Sobre a democracia: uma rápida provocação

Coluna Instante Jurídico

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Foto: Tomaz Silva/Agência Brasil

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Reflexão sobre a Democracia

Drummond, ao lançar um olhar obscuro sobre a Democracia, definiu esta como uma forma de governo em que o povo imagina estar no poder. Ao que parece, o cotejo engendrado pelo filho da cidade mineira de Itabira embaralha-se com outros formulados no decorrer da história, forçando-nos, portanto, a uma reflexão mais aprofundada sobre como se dão os processos de escolha dos representantes na contemporaneidade e também sobre o sistema de participação voltado às deliberações de interesse da coletividade.

Nesse sentido, extrai-se das palavras do mencionado poeta certa tempestividade, sobretudo no cenário brasileiro, aonde se apercebe uma nova roupagem conferida aos pressupostos democráticos instituídos pela Constituição da República de 1988.

Democracia não é fruto de geração espontânea

Em que pese o ceticismo de alguns especialistas quanto às chances reais democratização, há de se considerar o seguinte: democracia não é fruto de geração espontânea, isto é, não é um instituto originado de uma “Caixa de Pandora”[1] de virtudes políticas com vistas a estabelecer apenas à legitimidade do regime de governo a ser adotado pelo Estado ou promover o reconhecimento do indivíduo como cidadão; em verdade, tal instituto decorre de erros e acertos promovidos pelos sistemas políticos no decorrer da história, em contextos marcados por lutas pelo exercício do poder.

Frise-se, a democraticidade de um Estado não pode ser utilizada como resposta a todos os problemas constantes na sociedade política – e com razão –, haja vista o caráter plurívoco empregado ao referido instituto.

Veja-se, a alta densidade conceitual envolvendo o termo “Democracia” é tomada, certa das vezes, por definições complexas, variantes, de significações abertas, ou mesmo contraditórias, que acabam por inviabilizar o sentimento transformador tão esperado pelas atuais Cartas Políticas.

Da leitura do preâmbulo do atual texto constitucional extrai-se que vivemos num Estado Democrático. A pergunta recorrente é: afinal, que quer dizer democracia?

Foto: Sumaia Villela/Agência Brasil

Foto: Sumaia Villela/Agência Brasil

Ora, não é possível adentrar no discurso democrático sem antes rememorar das palavras de Abraham Lincoln proferidas no discurso de Gettysburg sobre a essência de Democracia: “[…] Governo do povo, pelo povo e para o povo.[2]”

“O Povo”… Esse certamente é o primeiro termo aberto que integra o conceito de Democracia. A afirmativa soa tão verdadeira que ao se analisar cuidadosamente a etimologia[3] da palavra Democracia, verifica-se que esta nasce justamente para referi-lo.

Prevista e facilitada a ampla participação dos interessados

A julgar pela concepção de que o povo é, senão, o pilar de sustentação de um Estado Democrático efetivo, então podemos partir de uma definição mínima do instituto: democracia é “um conjunto de regras de procedimento para a formação das decisões coletivas, no qual está prevista e facilitada a ampla participação dos interessados”[4].

Partindo dessa perspectiva, a pergunta que ora se decanta é: e a Constituição brasileira? A mesma é tão democrática quando diz que é?[5]

Notas e referências bibliográficas:

[1] Expressão usada aqui de forma metaforicamente antagônica, pois, como se sabe, segundo a mitologia grega, a Caixa de Pandora tratava-se, na verdade, de um jarro dado a Pandora – primeira mulher criada por Zeus como punição aos homens pela ousadia do Titã Prometeu ter roubado o segredo do fogo do Olimpo e ter dado aos homens – que continha todos os males do mundo.
[2] HOFSTADTER, Richard. Great Issues in American History. New York: Vintage Books, 1958, p.414.
[3] O referido vocábulo provém do grego “démokraia, de dêmos ‘povo’+ kratía, ‘força, poder’ (do v.gr. kratéó ‘ser forte, poderoso’)”. Cf. RIBEIRO, Darci Guimarães; SCALABRIN, Felipe. O Papel do Processo Na Construção da Democracia: Para Uma Nova Definição da Democracia Participativa. In Revista Scientia Iuris. nº1. v.17 – Mar., 2013. Disponível em: <http://www.uel.br/revistas/uel/index.php/iuris/article/view/4098/3493>. Acesso em: 06 de Setembro de 2016.
[4] BOBBIO, Noberto. O Futuro da Democracia; Uma Defesa das Regras do Jogo. [Tradução de Marco Aurélio Nogueira]. 6. ed. Coleção Pensamento Crítico. v. 63. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1986, p. 5.
[5] Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. “Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembléia Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL.”Cf., BRASIL. Constituição (1988). In: Vade Mecum Saraiva. 5. ed. atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2008, p.7.

 

Raphael AlmeidaRaphael de Souza Almeida Santos é Articulista do Estado de Direito. Graduado em Direito pela Faculdade Pitágoras – Unidade Divinópolis. Pós-graduado em Direito Civil e Processual Civil pelo Centro Universitário de Araras (UNAR/SP). Mestre em Direito
Público pela Universidade Estácio de Sá (UNESA/RJ). Professor do Curso de Direito da Faculdade Guanambi (FG/BA). Coordenador do Grupo de Pesquisa de Direito e Literatura, do Curso de Direito da Faculdade Guanambi (FG/BA). Palestrante. Autor e colaborador de artigos e livros. Advogado inscrito na OAB/BA e OAB/MG.

 

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