Revista FORGES: comemorativo do 10º ano

Lido para Você, por José Geraldo de Sousa Junior, articulista do Jornal Estado de Direito.

 

 

 

 

REVISTA FORGES. n. Especial (2020): NÚMERO COMEMORATIVO DO 10.º ANIVERSÁRIO DA FORGES Publicado em 2020-11-19 (https://revistaforges.pt/index.php/revista/issue/view/8).

 

             A Revista FORGES é publicada pela Associação Fórum da Gestão do Ensino Superior nos Países e Regiões de Língua Portuguesa (FORGES). É uma publicação digital de acesso aberto e permanente, com revisão de artigos por pares, com periodicidade bianual, podendo ter outros números extraordinários. Tem como objetivo publicar resultados significativos de pesquisa com incidência nas problemáticas da gestão sobre o ensino superior numa perspectiva multidisciplinar, constituindo-se como uma plataforma para investigadores e profissionais da educação terciária promoverem, partilharem e discutirem experiências e desenvolvimentos dos domínios da gestão, administração e governança das instituições de ensino superior naqueles países.

             Nesse número especial (2020), lançado por ocasião da 10ª Conferência Forges, celebra-se também dez anos da Associação. Conforme o Editorial, trata-se de uma edição comemorativa: “Há exatamente dez anos concretizava-se a criação  da FORGES,  com  um  grupo  de sócios  que  estiveram  na  base  da  associação,  alguns  dos  quais  integraram  a  Comissão Instaladora,  e  aos  quais  muitos  se  foram  juntando.  Nascia, registrada em Cartório a Associação Fórum da  Gestão  do Ensino  Superior  nos  Países  e  Região  de  Língua Portuguesa (FORGES)   com   o   propósito   de   promover   e   fortalecer   a   difusão   de conhecimentos sobre Gestão e Políticas de Ensino Superior em todas as suas dimensões, no âmbito dos países de língua portuguesa. Como uma organização voltada à ciência, não poderia deixar de existir entre suas ações uma revista que servisse de veículo para a difusão de conhecimentos produzidos nesse espaço geopolítico da língua portuguesa. Enfrentando desafios de uma organização ainda  jovem,  a  Revista  FORGES  se  fez presente em quatro  continentes  (Europeu,  Americano, Asiático e  Africano)  editada, inicialmente, em formato impresso. Hoje, pela dimensão que a revista vem tomando e a facilidade para seu maior alcance proporcionada pelas tecnologias, não se justifica mais a sua impressão. Assim, a data de comemoração dos dez anos da Associação FORGES é também um marco para lançarmos o projeto da Revista FORGES online.

Imagem: PixaBay / Wild0ne

             Nesse contexto, este número comemorativo conta com as contribuições assinadas majoritariamente por reitores e ex-reitores: Alfredo Gabriel Buza (Políticas Públicas de Desenvolvimento e de Reforma do Ensino Superior no Contexto  da República  de Angola), Ivan  M.  T.  Camargo (Os Desafios  do Ensino Superior no Brasil), Luísa Cerdeira (A Evolução do Ensino Superior nos Países de Língua Portuguesa:  tendências  e  desafios), Paulino  Lima  Fortes (A FORGES e  a Nova Racionalidade Educativa: algumas  nótulas), José  Geraldo  de  Sousa  Junior (Uma Universidade Popular para uma Educação Emancipatória), Roberto Leher (Políticas do Ensino  Superior para a Promoção do  Desenvolvimento  Humano), José  Barata-Moura (Missão da  Universidade), António Nóvoa (A  Universidade à Procura de si  Mesma), Nobre Roque dos Santos (Gestão,  Democraticidade  e Avaliação do Ensino Superior em Moçambique), José Dias   Sobrinho (Universidade em   Tempos de   Precarização e Incertezas), Paulo Speller& Stela M. Meneghel (Os dez Anos da Unilab e da Forges diante dos Desafios da Educação  Superior:  pertinência  da  universidade  para  um projeto de   sociedade), Mano   Margarida  (“Revisitar   o   Roteiro   de   Plane(j)amento Estratégico em tempos de Pandemia”).

             Segundo ainda o Editorial, assinado pela Diretora Josefa Sônia Fonseca, “O   leitor   pode perceber   nas   reflexões   que   compõem   este   número   especial, as preocupações com os desafios que as instituições do Ensino Superior  têm  a  enfrentar. Entre elas as advindos da pandemia que tem marcado o ano de 2020. Todas estas reflexões entretanto, dão-nos a certeza que estamos no caminho certo  ao insistirmos em levar a diante um espaço que reúne investigadores de língua portuguesa pesando,  discutindo  e partilhando  suas  inquietações  e  resultados  de  pesquisas. Nada mais   apropriado   do   que   uma   revista   que   possa   difundir e dialogar   com essas inquietações”.

             Contribuo com um texto que corresponde minha exposição no encerramento da 9ª CONFERÊNCIA DO FÓRUM DE GESTÃO DO ENSINO SUPERIOR NOS PAÍSES E REGIÕES DE LÍNGUA PORTUGUESA – FORGES, realizada de 20 a 22 de Novembro – 2019, Brasília, Brasil, na Universidade de Brasília, tendo como tema central “A integração do ensino superior dos países lusófonos para a promoção do desenvolvimento humano”. O título do artigo publicado é o mesma da conferência proferida naquela ocasião: “Uma Universidade Popular para uma Educação Emancipatória”.

             Aqui destaco alguns excertos do que está publicado. Iniciei a minha saudação aos participantes desta 9ª CONFERÊNCIA DO FÓRUM DE GESTÃO DO ENSINO SUPERIOR, com uma evocação.

            Presente em Coimbra, na Sala dos Capelos, da vetusta universidade, nos começos da década de 2000, para um Congresso Portugal-Brasil, guardo em mim até hoje o sentimento marcado pela disposição de todos ali presentes, de construir caminhos para a uma história comum: “a história comum que forja a comunidade de culturas e a comunidade de afetos que somos” (Boletim da Faculdade de Direito –  STVDIA IVRIDICA 48, Colloquia – 6, Universidade de Coimbra, Coimbra Editora, Conferências na Faculdade de Direito de Coimbra 1999 / 2000).

            Estas palavras, ditas, pelo aquela altura, Presidente do Conselho Diretivo da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, logo a seguir, seu vice-Reitor, o Professor António José Avelãs Nunes, assinalaram as distinções entre o Portugal português e o Brasil brasileiro, no que tange aos seus caminhos, nas condições daquele congresso. Mas se prestam também, para designar as distinções entre o Portugal português e os países que formam a comunidade de povos de língua portuguesa, presentes nesta 9ª Conferência (Angola, Cabo Verde, Macau, Moçambique e certamente entre os participantes, Guiné Bissau, Guiné Equatorial, São Tomé e Príncipe, Timor-Leste) no que tange aos seus próprios e intercruzáveis caminhos, em que pese, lembra Eduardo Lourenço, “cada povo só o é por se conceber justamente como destino” (Portugal como Destino).

            Temos sim, os povos que se expressam em língua portuguesa, essa história comum que nos forja enquanto comunidade de culturas e comunidade de afetos, e que nos amalgama a partir de algum momento em nossas próprias histórias. Mas, se temos uma história desde aí comum, o que temos de comum em nossos destinos?

            A direta atenção aos temas da Grande Conferência tangidos de modo aprofundado e interpelante nas conferências, painéis, sessões especiais, orais e de pôsteres, mesas-redondas, atividades culturais e assembleias, ao se discutir e confrontar experiências e reflexões: políticas de ensino, comunicação entre instituições e sociedade, impacto glocalizado do agir institucional, concertações entre alternativas pedagógicas, estratégias de gestão, revela já uma linha de orientação para atender à indagação do que há de comum a partir de nossa origem histórica, social, antropológica, cultural, espiritual e a possibilidade de um destino comum aqui vislumbrado desde a questão-geradora que nos mobiliza: O Ensino Superior e a Promoção do Desenvolvimento Humano: contextos e experiências nos países e regiões de língua portuguesa.

            Ao meu perceber, o que há de comum entre nós, desde um momento objetivo de encontro e de qualquer possibilidade de um destino também comum, é o impacto dramático do colonialismo que se impôs sobre nossas identidades e as projeções decorrentes dessa experiência em nossa atualidade pós-colonial afetada econômica e politicamente pelas injunções atuais do ultra-neoliberalismo e pelos desafios de toda ordem como exigências de libertação e de emancipação num processo de ação decolonial.

            Sob a perspectiva da condição ultra-neoliberal, sigo pensando num bom português que ajude a interpretar os desafios que se colocam à nossa consideração, tal como se debateu aqui nesta 9ª Conferência. Retomo Avelãs Nunes: Nos últimos anos – diz ele – tenho dado alguma atenção à problemática da globalização. Refiro-me ao que costumo chamar a terceira onda da globalização, marcada por um processo acelerado de desenvolvimento científico e tecnológico, especialmente no que toca aos transportes, às telecomunicações e à informática. Para as classes dominantes, para as multinacionais e para o seu estado, pouco importa que milhões de pessoas morram de fome e de doenças provocadas pela fome. O que importa, num quadro como este, é melhorar o poder de compra dos clientes (a pequena camada de ricos) e, se possível, acrescentar mais uns quantos privilegiados a este núcleo de elite. O que, evidentemente, aconselha a (e pressiona no sentido da) concentração dos rendimentos ainda mais acentuada e desigual.

             A exclusão social crescente é a outra face deste tipo de desenvolvimento perverso ou maligno. E a exclusão social é um dos fenómenos mais dramáticos do nosso tempo. Como escreveu um autor, quando se falava de exploradores e explorados, havia que contar com estes, porque os explorados estavam dentro do sistema (sem explorados não pode haver exploradores), enquanto os excluídos estão, por definição, fora do sistema, são inexistentes.

             É importante salientar, porém, que a crítica da globalização não pode confundir-se com a defesa do regresso a um qualquer ‘paraíso perdido’, negador da ciência e do progresso. A saída desta caminhada vertiginosa para o abismo tem de assentar na confiança no homem e nas suas capacidades. Tem de partir da rejeição da lógica de uma qualquer inevitabilidade tecnológica, que nos imporia, sem alternativa possível, a actual globalização neoliberal, uma das marcas incontornáveis desta civilização fim-da-história.

             Assim como esta globalização não é um ‘produto técnico’ deterministicamente resultante da evolução tecnológica, antes é um projecto político levado a cabo de forma consciente e sistemática pelos poderes dominantes, enquadrado e apoiado pelas grandes centrais produtoras da ideologia dominante, assim também a luta por uma sociedade alternativa pressupõe que a política prevaleça sobre as pretensas ‘leis naturais’ do mercado ou da economia, pressupõe um espírito de resistência e um projecto político inspirado em valores e empenhado em objectivos que o ‘mercado’ não reconhece nem é capaz de prosseguir.

             Todos sabemos, porém, que as mudanças necessárias não acontecem só porque nós acreditamos que é possível um mundo melhor. Essas mudanças hão-de verificar-se como resultado das leis de movimento das sociedades humanas, e todos sabemos também que o voluntarismo e as boas intenções nunca foram o motor da história. Mas a consciência disto mesmo não tem que matar o nosso direito à utopia e o nosso direito ao sonho.

             De resto, talvez a utopia de Marx esteja a confirmar-se: o desenvolvimento científico e tecnológico conseguido pela civilização burguesa proporcionou um aumento meteórico da produtividade do trabalho humano, criando condições novas no que toca à capacidade de produção. Este desenvolvimento das forças produtivas (entre as quais avulta o próprio homem enquanto produtor e utilizador do conhecimento e do saber) só carece de novas relações sociais de produção, de um novo modo de organizar a vida colectiva, para que a humanidade possa saltar do reino da necessidade para o reino da liberdade.

             Nesse diapasão, trata-se, pois, de indagar-se de que desenvolvimento se cuida, quando falamos em desenvolvimento. Essa é a questão proposta por Roberta Amanajás Monteiro, em tese defendida na Faculdade de Direito da UnB, sob minha orientação. (2018). Com o tema “Qual desenvolvimento? O deles ou o nosso? A Hidrelétrica de Belo Monte e seus impactos nos direitos humanos dos povos indígenas”, a pesquisadora apresenta exatamente a tensão entre o desenvolvimentismo e os direitos humanos a partir do estudo de caso da construção da Usina Hidrelétrica de Belo Monte e os seus impactos aos indígenas Arara da Terra Indígena Volta Grande e Juruna, da Paquiçamba. A pergunta central de sua tese interpela como ocorre a tensão entre projetos de desenvolvimentismo e os direitos humanos dos povos indígenas, e se os conflitos se inscrevem na matriz colonial de poder. Fundamentada na teoria da Colonialidade do Poder de Anibal Quijano e nos autores do pensamento decolonial, a metodologia eleita por Roberta Amanajás apoiada em investigação empírica, fornece os argumentos da constatação da incidência da ideia de raça no percurso do licenciamento ambiental do empreendimento. Para a autora, numa aproximação sociológico-jurídica, a compreensão de que é a partir da ideia de raça que é negada a condição de sujeito de direitos e de conhecimento aos povos indígenas, consequentemente dos seus direitos de território, natureza, modo de vida e direito à participação e consulta prévia, a conclusão leva, necessariamente, à expectativa militante de construção de elementos de desenvolvimento a partir dos próprios povos indígenas. Igual indagação coloca Erina Batista Gomes, em relação a exigência de consulta para salvaguardar direitos de comunidades tradicionais diante de grandes empreendimentos energéticos, oportunidade para movimentos sociais do campo, das florestas e das águas interpelarem as políticas desse setor com questões fundantes: desenvolvimento para quê e para quem? (SOMBRAS, BRECHAS E GRITOS: vozes silenciadas, consulta prévia e re-existência nas margens do rio Tapajós. Brasília: Faculdade de Direito da UnB, Dissertação de Mestrado, 2018).

             Em Avelãs Nunes, a aproximação mediada pela economia política e pela filosofia, e mais propriamente por teorias da justiça, segue uma linha civilizatória que mais se afasta das opções que mercantilizam a vida, enquanto se orienta para projeções que garantam o direito à vida plena, de homens e mulheres de carne e osso sim, porque ideologicamente o nosso percurso colonial separou seres humanos, para distinguir os que se inserem no contrato social  os que ficam fora dele, os selvagens, os bestializados, os escravizados, os diminuídos, os segregados, os sobrantes “civilizatórios” todos alienados do humano.

             Abri essa linha de problematização exatamente com um autor português, até para ponderar o lugar de Portugal no experimento colonial e indicar que desde esse lugar o modo decolonial é também uma condição para que a libertação e a emancipação sejam possíveis.

             Para Paulo Freire, tão marcante em nossa cultura comum, A DESUMANIZAÇÃO NÃO É DESTINO. “A luta pela humanização, pelo trabalho livre, pela desalienação, pela afirmação dos homens como pessoas, como ‘seres para si’, esta luta pela humanização somente é possível porque a desumanização, mesmo que um fato concreto na história, não é, porém, destino dado, mas resultado de uma ‘ordem’ injusta que gera a violência dos opressores e esta, o ser menos. (…) O ser menos leva os oprimidos, cedo ou tarde, a lutar contra quem os fez menos. E esta luta somente tem sentido quando os oprimidos, ao buscarem recuperar sua humanidade, que é uma forma de criá-la, não se sintam opressores, nem se tornem, de fato, opressores dos opressores, mas restauradores da humanidade em ambos. E aí está a grande tarefa humanista e histórica dos oprimidos – libertar-se a si mesmos e aos opressores. (…) Só o poder que nasça da debilidade dos oprimidos será suficientemente forte para libertar a ambos.”

             É assim que as literaturas africanas de língua portuguesa participam da “tendência – quase um projecto – de investigar a apreensão e a tematização do espaço colonial e pós-colonial e regenerar-se a partir dessa originária e contínua representação. Os significadores desse processo, que constituem a singularidade da nossa pós-colonialidade literária, são potencialmente produtivos: sinteticamente dizem respeito a uma identidade nacional como uma construção a partir de negociações de sentidos de identidades regionais e segmentais e de compromisso de alteridades. O que as literaturas africanas intentam propor nestes tempos pós-coloniais é que as identidades (nacionais, regionais, culturais, ideológicas, sócio-econômicas, estéticas) gerar-se-ão da capacidade de aceitar as diferenças” (Conforme O pós-colonial nas literaturas africanas de língua portuguesa, Inocência Mata da Faculdade de Letras, Universidade de Lisboa  (https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/4033274/mod_resource/content/1/MATA%2C%20Inoc%C3%AAncia%20-%20O%20p%C3%B3s-colonial%20nas%20literaturas%20africanas.pdf)

             Nos debates desta 9ª Conferência, esse foi um pano de fundo para as leituras mais explícitas ou mesmo as implícitas em circulação. Não perder de vista que a tríade dominação/exploração/conflito, apresentada pelos estudos decoloniais, explode a univocidade discursiva no estágio em ensino, sobretudo, de filosofia. Afirmam Ana Claudia Rozo Sandoval e Luís Carlos Santos (ESTUDOS DECOLONIAIS e FILOSOFIA AFRICANA: POR UMA PERSPECTIVA OUTRA NO ENSINO DA FILOSOFIA. Revista Páginas de Filosofia, v. 6, n. 2, p.1-18, jul./dez. 2014) que “a disputa pela realidade é um traço comum dos filósofos, seja ele interpretando, desconstruindo, criando conceitos, mas o que se quer é disputar a realidade. E para isso colocamos em crise o solo em que se pisa, como um lugar produzido à imagem e semelhança da produção de um discurso que legitimou historicamente a exploração e dominação, e o conflito estabelecido ao buscar filosofar-se caiu na armadilha da representação. Este é um dos primeiros elementos que precisam ser descortinados, a representação. Pois a imagem que se traduziu nos discursos era apenas a europeia. O exercício de pensar-se, o que é próprio da filosofia encontra-se no poço sem fundo, no beco sem saída da armadilha da representação europeia moderna, ocidentalizada na contemporaneidade. A perspectiva decolonial (ou estudos Modernidade/colonialidade) e as filosofias africanas colocam em discussão o epistemicídio e o semiocídio cultural. O conhecimento, e as formas de acessá-lo, e a diversidade cultural no fazer filosófico colocam em evidência outros modos de ser e fazer filosofia. Problemas não considerados filosóficos começam a ser problemas de interesse de outros sujeitos que foram negados pelo sistema mundo eurocentrado”.

             Questões que se ligam ao pensar potente africano, ainda que não expresso em português, do camaronês Achille Mbembe, um dos teóricos mais brilhantes sobre estudos pós-coloniais, centrados no conceito por ele forjado de necropolítica e expressos em temas que bem recortam o que aqui foi discutido quando ele trata da proliferação do divino na África subsaariana, do racismo como prática da imaginação, do poder, violência e acumulação ou, destacadamente da necropolítica, em textos como cenas fantasmas na sociedade global, além do influente livro A pós-colónia, ensaio sobre a imaginação política na África contemporânea (‘On the Postcolony’, 2000).    

             Todavia, o núcleo de minha exposição foi retomar em Boaventura de Sousa Santos sua proposição feita no espaço do Fórum Social Mundial de Porto Alegre uma bem elaborada proposta para a constituição de uma Universidade Popular dos Movimentos Sociais, atenta a essas exigências de um conhecimento emancipatório. Retomei o tema para articulá-lo aos pressupostos levantados até aqui.

            E o fiz para salientar que sses pontos correspondem, em seus fundamentos, às expectativas que defendem uma universidade aberta à cidadania, preocupada com a formação crítica dos acadêmicos e mais democrática. Uma universidade, como lembrava Boaventura de Sousa Santos em sua recente visita à UnB, consciente de que “o que lhe resta de hegemonia é o ser um espaço público onde o debate e a crítica sobre o longo prazo das sociedades se podem realizar com muito menos restrições do que é comum no resto da sociedade” e que encontra no exercício da pluralidade tolerante a mediação apta a torná-la uma “incubadora de solidariedade e de cidadania ativa”.

            Um modelo assim já se apresenta como proposição interpelante da universidade convencional, desde que ela se abra a, pelo menos, duas condições. A primeira é o dar-se conta da natureza social do processo que lhe cabe desenvolver. Não é condição trivial, porque ela implica opor-se à tentação de mercadorização do ensino e da pesquisa e conseqüente redução do sentido de indisponibilidade do bem Educação, constitucionalmente definido como um bem público, processo dramático e cruento em curso autoritário em muitos de nossos países, num projeto claramente hostil à ideia de universidade como valor social e ao conhecimento crítico como elemento nutriente de práticas e de pensamentos democrático e emancipatório.

            A outra condição, é a de interpelar a universidade para que ela se abra a novos modos de ingresso e de inclusão de segmentos dela excluídos, a exemplo das políticas de ações afirmativas. Possibilita, assim, alargar o âmbito das pautas pedagógicas que desenvolve e fazer circular no ambiente do ensino e da pesquisa novos temas, cosmologias plurais, epistemologias mais complexas e um diálogo mais amplo entre os saberes.

            Insere-se nessa condição, esforços como o do professor de filosofia Wanderson Flor do Nascimento da nossa UnB que criou um sítio na WEB – página Filosofia Africana – para disponibilizar obras em português de filósofos africanos, de modo a incrementar a cultura africana nas escolas e universidades brasileiras, superando barreiras como a dificuldade de acesso aos materiais e a hegemonia linguística presente na maioria dos títulos em geral disponibilizados apenas em inglês ou francês.

            Ao fim e ao cabo, concluindo com o recorte que propus para meu sub-tema naquela exposição, de pensar Uma Universidade Popular para uma Educação Emancipatória, algo que, a meu ver, transparece nos debates que se deram na 9ª Conferência, o que nela também transparece, é que libertar-se, emancipar-se, dizemos nós em nosso projeto acadêmico que denominamos O Direito Achado na Rua: “não é dom; é tarefa, que se realiza na História, porque não nos libertamos isoladamente, mas em conjunto”. E se ela não existe em si, o Direito de emancipar-se é comumente a sua expressão, porque ele é a sua afirmação histórico-social “que acompanha a conscientização de liberdades antes não pensadas (como em nosso tempo, a das mulheres e das minorias eróticas) e de contradições entre as liberdades estabelecidas (como a liberdade contratual, que as desigualdades sociais tornam ilusória e que, para buscar o caminho de sua realização, tem de estabelecer a desigualdade, com vista a nivelar os socialmente desfavorecidos, enquanto ainda existam” .

           

 

José Geraldo de Sousa Junior é Articulista do Estado de Direito, possui graduação em Ciências Jurídicas e Sociais pela Associação de Ensino Unificado do Distrito Federal (1973), mestrado em Direito pela Universidade de Brasília (1981) e doutorado em Direito (Direito, Estado e Constituição) pela Faculdade de Direito da UnB (2008). Ex- Reitor da Universidade de Brasília, período 2008-2012, é Membro de Associação Corporativa – Ordem dos Advogados do Brasil,  Professor Titular, da Universidade de Brasília,  Coordenador do Projeto O Direito Achado na Rua.55

 

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