Restabelecendo a ordem das coisas

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Créditos: Pixabay

O abismo

A sociedade sempre assistiu estarrecida ao distanciamento das instituições do sistema de justiça da realidade e sua instrumentalização para interesses outros, que não a sua função propagandeada legalmente prevista. Nunca teve muito o que fazer e, no calor dos conflitos reais, o lado mais fraco tinha ainda que ouvir o famigerado adágio “decisão judicial não se discute, se cumpre”.

Para além dos ritos, modo de falar, vestir, salários, as decisões de juízes e dos tribunais, a “arquitetura” dos “palácios” da justiça; também as ações do Ministério Público e a falta de estrutura para as Defensorias Públicas mostram o abismo entre a maior parte da sociedade e essas instituições, com honrosas e corajosas exceções. A gincana de decisões de juízes federais de 1º graus, interferindo em atos da Presidência da República, nos últimos meses, demonstra com que setores da sociedade uma boa parcela dos membros do sistema de justiça estão identificados.

Muitos integrantes de movimentos populares tomaram um susto, quando a Defensoria Pública da União, após ter conseguido sua justa autonomia com apoio social, deu-se a si mesma o famigerado auxílio moradia. Um festival de atos e condutas descompassadas com que se tem expectativa de quem ocupa estes cargos. O último episódio foi o vergonhoso acordo, noticiado pela imprensa, entre Cunha e o STF para reajuste salarial de magistrados e servidores do Judiciário. Lembrando que Cunha deveria ter sido já julgado por aquela Corte.

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Créditos: Dorivan Marinho/SCO/ST / Agência Brasil

Auxílio-moradia

Mas algumas ações restabelecem a esperança da sociedade em lutar e defender estas instituições. Exemplo disto, foi a recém ação da Defensoria Pública da União, ajuizada na 2ª Vara Federal de Porto Alegre/RS, para que a população de rua receba auxílio-moradia. O crédito extraordinário liberado para o pagamento de auxílio-moradia aos membros dos poderes da República, no ano de 2016, conforme consta na Medida Provisória 711, de 18 de janeiro de 2016, foi no valor de R$ 419.460.681. O valor de R$ 438 milhões por ano seria o suficiente para a garantia deste direito social às 48.620 pessoas, que vivem nas ruas.

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Créditos: Pixabay

Esta ação da Defensoria Pública da União demonstra, que os direitos sociais (art. 6º, da CF) não são dispositivos programáticos. São factíveis e precisam ser cumpridos. É certo que os direitos humanos são universais e devem ser pensados para atender toda a população brasileira. Como é certo que a prioridade orçamentária dos poderes da República, historicamente, só garante privilégios a quem já tem condições materiais.

Esta ação da Defensoria Pública da União tenta restabelecer um pouco a ordem das coisas, objetivando concretizar a justiça social, que deve ser sempre perseguida. Dá sentido ao Estado brasileiro e a sua arrecadação. O Estado voltado às necessidades concretas da população, enfrentando de fato as desigualdades sociais (art. 3º, III, CF). De resto, reajustes com acordos de bastidores entre Legislativo e Judiciário, impeachment sem fundamento (golpe), auxílio-moradia e outros penduricalhos para certas carreiras públicas são o mais do mesmo na história de um país constituído em cima da exploração e desigualdades.

 

Rodrigo de MedeirosRodrigo de Medeiros Silva é Articulista do Estado de Direito – formado em Direito pela Universidade de Fortaleza, pós-graduando em Direito Civil e Processo Civil, no Instituto de Desenvolvimento Cultural (Porto Alegre-RS). Foi assessor parlamentar na Câmara dos Deputados e na Câmara Municipal de Fortaleza. Foi advogado do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, de Sindicatos de Servidores Públicos Municipais e de Trabalhadores Rurais. Atuou na área do Direito da Criança e do Adolescente na Pastoral do Menor e no Centro de Defesa da Criança e do Adolescente do Ceará. Prestou serviço Association pour le Développemente Economic Regional- ADER, junto às comunidades indígenas cearenses Jenipapo-Kanindé, Pitagury, Tapeba e Tremembé. Participou do Fórum em Defesa da Zona Costeira do Ceará-FDZCC na defesa de comunidades de pescadores. Contribuiu com o Plano Diretor Participativo do Município de Fortaleza pela OAB-CE.  Também prestou consultoria à Themis-Gênero e Justiça, em Porto Alegre-RS. Integra a Comissão Nacional de Acesso à Justiça do Conselho Federal da OAB e o Conselho Consultivo da Ouvidoria da Defensoria Pública do Estado do Rio Grande do Sul. É membro da Rede Nacional dos Advogados e Advogadas Populares-RENAP, Fórum Justiça-FJ e Articulação Justiça e Direitos Humanos-JUSDH. É consultor da UNESCO junto à Secretaria-Geral da Presidência da República.

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