Economia mercantil
A sociedade se mercantilizou. Essa afirmação, para alguns desavisados, não diz respeito a uma constatação tardia e, talvez até retardada, da substituição de uma economia amonetária, anterior à Idade Média, para uma economia mercantil. A minha idade e meu estado mental, ainda bem, não me atingiram a ponto de cometer essa falha. O que se quer dizer, com a oração que inicia o texto, é que o dinheiro, no mundo contemporâneo, dominou todas as relações. Desde as propriamente comerciais, até as amorosas.
Meu mentor e sempre mestre Sylvio Capanema costuma utilizar uma curiosa expressão para designar esse “fenômeno”: em todas as relações da vida o diabo se faz representar por alguém. Entretanto, quando a relação envolve dinheiro, nesta ele se faz presente pessoalmente.
Podemos ir até mais longe. Algumas décadas após a morte de Cristo – e, portanto, há quase dois mil anos atrás – Paulo já havia escrito, em sua primeira carta a Timóteo, que o amor ao dinheiro é a raiz de todos os males (1 Timóteo 6:10).
Michael Sandel, em seu best seller “What money can’t buy” (cujo título em português é “O que o dinheiro não compra”), afirma peremptoriamente que, atualmente, são poucas as coisas que não se pode comprar com o dinheiro. Isso significa que aquela odiosa expressão de que “todo mundo tem seu preço” é cada vez mais verídica.
Tudo isso é para refletirmos.
Corrupção
E os recentes e incontáveis escândalos de corrupção, não só em nosso país como em todo mundo, comprovam isso. E o seu fundamento é, por óbvio, o dinheiro. A ganância e o amor a ele fazem com que até os que melhor enxergam fiquem cegos.
O desejo pelo dinheiro põe sobre os olhos das pessoas uma venda, a qual, incrivelmente, não consegue ser tirada. O afã de obter mais e mais números em uma conta, seja na Suíça, seja em outro paraíso fiscal, faz com que as pessoas passem por cima de tudo e de todos.
No nosso país, particularmente, o que se vê é isso. Hospitais abandonados, transportes públicos precários e segurança pífia – com profissionais (?) absolutamente despreparados e incapacitados para proteger a população – são fruto da má administração e a incansável, incessante e estratosférica corrupção.
Esquecem-se, os administradores da coisa pública, que o saco tem, sim, um fundo.
O que fazer, então? Abolir o dinheiro? Não, obviamente que não.
O dinheiro, em si, não é problema. Sem ele, nenhuma economia subsistiria.
Infelizmente, em nosso país, ter dinheiro é um pecado. Ganhar honestamente vultosas quantias, com o suor de seu trabalho, é motivo de vergonha, como se isso fosse algum ilícito.
Mas não é. Muito pelo contrário. Desfrutar daquilo que ganhamos com o suor de nosso rosto é bom, reconheço que é muito bom. Vergonha é obtê-lo de modo desonesto. Aí sim mora o pecado.
E agir desonestamente para ganhar dinheiro tem uma razão: o amor pela moeda. Quem ama o dinheiro, quem faz tudo com o único objetivo de ganhá-lo é capaz de colocá-lo à frente e acima de tudo. E é aí que vemos as más consequências.
À toda evidência, no dinheiro está inserido o poder. Ambos caminham lado a lado, especialmente em uma sociedade em que o status se afere pela capacidade econômica do sujeito. Ser bem-sucedido e bem visto é proporcional à quantidade de dinheiro que se tem na conta. Um puxa o outro.
Por tudo isso, penso que está mais do que na hora de se dar uma chacoalhada na sociedade, punindo-se com severidade aqueles que desviam e usam o dinheiro público para fins pessoais e privados e, deste modo, privam os mais necessitados do exercício de direitos mínimos e essenciais, que integram o núcleo da dignidade da pessoa humana.
Nosso direito e dever
Cabe a nós, cidadãos, reclamar dos poderes públicos, através dos instrumentos jurídicos adequados e legítimos, uma atuação mais enérgica e eficaz. Nessa semana que passou vimos, estarrecidos, um prometendo não instaurar o processo de impeachment em troca de ser blindado de acusações de corrupção, a qual se comprovaria pela existência de altos numerários em contas no estrangeiro. O outro exige alguma vantagem para votar pela aprovação da CPMF, tributo que tem como único objetivo, ao que parece, cobrir um rombo causado pela má administração federal.
E aqui, é importante frisar, não se está defendendo a efetiva derrubada da Presidente da República ou a aprovação, ou não, de um novo tributo. O que se está condenando são as articulações políticas que visam, unicamente, ocultar mais desvios de conduta, para evitar uma coisa e viabilizar outra.
No processo de impeachment, uma vez instaurado, todos terão a oportunidade de comprovar o cometimento, ou não, de crimes de responsabilidade, bem como o de demonstrar que eles não ocorreram. Tudo isso dentro da legalidade e do devido processo legal, que pode ser instaurado ante os grandes indícios de irregularidades.
O mesmo diz respeito à criação de novos tributos. Há que se abrir as contas, demonstrar onde está o erro. O havendo, deve-se corrigi-lo, ao invés de onerar a população. Se não há, se tudo é fruto de uma crise momentânea em que não há responsáveis diretos, mas sim casos fortuitos, de força maior ou fato de terceiros, todos devem, de modo solidário, colaborar para “tapar o buraco”.
Mas tudo há que ser feito às claras, à luz do dia. Não há brilho maior do que o do sol para uma atuação legítima e transparente, como deve ser a da gestão da coisa pública. Tudo o que é efeito às escuras, às escondidas, não pode ser bom. Especialmente para o público.
Portanto, penso que o debate deve ser pela maior exigência de transparência. Quando esta é plena, todos sabem o que acontece, e podem até opinar por soluções.
Quando há transparência, não há vilões ou heróis mascarados. Todo mundo sabe quem é quem. Assim, tornamo-nos todos iguais, com os mesmos deveres e responsabilidades éticas e morais. E é assim que deve ser.