Violência na Sociedade
O Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2015 apresenta um número impressionante, de resto alinhado àqueles de anos passados. O Brasil registrou, em 2014, aproximadamente 58.497 mortes violentas. A conclusão é estarrecedora quando esse dado é cotejado com o dos 58.209 soldados norte-americanos mortos no conflito bélico com o Vietnã, no período de 1961 e 1975.
Mas parece que esse número, regra geral, não assusta. Ilação perfeitamente admissível considerado o modesto impacto midiático reservado à pesquisa. Ou então, escandalizada a sociedade, torna-se vítima fácil dos discursos que tratam a segurança pública de maneira simplista, restando normalmente cooptada a legitimar pretensões demagógicas visando acerbar as penas privativas de liberdade ou de impulsionar o alcance do Direito Penal a controvérsias que poderiam perfeitamente ser resolvidas por outros mecanismos de solução de conflitos. Ou seja, há ainda, e não são poucos, aqueles que se deixam seduzir pelas propostas de enfrentar o problema da violência mediante o emprego do também violento sistema penal/carcerário.
A adoção inconsequente dessa equivocada premissa lança a sociedade numa espiral infinita cujo resultado é exatamente o agravamento da violência. Sintetizando o argumento, basta pensar no popular e acertado axioma de que a violência gera violência.
Enquanto isso, além de o problema ser acirrado, deixa-se de discutir seriamente e de maneira descomprometida as formas de enfrentar as causas dessa lastimável consequência.
A Atuação Policial
Vejamos um exemplo. A questão da atuação policial. Retomando as informações do Anuário, observa-se que 3.009 pessoas foram mortas pela polícia em 2014, o que configura um incremento de letalidade equivalente a 37,2% em relação a 2013. Esse número é significativo. Sua soma com as das mortes ocorridas nos anteriores permite concluir que vivemos algo próximo a uma guerra civil não declarada. Uma exigência se faz óbvia, portanto, é preciso repensar a atuação das instituições policiais, ainda que evidentemente parte dessas mortes decorra de reação havida nos contornos legais que tratam das excludentes de antijuridicidade.
Mas tampouco cabe aqui o reiterado discurso maniqueísta de que a responsabilidade por essas mortes deva ser exclusivamente atribuída ao agente que atua diretamente no foco da violência. Essa responsabilidade é institucional, abarcando todos os poderes republicanos e as distintas unidades federativas.
Os Agentes Policiais também estão em risco
Antes de tudo, é preciso compreender as especificidades da atuação policial. O risco constante é inerente à atividade. O agente que se despede da família para se dirigir ao trabalho não tem certeza do seu retorno. Prova disso é que o número de agentes vitimados pela violência também é assustador. Foram mortos 398 policiais, ainda segundo o Anuário, apenas no ano de 2014. Se medidas não forem urgentemente adotadas, o policial acuado de hoje ou se torna um agressor ou será a futura vítima.
É preciso, portanto, repensar a atuação policial. Para isso, importa relevar que a preparação dos policiais deve considerar a especificidade de sua atuação, e que situações de risco exigem respostas defensivas, não necessariamente agressivas. Estimular o aprimoramento dos procedimentos investigativos constitui estratégia que evita o confronto direto.
E o ensinamento acerca da necessária observância dos direitos constitucionais incute a ideia de que o policial não foi erigido à condição de justiceiro, ainda que determinados segmentos sociais concordem com essa noção, mas agente também responsável pela concretização do estado democrático de direito.
Decerto aqui e acolá são observados progressos, muitos deles produzidos no intestino das próprias instituições policiais, o que comprova que as pretensões de responsabilizá-las pela violência também configuram discursos demagógicos emitidos por fontes de sinal contrário. Sem o devido preparo, estímulo e reconhecimento, é difícil crer que alguma empreitada logre sucesso, em especial a policial, tão socialmente sensível. Assim, é preciso lançar uma vista peculiar sobre esses profissionais, no mais das vezes lançados ao fogo. Um olhar compreensivo, ainda que não condescendente.
Gerson Godinho da Costa – Juiz Federal e Diretor-Geral da ESMAFE/RS – Escola Superior da Magistratura Federal no Rio Grande do Sul
Artigo publicado na 48ª edição do Jornal Estado de Direito. Acesse: http://issuu.com/carmelagrune8/docs/48_ed/1?e=7047457/30993376