Demonstrar conhecimento, desenvoltura, educação, erudição e, agora, também paciência. A sabatina de um candidato a ministro da Suprema Corte é uma oportunidade ímpar de o Poder Legislativo controlar uma decisão do Chefe do Poder Executivo, decisão essa que interfere diretamente na mais alta esfera do Poder Judiciário. E tal oportunidade deve ser bem aproveitada.
Não que o Legislativo não deva aprovar o candidato indicado pelo Executivo. Até porque, na grande maioria dos casos, a indicação é justa e merecida, como foi, por exemplo, a hipótese do advogado e jurista Luiz Edson Fachin para ocupar a cadeira vaga do Supremo Tribunal Federal.
Mas o Legislativo deve, de fato, exercer a função que lhe compete.
E a questão aqui é simples: em um Estado Constitucional de Direito, caracterizado pela limitação dos Poderes, a interferência legítima de um sobre o outro é mais do que necessária, de modo a concretizar o sistema de freios e contrapesos (checks and balances), que permite controles recíprocos entre esses Poderes, evitando o abuso e o arbítrio nas ações e tomadas de decisões dentro da esfera de atribuição de cada um.
No entanto, o que se vê muitas vezes nas sabatinas feitas pelo Senado Federal, dos candidatos a ministros, é quase uma refilmagem de comédias pastelão, com discussões entre os parlamentares que beiram o inacreditável, levantando-se impertinentes questões de ordem e sem o menor efeito prático.
Pena do candidato que, estando ali para demonstrar o seu notável saber jurídico e sua reputação ilibada, se vê obrigado a responder questões sobre a concordância pessoal, ou não, com relações homoafetivas ou de outros gêneros, como o agora chamado de poliamor, e até suas preferências partidárias.
A sabatina mais longa que se tem notícia, de um candidato a vaga de Ministro de uma Suprema Corte, é a do jurista americano Robert Bork, que foi submetido a um incansável número de perguntas por longos e impressionantes 12 dias, sendo que ao final foi rejeitado.
Sobre ele recaiu pesada campanha em que se conclamava o Senado americano a reprovar a sua indicação. E o órgão legislativo, insuflado pelo movimento popular, fez valer a sua função, e expôs o candidato a um verdadeiro teste de aprovação dos requisitos para a ocupação do cargo.
Neste episódio, o Senado americano acabou por definir um critério de capacitação judicial dos candidatos, de modo que estes, em suas sabatinas, devem demonstrar sua competência intelectual e a sua conduta ética, o que nada mais é do que, no caso brasileiro, a comprovação do notável saber jurídico e da reputação ilibada.
Na nossa mais recente experiência, o agora aprovado Ministro Fachin foi submetido a questionamentos por 12 horas, em que, muitos deles, sequer tinham relação com a atividade para a qual foi indicado.
Isso sem falar nos debates e reclamações dos Senadores acerca da quantidade de parlamentares que ainda aguardavam para formular as perguntas, e do tempo de duração da sabatina, que demonstravam não uma preocupação com o candidato ou com o cumprimento do comando constitucional, mas sim uma verdadeira vontade de encerrar o procedimento a todo o custo para todos irem embora para casa.
Ora, esse não é o objetivo da Constituição, ao determinar a aprovação da escolha do Ministro da Suprema Corte pela maioria absoluta do Senado Federal.
A razão de ser dessa exigência é exatamente o equilíbrio dos Poderes, mediante o controle recíproco exercido por cada um deles, dando efetividade à cláusula do Estado Democrático de Direito.
É verdade que o procedimento a que foi submetido o Ministro Fachin é um marco na história brasileira, haja vista que as aprovações anteriores foram quase que uma mera formalidade, um assentimento automático à escolha do Chefe do Poder Executivo.
Não obstante, ainda estamos longe do ideal. Não se trata, como ressalvei anteriormente, de fomentar sabatinas intermináveis, e tampouco de reprovar os candidatos indicados, mas sim cumprir o mandamento constitucional, exercendo o Senado Federal o seu papel.
Fatos como esses revelam o quão distante está o Legislativo dos anseios do povo, que clama por uma mudança, embora, na hora de exercer um de seus mais importantes direitos de cidadão – o de votar –, ainda o faça de modo deficitário e sem a correta conscientização.
Mas, ainda assim, não podemos desistir do caminho que nos levará ao país ideal, em que os Poderes cumpram com aquilo que lhes exige a Lei Fundamental, que nada mais é do que a vontade do povo gravada no papel. As nuvens do autoritarismo de outrora passaram, o que já nos permite ver o brilho da luz do sol da democracia e do avanço. O horizonte, é verdade, ainda está distante, mas ele não é uma meta impossível. Com boa vontade, e através do filtro da Constituição, é possível alcançá-lo.
Autor: Advogado Thiago Neves