justiça, o direitos – então, o que separa. E ele responde, a qualidade de homens com os quais nos associamos para defender a liberdade, a justiça e os direitos: os senhores ou os escravos.

É possível falar-se em direitos humanos que não emancipem, que não incluam, que não façam o salto dos interesses para os modos jurídicos que garantam o acessso igualitário e universal aos bens socialmente criados e produzidos, como entre outros sugere Marilena Chauí? (http://estadodedireito.com.br/dialogos-com-marilena-chaui/): com efeito ela o associa ao processo de “criação de direitos” e, discorrendo sobre a “liberdade como autonomia”, designa os “sujeitos capazes de dar a si mesmos a lei”, sujeitos, portanto auto-nomos (auto, isto é, a si próprios; nomos, a norma, a lei), referindo-se à possibilidade de que, no interior da sociedade civil, para além do privado e dos interesses, se constitui uma região instaurada pelos direitos, âmbito da cidadania. E, conclui: cidadania – a capacidade de colocar no social um sujeito novo que cria direitos e participa da direção da sociedade e do Estado”.

Por isso Marx, lembrei isso também na arguição (Programa de Ghota de 1875), para quem:

“o trabalho é a fonte de toda a riqueza e de toda a cultura e como, em geral, o trabalho produtivo só é possível pela sociedade, o seu produto integral pertence à sociedade, quer dizer, a todos os membros desta, devendo todos participar no trabalho em virtude de um direito igual, recebendo cada um segundo as suas necessidades”.

Portanto, se uma sociedade justa representa o acesso igualitário (universal) aos direitos, a emancipação é tarefa solidária, em movimento instituinte, num processo de humanização afluente que seja a superação de qualquer domínio de classe, de fração de classes e de modos de espoliação e de opressão entre as pessoas.

Por isso que só concebo pensar, com Marilena Chauí, com Roberto Lyra Filho, em movimentos sociais em sua dimensão emancipatória. Esse de resto, o sentido e o alcance de mina tese (O Direito como Liberdade. O Direito Achado na Rua. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 2011).

Referindo-me ao tema dos movimentos sociais, registro o trabalho de IlseSherer-Warren quando ela faz a diferenciação entre os movimentos sociais tradicionais (sociedade industrial) e os novos movimentos sociais (CEBs-comunidades eclesiais de base, novo sindicalismo, movimento de mulheres e ecologista). Em relação aos últimos, apontando à emergência de uma nova cultura política a partir das propostas presentes nas suas pautas de reivindicações: democracia direta, de base ou representativa; autogestão e novas formas de vida comunitária.

Depois, quando conceitua os movimentos sociais como formas de ação coletiva de natureza contestadora, solidarística e propositiva, de modo a configurar “um conjunto mais abrangente de práticas sociopolítico-culturais que visam à realização de um projeto de mudança, resultante de múltiplas redes de relações sociais entre sujeitos e associações civis. É o entrelaçamento da utopia com o acontecimento, dos valores e representações simbólicas com o fazer político ou com múltiplas práticas efetivas”. Preocupada com a dialeticidade das múltiplas práticas sociais, aponta os caminhos do fortalecimento dos movimentos, por meio do compromisso com a coletividade e a construção da esfera pública democrática, além de combinar a ética, a cultura e o conhecimento reflexivo da ciência, considerando os riscos decorrentes do isolamento ou segregacionismo de qualquer uma dessas dimensões.

O alvo desta elaboração teórica é a possibilidade dos movimentos definirem projetos emancipatórios dentro de cenários de globalização pautados pela homogeneização da cultura, a fragmentação da vida societária e reações fundamentalistas. Neste caso, a configuração de movimentos sociais libertários, sensíveis à diversidade cultural e à justiça social só conseguirão se fortalecer à medida em que articularem dialeticamente as dimensões e práticas sociais apontadas acima.

Quanto às redes de movimentos que estão se constituindo no Brasil, Sherer-Warren  define algumas características: a) articulação entre atores e movimentos sociais e culturais; b) transnacionalidade; c) pluralismo organizacional e ideológico e d) atuação nos campos cultural e político. No primeiro, ocorrem diversas formas de articulação por razões múltiplas; no segundo, há uma intensidade diferente nas diversas redes, funcionando uma cooperação em mão dupla: as ONGs estrangeiras propiciam recursos para a execução de projetos no país; no terceiro, observa-se atores sociais participando de várias redes ou organizações, compartilhando princípios éticos comuns; e  no último, as redes de movimentos tendem a atuar na formação de novos sistemas de valores, configurando uma dimensão ética de compromisso com o futuro da coletividade ao nível local, nacional e planetário.Com essas atribuições, as redes ganham significados políticos à medida que se tornam alvo de uma prática mais democrática e tolerante em relação à diversidade social, construindo um imaginário de paz e de novas utopias ou modo de vida alternativos.

Em outros trabalhos ela  destaca o dinamismo da realidade dos movimentos sociais no contexto da globalização e informatização da sociedade e aponta a existência de uma nova configuração da sociedade civil organizada, expressa nos múltiplos tipos de ações coletivas recentes. Neste caso, reconhece três níveis desta configuração: 1º.) associativismo local (associações civis e movimentos comunitários – Núcleos do MST); 2º.) articulações inter-organizacionais (foruns, associações nacionais de ONGs e redes de redes); 3º.) mobilizações na esfera pública (articulação entre atores de movimentos sociais localizados, fóruns, ONGs e redes de redes, como forma de pressão política) .

Tendo em vista a multiplicidade das ações coletivas contemporâneas, a autora propõe um olhar sobre a diversidade identitária dos sujeitos, a transversalidade nas demandas por direitos, as formas de ativismo e empoderamento através das articulações em rede e a participação política das organizações em rede. No nosso caso, cabe destacar a transversalidade nas demandas por direitos que encontra nos fóruns e redes transnacionais de organizações, espaços importantes “para a articulação das lutas por direitos humanos em suas várias dimensões sociais”. A referência organizada é a Plataforma DhESCA (direitos econômicos, sociais , culturais e ambientais), defensora da indivisibilidade dos direitos, que tem uma articulação com diferentes sujeitos e redes: Movimento Nacional de Direitos Humanos (MNDH), Fórum Nacional de Entidades de Direitos Humanos (FENDH), além da articulação com comissões de direitos humanos, pastorais sociais, ONGs e diversas entidades (ambientalistas, afrodescendentes, mulheres e indígenas).

No Brasil, esta transversalidade das lutas sociais por direitos tem, segundo a autora, uma base no Forum Social Mundial e em diferentes redes que atuam do local ao global, alargando o conceito de direitos humanos e expandindo a base das mobilizações. Um exemplo importante é o da Marcha Mundial das Mulheres (MMM) que surgiu no Canadá em 1999 sob o lema “pão e rosas”, como expressão contra a pobreza e a violência, conclamando os movimentos sociais a lutar por um “outro mundo” e novos direitos, fazendo uma crítica ao colonialismo, imperialismo, escravismo, trabalho forçado, misoginia, xenofobia, sexismo, racismo e homofobia. Pautada nos valores da liberdade, igualdade, solidariedade, justiça e paz, transformou-os em demandas coletivas da Marcha. Reivindicando direitos civis, políticos, econômicos, sociais, culturais, ambientais e das minorias, a “Carta Mundial das Mulheres para a Humanidade” é a expressão de um movimento que luta contra a exclusão e a violência, incorporando as “ dimensões de gênero,  étnica, etária, regional, de equidade e de qualidade de vida”. Assim, além de se comunicar diretamente com o movimento das mulheres, alcança movimentos sociais de outra natureza “formando   redes de redes de movimentos, identidades plurais, radicalizando a democracia a partir dos níveis locais, regionais, nacionais até o transnacionais na direção de uma cidadania planetária”.

No projeto “O Direito Achado na Rua”, as nossas referências vêm de Nair Heloisa Bicalho de Sousa que recoloca a questão dos novos sujeitos sociais na perspectiva do sujeito coletivo de direitos. Nos seus trabalhos, parte da ideia da pluralidade de sujeitos, cujas identidades são fruto da interação social que permite reconhecimento recíproco, assim como seu caráter coletivo está vinculado à politização dos espaços da vida cotidiana e à prática de criação de direitos. Neste sentido, a classe trabalhadora se soma às lutas de diferentes movimentos sociais (mulheres, homossexuais, indígenas, ecologistas dentre outros), que entraram na cena pública com suas demandas específicas de reconhecimento e negociação de direitos.

Tomando como referência as propostas de Thompson, com quem Pedro dialoga, a Professora Nair Bicalho analisa a classe trabalhadora como sujeito e movimento “em permanente autofazer-se a partir do cotidiano onde estão presentes suas tradições, crenças, sentimentos e valores, mediados por relações sociais que expressam a experiência vivida a respeito de suas condições sociais de existência. Falamos assim de sujeitos com experiências comuns e identidade de interesses que se contrapõem às de outros agentes sociais com os quais se relacionam na sociedade” Ao tratar da trajetória da classe trabalhadora brasileira desde 1889 até os anos 1990, a autora demarcou um cenário histórico onde os trabalhadores aparecem em uma trajetória de luta por direitos que ganha dimensão inovadora nos anos 1990.

Em Trabalhadores pobres e cidadania. A Experiência da Exclusão e da Rebeldia na Construção Civil (Uberlândia: Editora EDUFU, 2006),  trata do processo de formação do sujeito coletivo na construção civil a partir da vida em família, da experiência de trabalho nos canteiros de obra e da cidadania do protesto presente nos quebra-quebras, onde os trabalhadores usam a violência para garantir direitos até a vivência das greves operárias, momentos de configuração emergencial do sujeito coletivo. Com base nas suas experiências no mundo privado e nos conflitos vivenciados no cotidiano de trabalho, nos quebra-quebras, nas greves e nas representações sociais sobre justiça, lei e direito, ela constata a configuração de uma identidade de interesses compartilhados que tornam possível a instrumentalização de uma luta coletiva pela criação de direitos.

Ainda que empurrados para o limite da exclusão com a supressão dos direitos da cidadania, a luta operária e sindical, quando articulada à questão da justiça, abre um campo simbólico nas representações culturais da ação, para o auto-reconhecimento de um sujeito coletivo capaz de se tornar protagonista de estratégias de alcance público que garantem legitimidade e reconhecimento para suas demandas e seu projeto de mundo.

Essas contribuições dialogam com o campo dos novos movimentos sociais, à medida em que trabalham com “configurações de classe” presentes no cenário histórico da sociedade brasileira, junto com os distintos movimentos sociais que se configuram em redes de movimentos e se articulam com associações  civis, fóruns e demais instrumentos democráticos e participativos, emancipatórios, instituintes de direitos.

Pedro Ferreira, em sua Dissertação acaba, ao fim e ao cabo, aderindo a essa perspectiva, bastando ver, a assertiva final de seu trabalho:

“No campo dos direitos humanos, isso implica pensar (um futuro possível para além do neoliberalismo) a instituição deste por meio de uma ideia de sujeitos que se autoproduzem a partir de uma práxis processual, relacional e articulada por tramas sociais e ações conscientes…o insituinte, que é, justamente, a possibilidade de fomentar e fortalecer a práxis de libertação dos oprimidos em sua manifestação mais concreta: a dos movimentos populares que se opõem à espoliação neoliberal e constroem a práxis autogestionada e cooperativa do Comum”.

 

 

 

José Geraldo de Sousa Junior é Articulista do Estado de Direito, possui graduação em Ciências Jurídicas e Sociais pela Associação de Ensino Unificado do Distrito Federal (1973), mestrado em Direito pela Universidade de Brasília (1981) e doutorado em Direito (Direito, Estado e Constituição) pela Faculdade de Direito da UnB (2008). Ex- Reitor da Universidade de Brasília, período 2008-2012, é Membro de Associação Corporativa – Ordem dos Advogados do Brasil,  Professor Titular, da Universidade de Brasília,  Coordenador do Projeto O Direito Achado na Rua.

 

                                   

 

Comentários

  • (will not be published)