Segurança jurídica e coisa julgada com base em lei inconstitucional

Em maio, o Supremo Tribunal Federal concluiu importante julgamento para o Estado Democrático de Direito, decidindo, em sede de repercussão geral e por  unanimidade, que a declaração de inconstitucionalidade não tem efeito automático sobre a coisa julgada formada anteriormente a essa decisão (RE n. 730462, relator Ministro Teori Zavascki).

Ou seja, a decisão do STF que declara a inconstitucionalidade de uma norma, mesmo que em sede de controle concentrado, não tem o efeito de rescindir automaticamente a coisa julgada anterior que tenha se fundamentado nessa norma declarada inconstitucional. Assim, consignou o STF que, para tanto, é indispensável a propositura de ação rescisória, nos termos do art. 485 do atual CPC/1973 (art. 966 no NCPC), e, o mais importante, desde que observado o prazo decadencial de dois anos do art. 495 do CPC/1973 (art. 975 do NCPC).

Com isso, o STF deu interpretação conforme a Constituição ao artigo 475-L §1.ª do CPC/1973 (cujo teor, com relação à Fazenda Pública, é repetido em seu art. 741 par. ún), que preconiza que: “Para efeito do disposto no inciso II do caput deste artigo, considera-se também inexigível o título judicial fundado em lei ou ato normativo declarados inconstitucionais pelo Supremo Tribunal Federal, ou fundado em aplicação ou interpretação da lei ou ato normativo tidas pelo Supremo Tribunal Federal como incompatíveis com a Constituição Federal” [no NCPC, v. art. 525 § 12, e, com relação à Fazenda Pública, art. 535 § 5.º].

Deste modo, com essa importante decisão, o STF reconheceu que a retroatividade dos efeitos da decisão de inconstitucionalidade tem como limite a coisa julgada que se formou anteriormente, e que há de ser rescindida por meio de ação própria, se dentro do prazo decadencial.

Tratou-se de um importante reconhecimento do valor constitucional do princípio da segurança jurídica, que é um dos subprincípios do princípio do Estado de Direito. A esse respeito, como bem pontua Jorge Reis Novais, a segurança jurídica é “princípio essencial na Constituição material do Estado de Direito, imprescindível como é, aos particulares, para a necessária estabilidade, autonomia e segurança na organização dos seus próprios planos de vida” (Os princípios constitucionais estruturantes da República portuguesa, p. 261).

Essa é a razão pela qual se pode afirmar ser a segurança jurídica um princípio e, ao mesmo tempo, um fim (um objetivo) e uma função do Direito, falando-se, inclusive, em função social da segurança jurídica. Isto porque, sem esse ambiente de segurança jurídica proporcionado pelo Estado (Democrático) de Direito o próprio cidadão não tem como realizar-se plenamente.

A segurança jurídica é, assim, nesse contexto, uma verdadeira necessidade humana, sendo, por isso, um direito fundamental, do qual o cidadão precisa para conduzir-se e planejar autônoma e responsavelmente sua vida, e cuja preservação pelo Estado assegura a própria liberdade e justiça.

Sem a segurança jurídica, o indivíduo vaga em um tal ambiente de incerteza, que, em verdade, como consequência, liberdade e justiça também lhe são negadas. A segurança jurídica é, assim, condição para a realização desses valores [garantias de justiça, paz, segurança, ordem, liberdade], razão pela qual todos os Estados verdadeiramente democráticos de Direito a asseguram plenamente (a segurança jurídica), como princípio fundante e constitutivo do próprio Estado de Direito.

Nesse sentido, o princípio da segurança jurídica manifesta-se de diversas formas, como, por exemplo, na intangibilidade da coisa julgada, na proteção contra a irretroatividade das leis (proteção do direito adquirido e do ato jurídico perfeito) [direito intertemporal], na prescrição, na decadência, na usucapião, no caso administrativo decidido, certeza das normas, validez dos atos administrativos, autossujeição da Administração Pública aos requisitos de publicidade, princípio do juiz natural.

Entre essas manifestações do princípio da segurança jurídica, certamente, uma das mais relevantes – senão a mais relevante – é indubitavelmente a intangibilidade da coisa julgada.

Em verdade, o ordenamento jurídico já contém, ante o princípio constitucional da proporcionalidade, uma mitigação da coisa julgada, que é a ação rescisória (CPC/1973 art. 485 e NCPC art. 966), que deve ser exercida, nas situações cujos vícios de que se reveste o julgado se encontram nas hipóteses previstas em numerus clausus no Código, e dentro do prazo decadencial de dois anos (CPC/1973 art. 495 e NCPC art. 975).

Sem a segurança jurídica, não há verdadeiramente Estado Democrático de Direito.

Thiago Rodovalho

Advogado em SP. Doutor e Mestre em Direito Civil pela PUC/SP, com Pós-Doutorado no Max-Planck-Institut für ausländisches und internationales Privatrecht em Hamburgo, Alemanha. Professor-Assistente na PUC/SP e Professor na ESA/SP. Membro do IASP, do IDP, do IBDP e do IBDFAM. Autor de diversas publicações no Brasil e no exterior.

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