Somos tendencialmente portados a buscar novidades. O novo nos atrai justamente por sua característica de introduzir algo diferente, capaz de nos retirar da zona de conforto. Convida-nos a refletir. É assim com o novo CPC. O problema é que aí a novidade é um disfarce: não passa de reinvenção do que já está ultrapassado. O novo CPC não apenas deixa de avançar em aspectos essenciais, tal qual a redução do número de incidentes e recursos, como também insiste num postulado básico refutado pela doutrina processual contemporânea: a proteção aos interesses do devedor. Essa linha de princípio que anima o atual código processual mantém-se inalterada no novo instrumento apresentado como o resultado de estudos pretensamente voltados à efetividade da tutela jurisdicional.
Isso, por si só, o compromete como uma novidade a ser festejada. Se somarmos o fato, facilmente perceptível pela leitura de seus dispositivos, de que resulta compilação de diferentes doutrinas e mesmo teses individuais, por vezes antagônicas, teremos dificuldade em afastar a conclusão que se impõe. O novo CPC nasce ultrapassado naquilo em que efetivamente interessa: sua suposta intenção de perseguir a realização do projeto social de inclusão e solidariedade, contido na Constituição de 1988.
Afinal de contas, é disso que se trata. Há tempo a doutrina processual já reconhece que o processo se justifica apenas na medida em que pode ser utilizado para fazer valer os direitos dos cidadãos brasileiros, a partir de uma lógica de inclusão e diminuição das diferenças sociais, de acesso aos bens elementares à vida digna. Nisso, porém, o novo CPC não avança. Ao contrário, amarra o juiz, submetendo-o a inúmeras regras formais, cujos pressupostos por vezes estão enraizados em doutrinas de matrizes tão diferentes, quanto contrapostas. A necessidade de demonstrar a resposta correta convive com a ponderação, na dicção do artigo 489, apenas para dar um exemplo.
A efetividade está em último plano e, embora figure em alguns dispositivos que, se bem utilizados, poderiam representar mudanças na racionalidade jurídica, tais como a possibilidade de liberação de dinheiro em execução provisória, vem afastada pela autorização de interposição de medidas que tornam nenhuma a eficácia da decisão de primeiro grau.
É certo que nossa tendência primeira é afastar pensamentos assim, pouco otimistas, e embarcar na onda da novidade, embalada por um número expressivo de novas publicações, comentários e artigos, dissecando os mais de mil artigos desse novo código.
Difícil não reconhecer, porém, que quando deveríamos haver já ultrapassado a necessidade cientificista de positivar normas, no mais das vezes para não aplicá-las, festejamos mais um extenso e contraditório regramento jurídico, cujos objetivos mais claros e imediatos são retirar poderes do juiz, reforçar a lógica da conciliação a qualquer preço e legitimar a “nova constituição” que vem sendo editada através de súmulas e decisões dos tribunais superiores. É interessante como o poder legislativo, em evidente manifestação da crise de instituições deste início de século, capitula diante de um poder econômico, para o qual efetividade de direitos sociais é uma agenda preocupante, com a qual é possível conviver apenas no limite em que não atrapalhe.
O novo CPC é, aliás, a melhor expressão dessa crise, pois consegue compilar normas mal importadas de um sistema radicalmente diferente daquele brasileiro, mantendo a estrutura de um processo de matriz romano-canônica e reforçando o poder dos tribunais superiores, enquanto suprime, em igual medida, o conteúdo da atividade judicial.
Para aqueles que lidam com o processo do trabalho e, portanto, estão diariamente diante de cidadãos que buscam créditos alimentares ou a manutenção de seus postos de trabalho, o novo CPC é uma ode ao retrocesso. Ainda bem que temos a CLT, com sua normatividade processual, determinada pela espinha dorsal da proteção, e com a previsão expressa do artigo 769, cláusula geral que impõe não apenas o afastamento de todas as normas externas incompatíveis com esse princípio, mas também a fundamentação suficiente para a importação dessas regras exógenas.
De forma simples e bem mais comprometida com a efetividade dos direitos, a CLT permite uma atuação tão ou mais comprometida do que aquela possível a partir do mais novo código do país.
Não há novidade no horizonte, mas há uma necessidade urgente de resgate da importância do processo do trabalho e de suas normas, escritas e costumeiras, para a reafirmação da atualidade e da importância do Direito do Trabalho.
Valdete Souto Severo – Juíza do trabalho no Tribunal Regional do Trabalho da Quarta Região. Especialista em Processo Civil pela UNISINOS, Especialista em Direito do Trabalho, Processo do Trabalho e Direito Previdenciário pela UNISC, Master em Direito do Trabalho, Direito Sindical e Previdência Social, pela Universidade Européia de Roma – UER (Itália), Especialista em Direito do Trabalho e Previdência Social pela Universidade da República do Uruguai (UDELAR), Mestre em Direitos Fundamentais pela Pontifícia Universidade Católica – PUC do RS. Doutora em Direito do Trabalho pela USP/SP. Pesquisadora do Grupo de Pesquisa Trabalho e Capital (USP) e RENAPEDTS – Rede Nacional de Pesquisa e Estudos em Direito do Trabalho e Previdência Social. Diretora da FEMARGS – Fundação Escola da Magistratura do Trabalho do RS