Lido para Você, por José Geraldo de Sousa Junior, articulista do Jornal Estado de Direito.
Relatório da Comissão Anísio Teixeira de Memória e Verdade da Universidade de Brasília. Brasília: FAC-UnB, 2016. ISBN 978-85-93078-09-5, 363 p.
https://www.comissaoverdade.unb.br/images/docs/Relatorio_Comissao_da_Verdade.pdf
A Câmara Legislativa do Distrito Federal aprovou, na semana passada, um projeto que faz justiça histórica: a Ponte Costa e Silva se torna Ponte Honestino Guimarães. Iniciativa dos deputados Ricardo Vale e Leandro Grass, impulsionada por fortes manifestações de segmentos sempre mobilizados da Sociedade Civil, a aprovação da lei representa, nas palavras do Deputado Distrital Fábio Félix, que foi coordenador do Diretório Central de Estudantes Honestino Guimarães da UnB a “vitória da verdade, do direito à memória, da justiça e da luta da família do Honestino e de tantas outras que nunca puderam enterrar seus entes queridos, executados pela Ditadura”.
Lembrei esses princípios em artigo (Revista do Sindjus Agosto/Setembro de 2007 • Nº 42: Memória e Verdade como Direitos Humanos), escrito em seguida a um um seminário nacional “Pela memória e verdade como Direitos Humanos”, realizado em Brasília, na UnB.
Promovido pelo MNDH– Movimento Nacional de Direitos Humanos e pelo NEP – Núcleo de Estudos para a Paz e os Direitos Humanos da UnB, neste encontro foram compartilhadas inúmeras experiências, cujo ponto em comum pode ser considerado a recusa ao ocultamento político de fatos históricos. Por isso, foi marcante a participação de personalidades como Lílian Celiberti, uma vítima símbolo da repressão concertada das ditaduras do Cone Sul, nos anos 1970, e também, a apresentação de uma representante da Associação das Avós da Praça de Maio, da Argentina, entre tantos outros expositores portadores de experiências diversas.
Fui expositor na mesa “Direito à Memória e à Verdade” e me mantive fiel ao ponto de vista comum. Lembrei que esta consigna não é uma novidade na luta pela inserção da verdade na política e traduz um consenso axiológico transformado em princípio para orientar a ação dos povos que formam o continente americano.
Com efeito, resultado de debates no âmbito do Mercosul, o tema memória e verdade levou a OEA (Organização dos Estados Americanos) a adotar resolução (2006) que reconhece a importância de respeitar e garantir o direito à verdade para contribuir com o fim da impunidade e proteger os Direitos Humanos. Ela indica que os Estados devem, em “seus sistemas jurídicos internos, preservar os arquivos e outras provas relativas a violações”.
O tema da abertura dos arquivos do período de repressão política na vigência do regime militar de 1964-1985, pontuou todo o seminário. Na minha exposição, aliás, tratei exatamente de caracterizar as três condições que, a meu ver, qualificam a transição desse período para a democracia: a Constituinte, a anistia e o acesso à verdade com a abertura dos arquivos que registram os fatos e que ocultam as ações políticas desse período.
A Constituinte tem um relevo evidente, porque a constituição da transição permitiu um espaço de mediação razoável para liberar as energias democráticas não contidas totalmente pela experiência do terrorismo de Estado.
Como palavra de ordem para abrir a transição, ela permitiu a entrada em cena de novos movimentos sociais, populares e sindicais, cujo projeto de sociedade teve inscrição na Constituição de 1988, para caracterizá-la como expressão de uma cidadania participativa.
A anistia foi, talvez, a primeira bandeira a organizar a resistência democrática. Ainda que só definida em 1979, no final do regime militar, por isso, restrita e abrigando de modo espúrio uma remissão a agentes da repressão e torturadores, ela galvanizou o imaginário democrático e, culturalmente, ganhou o sentimento de oposição ao regime.
Num artigo que escrevi em 1987 (Anistia, o compromisso da liberdade, Revista Humanidades nº 13, Editora da UnB), mostrei como já em 1964, a partir do Ato Institucional nº 1, que abriu o ciclo das cassações de direitos políticos e de demissões sumárias de trabalhadores, várias vozes, muitas de escritores, como Tristão de Athayde e Carlos Heitor Cony, se fizeram ouvir em apelo de “anistia já!”.
No ano de 1964 mesmo, a Editora Civilização Brasileira lançava a sua revista – a Revista da Civilização Brasileira -, marcando com o primeiro número, a convicção de que a saída para a crise que se instalava, tinha que carregar um elemento de superação democrática: “que os cárceres se abram, e os tribunais absolvam, e os lares recebam os que serviam de vítimas”. Neste mesmo número, a revista, que logo seria vítima do ciclo de retrocesso, trazia o belo artigo de Cony – “Anistia”: “É preciso – ele dizia – que a palavra cresça: invada os muros e as consciências”.
Agora, é tempo de reivindicar a verdade e de resgatar a memória, como referências éticas para conter a mentira na política. Em comentário anterior no espaço da Revista do Sindjus (Memória e Verdade: os mortos do Araguaia, Revista do Sindjus, agosto de 2003), referi-me à grande pensadora Hanna Arendt, para reter a sua advertência de que “uma das lições que podem ser apreendidas das experiências totalitárias é a assustadora confiança de seus dirigentes no poder da mentira e na capacidade de reescreverem a história para adaptá-la a uma linha política”.
Por isto é tão urgente abrir os arquivos dessa conjuntura histórica. Não se trata apenas de resgatar a memória e a verdade, mas de completar a transição e abrir-se à experiência plena da democracia, da justiça e da paz. Se essa tarefa já se fazia urgente como continuidade de um processo de redemocratização, ele é ainda mais necessário quando há uma reagrupação de forças obscurantistas, já instaladas em golpe de força, na institucionalidade, para ameaçar essa institucionalidade e repristinar o autoritarismo ditatorial.
Por coincidência, nesta semana (29/10), em aula magna do Programa de Pós-Graduação em Direitos Humanos e Cidadania, da UnB, o professor Paulo Sergio Pinheiro, que coordenou a Comissão de Memória e Verdade do Brasil (A Comissão Nacional da Verdade (CNV), órgão temporário criado pela Lei 12.528, de 18 de novembro de 2011, encerrou suas atividades em 10 de dezembro de 2014 (conheça o seu Relatório: http://cnv.memoriasreveladas.gov.br/index.php/outros-destaques/574-conheca-e-acesse-o-relatorio-final-da-cnv), nos lembrou a todos e todas que a “vigência de um regime tendencialmente democratizante não é condição automática para o alastramento e consolidação de direitos” (veja a sua bela exposição em: https://www.youtube.com/watch?v=qon6RVukYjo). E confira a fidelidade ao que já dizia em 1987 (Dialética dos Direitos Humanos. In SOUSA JUNIOR, José Geraldo de – org, O Direito Achado na Rua. Curso de Extensão à Distância, Série O Direito Achado na Rua. Brasília: Editora UnB, 1987), salientando que “os direitos individuais somente podem prevalecer na medida direta em que foram reconhecidos como direitos sociais para todos os grupos marginalizados, mortificados e anulados na sociedade brasileira”.
O simbólico da lei que acaba de ser aprovada em Brasília para renomear uma ponte, está conforme a jurisprudência da Corte Interamericana de Direitos Humanos, diligente em salvaguardar a reparação da dignidade ofendida, do projeto de vida frustrado, com essa pedagogia que acentua marcas de memória.
Na linha desse entendimento, professei no exercício do meu reitorado na UnB, esses fundamentos. Se o nosso hospital universitário, que ao ser incorporado a UnB, se denominava Emílio Médici, o nome do chefe militar instalado na presidência da república na quadra mais cruenta da ditadura civil-militar, passou a se denominar HUB simplesmente; se o campus da Asa Norte da universidade foi denominado Darcy Ribeiro em homenagem ao fundador cassado e exilado (neste mês de outubro, dia 26, se vivo, faria 90 anos), cuidei de nomear espaços universitários em resgate da memória de vítimas da exceção. Assim foi com os centros de vivência inaugurados nesse tempo que se denominaram Ieda Santos Delgado, Paulo de Tarso Celestino e Honestino Guimarães, estudantes da UnB, militantes políticos, inscritos nos registros oficiais de mortos ou desaparecidos (cf. relatórios da Comissão de Mortos e Desaparecidos).
De volta ao chão de minha docência na Faculdade de Direito, pude fazer o memorial propositivo para nomear o prédio no qual se instala a Faculdade, como o nome de seu primeiro diretor Victor Nunes Leal: “Jurista, professor e escritor, o autor de Coronelismo, Enxada e Voto pertence àquela estirpe que sabe exercitar a compreensão plena do ato de interpretar a realidade e proferir juízos acerca de nosso agir no mundo, rejeitando a falsa oposição entre o político e o jurídico, ao entendimento de que, para se realizar, “a Justiça não deve encontrar o empecilho da lei”. Victor Nunes Leal, com efeito na UnB e no Supremo, levou, em significativa antecipação, o direito a andar pelas ruas porque, “quando anda pelas ruas, colhe melhor a vida nos seus contrastes e se prolonga pela clarividência da observação reduzida a aresto”. Quando se registra 50 anos do golpe que vitimou também Victor Nunes, o simbolismo do ato aprovado pela Faculdade de Direito da UnB é marca de memória. Presta-se a ressignificar o legado de tão formidável contribuição à história da UnB, de sua Faculdade de Direito, da cidade que as acolhe e da democracia brasileira”, cf. a propósito, me artigo UnB homenageia Victor Nunes Leal no seu centenário, publicado em 17/11/2014 no jornal CORREIO BRAZILIENSE,17/11/14, Seção Opinião, pág. 11.
Também nesse modo de professar pedagogicamente os valores de memória, verdade e justiça é que, ao final de meu reitorado, ao ensejo dos eventos do jubileu da UnB e sob motivação da própria Comissão Nacional da Verdade, institui e instalei a Comissão Anísio Teixeira de Memória e Verdade da Universidade de Brasília, “para apresentar à comunidade acadêmica e à sociedade a análise circunstanciada sobre as violações de direitos humanos e liberdades individuais na Universidade de Brasília durante o período de 1º de abril de 1964 a 5 de outubro de 1988”. Entre meu ato constitutivo e a apresentação final do Relatório em setembro de 2015, tenho que fazer o registro de alta qualidade do trabalho realizado e do Relatório apresentado, a peça que é objeto deste Lido para Você, e do protagonismo acadêmico e autoral daqueles que integraram a CATMVUnB: Roberto Armando Ramos de Aguiar (Presidente), ex-Reitor da UnB, in memoriam, Cristiano Otávio Paixão Araújo Pinto (Coord. Relações Institucionais), José Otávio Nogueira Guimarães (Coord. Pesquisa), Daniel Barbosa Andrade de Faria (Coord. Redação e Sistematização do Relatório), Beatriz Vargas Ramos Gonçalves de Rezende, Claudia Paiva Carvalho, Cláudio Antônio de Almeida Eneá de Stutz e Almeida, Fernando Oliveira Paulino, Ivonette Santiago Almeida, Luiz Humberto Miranda Martins Pereira, professor um dos fundadores da UnB, in memoriam, Nielsen de Paula Pires, Paulo Eduardo Castello Parucker e Simone Rodrigues Pinto.
As circunstâncias da conjuntura avalizam a importância desse mergulho no Relatório publicado na página da UnB e também em formato e-book, pela Editora FAC-Livros, da Faculdade de Comunicação da UnB. A peça é um primor editorial. Espero que a Comissão de Alto Nível que coordena as celebrações em 2022 dos 60 anos da Universidade de Brasília possa preparar uma edição especial a cargo da Editora da UnB, como fiz em 2012, com uma segunda edição comemorativa do livro de Roberto Salmeron, A Universidade Interrompida. Brasília 1964-1965 (http://estadodedireito.com.br/a-universidade-interrompida-brasilia-1964-1965/).
Apesar da remissão weberiana, relatórios há que se descolam de seu suporte burocrático para alcançar alturas de peças de referência e até nas belas letras. Assim, o relatório de contas do pequeno município de Palmeira dos Índios, em Alagoas, que despertou no conselheiro do TCU e acadêmico (ABL) Abgar Renault a intuição de que o redator do relatório escondia a força do escritor. O prefeito era Graciliano Ramos que logo depois publicaria Caetés.
Assim também a escrita de Anton Tchékhov, o grande autor russo, que sem meias palavras descreve aquilo que vê, sente e pensa sem um pingo de censura, totalmente honesto, “um verdadeiro relatório de campo, um diário”, sobre sua viagem a Sacalina uma das maiores ilhas do mundo, que servia de prisão na Rússia antes da URSS, de condenados deportados a trabalhos forçados, isso no final dos anos de 1800. Há um livro compilado com o Relatório do autor de A Gaivota, para servir de orientação a jornalistas, publicado pela Martins Fontes: Um Bom Par de Sapatos e um Caderno de Anotações. Como fazer uma reportagem.
Atrás citei Hannah Arendt, a partir de seu A Mentira na Política, para dar lastro a meu argumento sobre memória e verdade. O ensaio da grande pensadora se baseia nos Pentagon Papers, Os Documentos do Pentágono como é o nome popular do relatório ultra-secreto de 14 mil páginas do governo dos Estados Unidos sobre a história do planejamento interno e da política nacional norte-americana sobre a Guerra do Vietnã. O nome foi dado pelo jornal The New York Times, a quem parte deste documento foi entregue em 1971, após ser retirado clandestinamente dos arquivos do governo norte-americano por um funcionário do Pentágono, Daniel Ellsberg.
Relatório sempre sob grande expectativa, a última versão sairá nesta semana, é O Relatório Violência Contra os Povos Indígenas do Brasil – já com dados de 2020. Publicado anualmente pelo Conselho Indigenista Missionário (Cimi), apresenta o retrato de um ano trágico para os povos originários no país. A grave crise sanitária provocada pela pandemia do coronavírus, ao contrário do que se poderia esperar, não impediu que grileiros, garimpeiros, madeireiros e outros invasores intensificassem ainda mais suas investidas sobre as terras indígenas (https://cimi.org.br/2021/10/relatorioviolencia2020/).
Relatório necessário, desde que em 1967, foi divulgado Relatório Figueiredo. Com mais de 7000 páginas. Esse Relatório foi elaborado pelo procurador Jader de Figueiredo Correia a pedido do ministro do interior brasileiro Afonso Augusto de Albuquerque Lima. Nele são descritas violências praticadas por latifundiários brasileiros e funcionários do Serviço de Proteção ao Índio contra índios brasileiros ao longo das décadas de 1940, 1950 e 1960:
No final dos anos 1950 até 1968, o Estado brasileiro submeteu seus povos indígenas às tentativas violentas para integrar, pacificar e aculturar suas comunidades. Em 1967, o promotor público Jader de Figueiredo Correia, apresentou o Relatório Figueiredo à ditadura que então governava o país, o relatório de sete mil páginas não seria liberado até 2013. O relatório documenta crimes de genocídio contra os povos indígenas do Brasil, incluindo assassinatos em massa, tortura e guerra bacteriológica e química, relatava escravidão e abuso sexual. Os documentos redescobertos estão a ser analisados pela Comissão Nacional da Verdade, que tem sido encarregada das investigações de violações de direitos humanos que ocorreram nos períodos de 1947 a 1988. O relatório revela que o Serviço de Proteção ao Índio havia escravizado povos indígenas, torturado crianças e roubado terras. A Comissão da Verdade é da opinião de que tribos inteiras no Maranhão foram completamente erradicadas e em Mato Grosso, um ataque a trinta cintas-largas deixou apenas dois sobreviventes. O relatório também afirma que latifundiários e membros do SPI teriam entrado em aldeias isoladas e deliberadamente introduzido varíola. Das cento e trinta e quatro pessoas acusadas no relatório do Estado até agora não julgaram nenhuma, uma vez que a Lei da Anistia aprovada no fim da ditadura não permite julgamentos para os abusos que aconteceram nesse período. O relatório também detalha casos de assassinatos em massa, estupros e tortura, Figueiredo afirma que as ações do SPI teriam deixado os povos indígenas próximos da extinção. O Estado aboliu o SPI após o lançamento do relatório. A Cruz Vermelha lançou uma investigação após novas alegações de limpeza étnica serem feitas após o SPI ter sido substituído (https://pt.wikipedia.org/wiki/Relat%C3%B3rio_Figueiredo).
Não chega a ser um Relatório, mas tem esse estilo a obra Holocausto Brasileiro lançada em 2013 pela jornalista Daniela Arbex que retrata os maus-tratos da história do Hospital Colônia de Barbacena administrado pela FHEMIG através do depoimento de ex-funcionários e pessoas ligadas diretamente ao dia-a-dia do funcionamento do local. Em matéria de El País, o drama nos avassala:
“Hoje estive em um campo de concentração nazista. Em nenhum lugar vi algo assim”, declarou depois de visitar o Colônia em 1979 o psiquiatra Franco Basaglia, promotor da reforma dos manicômios na Itália. Jornalistas locais fizeram as primeiras denúncias públicas nas décadas de sessenta e setenta. Suas fotos e relatos causaram espanto, mas logo caíram no esquecimento. A jornalista Daniela Arbex era adulta quando ouviu falar pela primeira vez do atroz episódio da história local. “Fui procurar os sobreviventes. E graças a eles consegui resgatar o que acontecia atrás das paredes”, explica por telefone a autora do livro Holocausto Brasileiro, publicado em 2019. Um best-seller que contribuiu para divulgar um horror de que muitos brasileiros nunca ouviram falar. Ela insiste que todos foram cúmplices: os médicos, as famílias, os moradores, a sociedade em geral…
Siqueira conta na cidade onde passa o confinamento com a família que sua mãe, dona Geralda, ainda mora em Barbacena. Eles se viam todo mês até que o coronavírus perturbou tudo. O bombeiro se irrita com o fato de que alguns moradores acreditem que divulgar as atrocidades prejudica a reputação local. Para ele é o melhor antídoto para evitar que ninguém mais seja tratado de maneira tão desumana. “Apesar de ter nascido na barbárie, sou fruto de uma rede de solidariedade”, insiste, referindo-se às freiras e outros adultos dos orfanatos, que o guiaram quando era adolescente e invejava aqueles que recebiam alguma visita.
O trágico transparece no relatório da Oxfam de 2021 O vírus da desigualdade. Sob a incidência da pandemia a organização fala de um mundo unido pelo dilacerado decorrente do coronavírus por meio de uma economia justa, igualitária e sustentável. Ela documenta e descreve as estimativas realizadas internamente para o relatório nas seguintes áreas: Tendências para a riqueza e pobreza extremas; Opiniões de economistas sobre o impacto da pandemia da COVID-19 sobre a desigualdade; A situação de mulheres, negros e negras, afrodescendentes e grupos latinos durante a pandemia; Transferência tributária das empresas para as famílias.
É que também é descrito no Relatório da CPI da Covid, publicado e aprovado na Comissão do Senado em 26/10. Entretanto, é indizível o horror que transparece de sua escrita, e das indagações dirigidas às consciências críticas conforme meu artigo no Jornal Brasil Popular (https://www.brasilpopular.com/falta-alguem-na-cpi/). Digo eu:
“Sob tais diferentes indagações, em face pandemia da COVID-19 e sua desastrosa e conforme o Relatório criminosa gestão no Brasil, não cabe ativar uma consciência infeliz a partir do social e da exigência de responsabilidade que a todos convoca, sob pena de não podermos nos dizer inocentes diante das interpelações agudas que nos faz Darcy Ribeiro, ou em termos conforme venho remarcando – http://estadodedireito.com.br/direitos-humanos-e-covid-19/? Nessa emergência composta de impulsos de exceção, é somente o Jurídico, no Legislativo e nos Sistema de Justiça, os chamados a se constituir como arena de resistência ao processo de desdemocratização e de desconstitucionalização em curso no País e à banalização da vida pela ação de governança absolutamente incompetente para agir no enfrentamento à pandemia? Ou será que falta alguém na CPI além daqueles que ela recomenda indiciar?”.
Vou ao Relatório objeto deste Lido para Você. O Sumário em si é uma expressão do conjunto simultaneamente descritivo e analítico acerca da realidade relatada: começa com a cortesia de um resumo na forma de um Sumário Executivo e prossegue com as enunciações que levam, a meu ver, à principal conclusão. Houve sim violações cruciantes alcançando a integridade e o projeto de vidas das muitas individualidades identificadas no trabalho da Comissão, mas o que penso melhor o caracteriza é ter constatado ter a violência feito da UnB [um] Projeto Inicial Interrompido.
Observe-se o Sumário, em continuidade:
Apresentação
Atividades da Comissão Anísio Teixeira da Memória e da Verdade da UnB
A Justiça de Transição e as comissões da verdade
Repressão e resistência na Universidade: a luta das gerações
Nota metodológica
Relação de Depoimentos colhidos pela CATMV-UnB
UnB: projeto inicial interrompido
Centro Integrado de Ensino Médio (CIEM): um momento da educação em Brasília
PARTE I: Organização cronológica UnB, Ditadura, Resistência: periodização e cronologia das graves violações de direitos humanos na ditadura e do processo de luta contra o regime
Periodização e cronologia da ditadura e da resistência na UnB 1962-1965: da materialização do projeto de universidade criativa e voltada aos problemas do país à sua brusca interrupção
1962: nasce uma nova universidade 1964-1965:
o golpe em abril; a primeira invasão policial-militar da UnB; prisão de professores e estudantes; demissão do reitor Anísio Teixeira; crise do pedido de demissão coletiva de professores
1964
Crise de 1965: O cerco se fecha sobre a universidade
- Prisões arbitrárias
- Demissões por motivo político
1968-1974:
repressão exacerbada a todo foco de oposição: expulsões, prisões, torturas, desaparecimentos
1968
Um prelúdio: a visita do embaixador John Tuthill
De março a abril de 1968
Maio a Agosto de 1968
29 de agosto de 1968
A expulsão de Honestino Guimarães, 26 de setembro de 1968
- Agosto: Ação Terrorista de Estado
- O perfil do Reitor e a nomeação de José Carlos de Almeida Azevedo para o cargo de Vice-Reitor
- Torturas
1969: o ano da clandestinidade e do 477
O Decreto-Lei n° 477, de 26 de fevereiro de 1969
Clandestinidade e resistência
1970-1971 A universidade sufocada
1971: Onda repressiva sobre a APML
Mais algumas palavras sobre as torturas
1973-1974: “Where have all the flowers gone?” Uma onda repressiva em torno de repúblicas e seus moradores
A fabricação do inimigo
1974: Mais um caso intrigante
1974-1979: Na corda bamba, sem rede embaixo: entre o terrorismo de Estado e o retorno à democracia limitada
1974 (Improvável) rearticulação estudantil
1975 movimento estudantil e repressão
1976 Ensaio Geral de repressão e resistência
1977 Greve histórica e mais invasões policiais-militares
1978 UnBgate, ADUnB, DCE Livre
1979-1988: Em clima de abertura (pontuada por atentados de extrema-direita), avança a luta democrática; integrando-se aos movimentos sociais e populares, estudantes e professores se juntam na luta pela derrocada da ditadura
1979 O ano da UNE e da Anistia
1980-1984, 1985-1988: do outono da ditadura a um rascunho de democracia
1980 Docentes e discentes movem-se juntos
1981 Kissinger de camburão
1982-1983 A força dos estudantes e professores
1984 Diretas Já, Reitoria ocupada, fim da ditadura
1985-1988 Nova República, eleição direta na UnB, etc.
PARTE II: eixos temáticos
II.1 – Estrutura da rede repressiva interna e externa
II.2 – Cartografia da ditadura e da resistência na UnB
II.3 – Tortura no DF
Parte II.3: VIDAS
Desaparecidos políticos da Universidade de Brasília (UnB)
Paulo de Tarso Celestino da Silva (1944-1971)
Honestino Monteiro Guimarães (1947-1973)
Ieda Santos Delgado (1945-1974)
Considerações sobre o caso Anísio Teixeira
PARTE IV: CONCLUSÕES E RECOMENDAÇÕES
Recomendações
ANEXO – O olhar de fotógrafos profissionais sobre o período e sobre as fotografias produzidas pela ditadura existentes nos arquivos da ASI/UnB
1) MARCOS SANTILLI
2) ADONAI ROCHA
Referências Bibliográficas
O Relatório, desde que produzido por acadêmicos com adensada maestria no manejo teórico e metodológico, acaba acrescentando ao seu arranjo um suporte epistemológico que não deixa os fatos flutuarem ao impulso da relevância dos elementos empíricos que os caracterizam, nem deixar os achados dissiparem-se em idealizações nefelibatas. Esse suporte é sempre muito conceitual, no manejo de categorias de inteligibilidade e nas validações nutridas por referências precisas.
Deixo ao leitor ou ao pesquisador interessados o desfrute de um mergulho de conhecimento das formas históricas em que os acontecimentos se desenrolam e das possíveis generalizações sociológicas que eles suscitam, especialmente para as articulações político-jurídicas que reclamam.
Aqui, para efeito demonstração e dada a convocação de conjuntura, no atual, o que nele se refere, em parte, à situação de Honestino Guimarães:
Ainda segundo Victoria Langland, o comitê pró-UNE desencadeia, durante os esforços para reconstrução da entidade, o movimento “Onde está Honestino” e organiza visitas aos ministros da Justiça e da Educação para que fossem fornecidas informações sobre o paradeiro daquele que tinha sido o último presidente da UNE. Como se sabe, pouco ou nada foi descoberto sobre o paradeiro de Honestino, mas essas iniciativas foram cruciais na definição da exemplaridade de sua trajetória e no simbolismo da sua luta.
Na manifestação de 1978, prossegue Langland, surgiram as primeiras referências memorialísticas relacionadas a Honestino. Naquela oportunidade, foi lido um documento escrito por Honestino (o mandado de segurança popular, referido no presente Relatório, na parte alusiva à trajetória dos desaparecidos) pouco antes de sua captura pelas forças da repressão (LANGLAND, 2013, p. 232-233).
Nesta parte da fundamentação, merece ser recuperado outro documento que traduz algo da luta de Honestino. Trata-se de um ensaio histórico produzido por Daniel Faria, Professor do Departamento de História e integrante da Comissão Anísio Teixeira de Memória e Verdade da UnB.
No texto, o Prof. Daniel propõe uma “anamorfose de um dia”, o dia em que Honestino escreveu uma carta destinada a sua família. Reproduziremos aqui alguns excertos do ensaio, também com a finalidade de recuperar a escrita de Honestino. Na primeira parte da citação, está o texto de Daniel Faria. Com os depoimentos e informações disponíveis, podemos imaginar como poderia ser um dia na vida de Honestino em dezembro de 1972. Em primeiro lugar, ele morava num apartamento com outros militantes da Ação Popular, no Rio de Janeiro. Em segundo, os moradores do apartamento estavam preocupados com a aproximação violenta da repressão, visto que planejavam se mudar dali antes do final do ano. A repressão já se abatia sobre a AP, com raptos e assassinatos. Portanto, havia um clima de tensão no ar – para além da tensão “normal” da vida em clandestinidade.
Honestino costumava dormir pouco, por volta de 4 horas por noite. Praticava yôga, para se preparar para resistir à tortura. E vinha se dedicando a uma elaborada auto- -análise – não apenas política, mas emocional, subjetiva. Deste último aspecto sabemos pelo teor da carta, em que Honestino assume a voz de irmão mais velho e se dirige aos seus dois irmãos, dando-lhes conselhos sobre a vida, indicando leituras etc. A carta de 11/12/1972 pulsa solidão, saudade da família, mas, ao mesmo tempo, é uma afirmação ética da vida que ele escolheu para si.
Na segunda parte, um trecho da carta enviada por Honestino, tal como transcrita no livro escrito por sua mãe, Maria Rosa Leite Monteiro: (…) (Maria Rosa Leite Monteiro. Honestino. O bom da amizade é a não cobrança. Brasília: Da Anta Casa Editora, 1998. Trecho da carta de 11/12/1972: p. 161-162): “Tenho pensado bastante em vocês todos. E sinto que gosto muito da família que tenho. Nestas horas me dói profundamente não estar com vocês. Sei que seria muito bom a gente conviver um pouco. Quando há amor e uma vontade de transformação em nós e nas pessoas próximas e se leva isso na prática, não há nada melhor. Quando estive com os manos este ano senti que cada vez tenho maior amizade, carinho, ligação com eles. Me sinto amigo pacas destes dois. E quanto não pagaria para convivermos juntos e interagirmos uns sobre os outros! Vi que os dois estão muito inquietos, não estão acomodados dentro de si. E isso é muito bom. Lembra-me o Torquato Neto (não sei se vocês conhecem): ‘Não era um anjo barroco/ era um anjo muito louco/ com asas de avião/ que disse: Vai bicho/ desafinar o coro dos contentes’. É isso aí. Enquanto não estivermos fazendo coro com os contentes, enquanto sentirmos a cuca quente e o sangue correndo, tá tudo azul. Não seremos mortos vivos dos tipos que o Henfil fala: não seremos os mesquinhos da vida. E vejam, meus caros, que a acomodação que eu tô combatendo é uma bem geral, e não apenas acomodação política. O negócio é cada um descobrir a própria medida dos seus passos. Ninguém tem o direito de se amesquinhar, de virar morto-vivo. Ou ainda, ninguém se transforma em morto-vivo sem deixar de ser vivo, de ser gente, e tudo o mais. Aí virado morto-vivo: contente beato, bobo alegre; aplaudidor dos poderosos, das leis morais que estão aí impostas e impositivas; aí, bem aí. Não sei se vocês estão com consciência disso. E isso é nada mais do que filosofia, rumo, perspectiva de vida. Éverdade e verdade é coisa inquieta que mexe com a gente.” (FARIA, Daniel. Anamorfose de um dia: 11/12/1972. Manuscrito inédito. Brasília, 2013).
O caso de Honestino Guimarães é bastante representativo da repressão que se abateu sobre a Universidade de Brasília. Uma das dimensões que merece ser destacada é o impacto da sua luta, da sua trajetória, no futuro da UnB.
O Diretório Central dos Estudantes da UnB possui, desde 1997, o nome de Honestino Guimarães. E um dos três espaços inaugurados em maio de 2012 destinados à convivência dos integrantes da comunidade acadêmica da UnB – os chamados MASCS, ou Módulos de Apoio e Serviços Comunitários – se intitula “Honestino Guimarães” (os outros dois são denominados “Ieda dos Santos Delgado” e “Paulo de Tarso Celestino”, homenageando os outros dois estudantes desaparecidos).
Há que ser registrada também a firme atuação dos familiares na luta por verdade, memória e justiça, especialmente o seu sobrinho Mateus Guimarães, integrante do Comitê Memória, Verdade e Justiça no Distrito Federal e presença forte e inserida na luta por uma educação pública e de qualidade.
Em 19 de maio de 2013, a Comissão de Anistia (Ministério da Justiça) realizou caravana de anistia na UnB, com pauta que incluiu a anistia de Honestino Guimarães (https://memoria.ebc.com.br/cidadania/2013/09/honestino-recebe-homenagem-durante-caravana-da-anistia-acompanhe) e homenagem aos professores e alunos da UnB que foram perseguidos no regime militar.
A nota refere-se ao fato da realização pelo Ministério da Justiça da 73ª edição da Caravana da Anistia, na Universidade de Brasília (UnB). O destaque desta edição do evento, que percorre o Brasil reconhecendo casos de perseguição durante a ditadura militar, será a análise do processo de anistia do estudante Honestino Monteiro Guimarães.
Para o então Presidente da Comissão de Anistia Paulo Abrão, “nas sessões, são feitos pedidos públicos de desculpas aos brasileiros pela responsabilidade do Estado nos casos de violações de direitos humanos ocorridas durante o período. O requerimento de anistia política post mortem foi solicitado pela família de Honestino e tramitou na Comissão de Anistia, que realizou uma busca de documentos em arquivos públicos para corroborar com os fatos em torno das perseguições sofridas. Nesta sexta-feira, um conselheiro da comissão apresentará um relatório conclusivo sobre o caso”. Segundo o presidente da Comissão a reparação a Honestino Guimarães tem um caráter simbólico, já que a família dele não solicitou qualquer valor de indenização. “É o Estado pedindo desculpas aos familiares, e com isso reconhecendo que foi ele quem deu causa aos sofrimentos que o Honestino e seus familiares tiveram ao longo do tempo”. (veja os meus grifos em negrito).
Ao simbólico de toda a cerimônia, revestida de muita emoção, pode-se acrescentar a circunstância de que o Conselheiro-Relator da Comissão, cujo voto foi acolhido por unanimidade, foi o professor Cristiano Paixão, membro da Comissão Anísio Teixeira de Memória e Verdade da UnB, em cujo voto se percebe a plena utilização de elementos materiais do que se incluiu posteriormente no Relatório da Comissão. Já a ementa da decisão permite vislumbrar essas referências:
Requerimento de Anistia: 2013.01.72431
Anistiando: Honestino Monteiro Guimarães
Requerente: Juliana Botelho Guimarães Lopes
Relator: Conselheiro Cristiano Paixão
ANISTIA POLÍTICA. HONESTINO GUIMARÃES. DESAPARECIMENTO FORÇADO. CRIME PERMANENTE.
MOVIMENTO ESTUDANTIL: REPRESSÃO PELO PODER JUDICIÁRIO. UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA COMO LOCAL DE RESISTÊNCIA. JUSTIÇA DE TRANSIÇÃO EM PERSPECTIVA INTERGERACIONAL.
- Desaparecimento forçado de Honestino Monteiro Guimarães. Violação ao jus cogens do direito internacional dos direitos humanos. Crime permanente. Validade da persecução penal no presente. Ausência de impedimento legal para instauração de procedimento investigatório: não recepção, pela Constituição da República de 1988, da Lei nº 6.683/79. Jurisprudência da Corte Interamericana de Direitos Humanos.
- Atuação do Supremo Tribunal Federal no caso Honestino Guimarães. Ausência de problematização sobre as circunstâncias fáticas e jurídicas do processo perante a Justiça Militar. Emprego irrefletido de normas de exceção em detrimento do direito constitucional então vigente. Fragilidade na fundamentação do acórdão.
- Resistência da comunidade acadêmica da Universidade de Brasília. Centralidade do projeto da UnB no contexto de modernização urbana e institucional do Brasil do início da década de 1960. Trajetória de Honestino Guimarães na universidade. A experiência da repressão. A diáspora. As tentativas de reconstrução.
- Diálogo intergeracional. Justiça de Transição que deve ser compreendida em perspectiva expandida. Definição do marco temporal da reparação na forma do art. 8º do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias da Constituição da República de 1988. Movimento estudantil na resistência à ditadura. Protagonismo de Honestino Guimarães. Produção de memória acerca da luta por liberdade e inclusão. Significado para o futuro.
- Pedido procedente. Declaração de Honestino Monteiro Guimarães como anistiado político post mortem. Pedido de desculpas apresentado pelo Estado brasileiro. Retificação do atestado de óbito.
Remessa de ofício ao Ministério Público Federal.
No momento de encaminhar esta Coluna para publicação, o Governador do Distrito Federal ainda não havia sancionado a lei. A demora parece revelar que está recebendo pressões eloquentes para o veto. Sabe-se que a disputa pelo nome da ponte e sua renomeação conforme os fundamentos da Justiça de Transição, foi bastante tensa, com a ampliação, na conjuntura, do protagonismo fascista (uso o termo no sentido expandido que sugere Umberto Eco, conforme o seu O Fascismo Eterno). Espera-se que o governador, nem tanto por suas convicções, mas ao menos por sua fidelidade, ex-Presidente da OAB, aos princípios educadores da justiça de transição para o nunca mais.
Sei que a Reitora da UnB, professora Márcia Abrahão, ela própria ex-aluna da universidade, egressa do mesmo curso de Honestino – Geologia, oficiaria ao Governador convocando-o a sancionar a lei. É o que cabe a UnB na sua tradição de promoção e defesa dos direitos humanos (Estatuto, art. 4º, XII). A UnB que em 1986 criou o Núcleo de Estudos para a Paz e os Direitos Humanos, na estrutura multidisciplinar do CEAM – (Centro de Estudos Avançados Multidisciplinares) e que desde então oferece em todos os semestres a disciplina Direitos Humanos e Cidadania para alunos de graduação de todos os cursos; ali no CEAM onde se instalou o Programa de Pós-Graduação (mestrado e doutorado) em Direitos Humanos e Cidadania. Um acumulado que propiciou à Reitora Márcia elevar os direitos humanos a uma política institucional, criando um Conselho de Direitos Humanos na universidade e agora, pouco antes da lei ser aprovada na CLDF, fazer integrar estatutariamente ao Conselho Universitário, órgão máximo deliberativo, uma Câmara de Direitos Humanos para formular e implementar a política de direitos humanos da universidade, finalidade que se inscreve em seu projeto original de se configurar como uma universidade necessária, como a projetava Darcy Ribeiro, enquanto se realize como uma universidade emancipatória (SOUSA JUNIOR, José Geraldo de, (Organizador). Da Universidade Necessária à Universidade Emancipatória. Brasília: Editora da UnB, 2012).
Espera-se que a hesitação do Governador não contribua para o silenciamento, diz Boaventura de Sousa Santos, em debate “Direitos Humanos, Justiça, Lutas e Memórias“, promovido pelo Conselho Latinoamericano de Ciências Sociais (Clacso), em Porto Alegre (https://www.cartamaior.com.br/?/Editoria/Direitos-Humanos/A-memoria-como-direito-e-tarefa-civilizatoria/5/18693), que sacrifica o direito à memória, isto é, “o direito a vivências e experiências pessoais que constituíram a subjetividade [de indivíduos], e que eles têm que lembrar e serem respeitados por isso“, tanto mais, quanto como é o caso de Honestino Guimarães, “a verdade para eles está inscrita nos seus corpos, no seu sofrimento. Essa memória é intransmissiva porque as dimensões do sofrimento nunca se pode transmitir, mas pode ser reconhecida.” Para não permitir que o silenciamento, neste caso, também “torne impronunciável a revolta“, e postergue o nunca mais com a frustração ou dano a projetos de vida (caso Loayza Tamayo Vs. Perú. Corte IDH, 1998, Serie C No. 42).
Esses princípios têm sido serenamente aplicados pela Sub-Comissão de Memória e Verdade, da Comissão de Direitos Humanos da OAB, por sua vez mobilizada em apoio a renomeação da ponte conforme a deliberação da CLDF. Assim que, havendo veto, é certo que a agenda é a de continuidade da mobilização para que seja derrubado.
José Geraldo de Sousa Junior é Articulista do Estado de Direito, possui graduação em Ciências Jurídicas e Sociais pela Associação de Ensino Unificado do Distrito Federal (1973), mestrado em Direito pela Universidade de Brasília (1981) e doutorado em Direito (Direito, Estado e Constituição) pela Faculdade de Direito da UnB (2008). Ex- Reitor da Universidade de Brasília, período 2008-2012, é Membro de Associação Corporativa – Ordem dos Advogados do Brasil, Professor Titular, da Universidade de Brasília, Coordenador do Projeto O Direito Achado na Rua.55 |
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