Na coluna Direito Constitucional em Debate, do Jornal Estado de Direito, convido hoje o advogado especialista em Direito Penal, Jonathan Raicher, para, partindo dos princípios da dignidade humana, demonstrarmos como funciona o atual modelo carcerário da Justiça Militar de São Paulo. Em seguida, abordaremos os sujeitos que, pela norma do Tribunal de Justiça Militar do Estado de São Paulo, estão sujeitos à jurisdição da Justiça Militar, tendo como consequência o fato de que este é o único núcleo de pessoas que hoje encontram alguma dignidade em uma situação de encarceramento no país.
A dignidade humana
Pois bem, Alexandre de Moraes (cf. Direitos Humanos Fundamentais. 9a. edição. São Paulo: Atlas. 2011. p. 48) menciona que “a dignidade é um valor espiritual e moral inerente à pessoa, que se manifesta singularmente na autodeterminação consciente e responsável da própria vida e que traz consigo pretensão ao respeito por parte das demais pessoas, constituindo-se um mínimo invulnerável que todo estatuto jurídico deve assegurar, de modo que, somente excepcionalmente, possam ser feitas limitações ao exercício dos direitos fundamentais, mas sempre sem menosprezar a necessária estima que merecem todas as pessoas enquanto seres humanos. […] O princípio fundamental consagrado pela Constituição Federal da dignidade da pessoa humana apresenta-se em uma dupla concepção. Primeiramente, prevê um direito individual protetivo, seja em relação ao próprio Estado, seja em relação aos demais indivíduos. Em segundo lugar, estabelece verdadeiro dever fundamental de tratamento igualitário dos próprios semelhantes.” Moraes, assim, defende que a dignidade da pessoa humana refere-se a um mínimo invulnerável, com dupla perspectiva: 1) individual protetivo; e 2) dever de tratamento igualitário.
Tendo essa dupla perspectiva em mente, passamos a analisar as condições de encarceramento de uma das mais conhecidas unidades prisionais militares do país, o presídio “Romão Gomes”, localizado na cidade e Estado de São Paulo.
Um exemplo de excelência
Segundo recente relatório da Secretaria de Direitos Humanos (cf. Relatório de Visita ao Presídio Militar Romão Gomes do Estado de São Paulo, Brasília, Outubro de 2015) (SDH), o presídio Romão Gomes se destaca por ser o único presídio militar do país que abriga exclusivamente militares e ex-militares, homens e mulheres, em situação de encarceramento provisório – que ocorre enquanto ainda perdura o processo criminal – e em situação de prisão definitiva. O presídio militar em questão possui diversos prêmios internacionais de certificação de qualidade, dentre eles o ISO 9001:2012, sendo que, conforme o relatório da SDH, as celas apresentam “boa ventilação, espaço adequado para o número que comporta”, “boas condições conservação, iluminação e segurança”, não tendo se detectado “qualquer espécie de insalubridade nestes locais”.
Dos quase 200 detentos que se encontram encarcerados preventivamente ou definitivamente no presídio Romão Gomes, quase 90% desenvolvem diferentes atividades laborativas, o que é considerada uma taxa altíssima em relação aos presídios comuns do país.
Cabe destacar também, segundo o mencionado relatório, que diferentemente das prisões que abrigam civis em seu interior, no presídio Romão Gomes foi observado que os detentos “não andavam com as mãos para trás nem tão pouco de cabeça baixa diante das autoridades, muito pelo contrário a postura era mantida, em várias vezes batiam continência”, caracterizando-se um sentimento de grande respeito na convivência dos encarcerados em relação aos agentes carcerários, e vice-versa. Os presidiários, no entanto, devem acordar cedo, respeitar estreitamente o regime disciplinar que lhes é imposto, cantar hinos em formação militar quatro vezes por dia, e manter o interior do presídio sempre devidamente organizado.
Marco Antonio Basso e Alexandre Magno de Jesus Ferraz (cf. Presídio da Polícia Militar “Romão Gomes”. A Ressocialização com Dignidade do Reeducando. São Paulo: Revista Eletrônica FMU, v. 26, 2012) também destacam o fato de que todos os agentes públicos envolvidos no dia-a-dia do presídio Romão Gomes são altamente comprometidos com o caráter ressocializador da pena e da prisão, “evitando inclusive o uso da palavra ‘preso’, pois esta é uma palavra de técnica conceitual para a operação do direito, (mas) que para o ser humano soa de forma pejorativa”.
Por último, ressaltamos para o fato de que a taxa de fuga do presídio Romão Gomes é baixíssimo, sendo constatados apenas três casos até o momento, um ocorrido em 1990, outro em 2010, e o último em 2015 envolvendo a fuga de dois detentos.
Um exemplo de exceção
Pelos exemplos aqui mencionados, ousamos afirmar que o presídio Romão Gomes segue padrões de excelência no tratamento realizado pelo Estado para com a população carcerária, equiparáveis àqueles seguidos por países considerados “de primeiro mundo” no cenário internacional – considerando os países em que também são baixos os níveis de encarceramento e de reincidência criminal entre a população.
Aliás, não são precisos grandes esforços para demonstrar que o presídio Romão Gomes em nada se assemelha com a quase totalidade dos presídios do país, caracterizando um exemplo excepcional de correspondência com o princípio constitucional da dignidade da pessoa humana, tal conforme ambas as perspectivas mencionadas acima, individual protetivo e de tratamento igualitário pelo Estado[1].
Em outras palavras, do que comumente se conhece da realidade do país, percebe-se que o presídio Romão Gomes não é capaz de retratar ainda que minimamente o quadro geral do sistema carcerário brasileiro, sendo discrepante o tratamento deste presídio aos detentos que nele se encontram, em relação às demais pessoas em situação de encarceramento no país, cuja violação ao princípio constitucional da dignidade da pessoa humana consiste regra comum.
Um exemplo de exclusão
Por fim, destacamos o que hoje prevê a resolução n° 09/2012 do Tribunal de Justiça Militar do Estado de São Paulo, que dispõe sobre os detentos que poderão cumprir pena no presídio Romão Gomes:
De acordo com o artigo 13 e seguintes da Resolução, todo policial militar ativo do Estado de São Paulo, ou em situação de inatividade remunerada, será incluso no presídio Romão Gomes para fins de execução da pena provisória ou privativa de liberdade. Também os ex-policiais militares estão inclusos nesta regra, desde que o mandado de prisão tenha sido expedido pela Justiça Militar, mas – destacamos – independentemente da natureza militar ou comum do crime praticado.
Além destes, os soldados temporários e os policiais militares que se encontram de licença não remunerada poderão cumprir a pena no presídio Romão Gomes, até o momento em que eventualmente perderem esta condição, quando então serão transferidos para o sistema prisional comum. Por último, militares das forças armadas nacional ou policiais militares de outros Estados também poderão cumprir a pena no presídio Romão Gomes, quando autorizados pelo Juiz Corregedor do Presídio.
Como se pode perceber, portanto, é uma mínima parcela populacional que tem o direito de ser recolhido em um presídio cujas dependências e o tratamento são condizentes com o princípio da dignidade da pessoa humana. A imensa maioria, infelizmente, não terá a mesma sorte. O Brasil peca por um tratamento não isonômico também neste aspecto, privilegiando-se apenas alguns poucos.
Este artigo, no entanto, tem o objetivo de fomentar que todos possam tomar conhecimento da realidade do presídio Romão Gomes, que possamos perceber juntos que outra realidade carcerária é possível, e é aquela que é praticada pela Justiça Militar do Estado de São Paulo. E principalmente, que possamos exigir dos governantes as atitudes no sentido de que este sistema sirva de modelo para outros.
[1]Apenas como mais um pequeno exemplo, o relatório da SDH afirma que o presídio Romão Gomes é o único do país que possui “um local específico destinado a prática de religiões de matriz africana”, em uma clara consonância com primados da diversidade cultural e do tratamento igualitário entre os povos, que também caracterizam o princípio da dignidade da pessoa humana.
Nicholas Maciel Merlone é Articulista do Estado de Direito – Mestre em Direito pelo Mackenzie. Professor Universitário e Advogado.
Jonathan Raicher é Articulista do Estado de Direito – Bacharel em Direito pela PUC-SP e pela Universidade de Coimbra. Especialista em Direito Penal Econômico pela Escola de Direito do Brasil. Mestre em Direito Penal Empresarial pela Universidade de Roma Luiss Guido Carli, Itália. Advogado com atuação especializada em Direito Criminal Empresarial, contencioso e consultivo, e Criminal Compliance. Membro da Comissão de Estudos sobre Corrupção, Crimes Financeiros, Econômicos e Tributários do IASP. Membro da Comissão de Estudos sobre Criminal Compliance, da OAB/SP.
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