Artigo veiculado na 26ª edição do Jornal Estado de Direito, ano IV, 2010.
Sebastião José de Assis Neto*
Sabe-se que a responsabilidade por dano ambiental é objetiva (CF, 225, § 3.º e Lei 6.938/81, 14, § 1.º). Debatem-se ainda questões como a modalidade do risco nessa responsabilidade objetiva e as peculiaridades do dano ambiental, máxime sobre o nexo causal.
A responsabilidade civil ambiental é objetiva por razões de ordem histórica (a culpa é produto do movimento liberal, o direito ao ambiente equilibrado é coletivo), principiológica (o meio ambiente ecologicamente equilibrado é direito fundamental e não pode ficar à mercê da análise da culpa), silogística (não se cogita de conduta culposa numa relação entre o agressor e o meio ambiente, já que a natureza não tem vontade) e legal (o art. 225 da CF não exige culpa para obrigação de recuperar o meio ambiente degradado ou de reparar os danos causados).
Vejamos agora a modalidade do risco: integral ou criado.
BELLO FILHO nega a teoria do risco criado ao afirmar que quem exerce atividade potencialmente causadora de dano ambiental aufere o proveito econômico desta atividade e celebra um “contrato de risco” com a natureza; daí não poder invocar as excludentes do caso fortuito e da força maior (2001, ps. 34-35).
Qualquer atividade que lida com recursos naturais gera o risco de dano ambiental. Deve-se investigar a extensão desse risco e até onde vai a obrigação do agente de se prevenir contra acontecimentos previsíveis e imprevisíveis.
A lei (CC, 393, p. ún) conceitua caso fortuito e força maior como “fato necessário, cujos efeitos não era possível evitar ou impedir”: é na análise desse conceito que se verifica se o caso fortuito ou a força maior excluem a responsabilidade ambiental.
Um exemplo: o dono de barragem de água não se exime da responsabilidade por dano causado de seu rompimento em razão de uma grande tempestade: sabendo que tal barragem era potencialmente causadora do dano, deveria ser construída para resistir a qualquer excesso de água.
Não se adota a teoria do risco integral pura: afasta-se o caso fortuito, pois não estão presentes todos os requisitos do art. 393, p. ún. do CC. Não era impossível ao causador do dano evitar ou impedir os efeitos do fato necessário (a tempestade), pois era obrigado a adotar todos os cuidados na construção da barragem.
Hoje o risco é a regra e sua presença nas atividades potencialmente causadoras de dano ambiental deve mover o agente à prevenção de todas as hipóteses em que forças estranhas possam levar ao dano. Deve-se prever quais são essas possíveis e prováveis forças e prevenir-se contra sua ação. Assim, dois novos elementos estão no conceito de caso fortuito e força maior, para excluir a responsabilidade ambiental: imprevisibilidade do fato e impossibilidade de prevenção.
Daí, se o fato é previsível, força maior ou caso fortuito não excluem a responsabilidade ambiental. Por fato previsível considera-se não só o fato provável, mas também o de pouca probabilidade, contra o qual se deve prevenir, desde que se possa saber que, mesmo improvável, é possível de acontecer e contra ele haja possibilidade de se prevenir. Conclui-se que o fato somente será imprevisível quando for razoável supor que era impossível acreditar-se que ele aconteceria e, ainda, que seja de impossível prevenção.
Veja-se o mesmo exemplo: o proprietário da barragem deve construí-la para resistir a qualquer intempérie, todavia, se sobre ela cai uma grande aeronave, provocando rompimento e dano ambiental, não é razoável imputar ao dono a responsabilidade, pois é justo supor que acreditava ser impossível que isto ocorresse, bem como que era impossível, também, prevenir contra sua ocorrência.
Também na queimada por ação criminosa de terceiros, o dono da terra, provando esta ação, não deverá ser responsabilizado civilmente, porque não era possível prever o crime e, conforme o caso, impossível se prevenir, desde que tomadas todas as providências para evitar-se o fato.
Assim, caso fortuito e força maior somente excluem a responsabilidade ambiental quando derivarem de um fato necessário, imprevisível e de impossível prevenção, cujos efeitos não era possível evitar ou impedir.
Enfim, sendo o dano ambiental um fenômeno diverso do dano comum, tal constatação influencia no nexo de causalidade entre a conduta e o dano ambiental.
De fato, o dano ambiental, diferente do dano comum, não tem ofendido certo, já que o bem lesado é o meio ambiente, portanto, gera interesse difuso distribuído entre coletividade de pessoas indeterminadas e com interesse indivisível; doutro lado, o dano ambiental, diz a doutrina (cf. MILARÉ, 2001, p. 425), só em último caso será ressarcido de forma pecuniária, pois é preferida a recomposição do meio ambiente lesado ao seu estado anterior. Trata-se, certamente, de fenômeno diverso do dano comum.
Lembre-se que, adotada a teoria objetiva, seus elementos são o ato, o dano e o nexo causal, donde resulta concluir que, demonstrado que o ato lesivo não foi praticado pela pessoa a quem se lhe imputa, não pesará sobre ela o ônus da reparação do dano.
O STJ, todavia, modificando seu entendimento, decidiu que “o adquirente do imóvel tem responsabilidade sobre o desmatamento, mesmo que o dano ambiental tenha sido provocado pelo antigo proprietário” (REsp 471864/SP).
Tal decisão rompe com o conceito tradicional do nexo causal – não exige que o imputado seja o causador direto do dano – mas atende ao princípio do meio ambiente como bem de uso comum do povo, cuja obrigação de preservação compete a todos. Além disso, havendo norma que imponha a preservação ou recomposição de área degradada (exemplo: áreas de reserva legal – C.Florestal, arts. 16 e 44), exige-se que, independente de quem seja o causador da lesão, a reparação é obrigação propter rem, portanto, acompanha a coisa com quem quer que ela esteja.
Para o Ministro Herman Benjamin (REsp 650728/SC), “para o fim de apuração do nexo de causalidade no dano ambiental, equiparam-se quem faz, quem não faz quando deveria fazer, quem deixa fazer, quem não se importa que façam, quem financia para que façam, e quem se beneficia quando outros fazem”.
Surge então uma nova concepção do nexo causal na responsabilidade ambiental, pois, independente da lesão resultar de ato direto do agente, pode haver preceito legal que lhe responsabilize, máxime na aquisição da propriedade, por se tratar de obrigação propter rem.
* Juiz de Direito em Goiás, especialista e Mestre em Direito pela UFG. E autor das obras Curso Básico de Direito Civil volumes I, II e III da Editora Impetus.