Relações de consumo celebradas pela internet

Coluna Direito Empresarial & Defesa do Consumidor

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Foto: Pixabay

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“Se o teu negócio não está na internet, teu negócio não existe…”

Bill Gates

Proteção ao consumidor no meio virtual

Todos sabem que o surgimento da internet trouxe uma profunda modificação em diversos campos do direito, e em especial nas relações de consumo, que encontram neste novo meio um campo propício, não só ao crescimento do comércio, mas também ao surgimento de indagações práticas acerca de seus próprios institutos.

No que tange as relações de consumo celebradas em meio virtual, muito se discute acerca da aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor, havendo controvérsias, não só com relação aos contratos celebrados com fornecedores nacionais, mas em especial, àqueles firmados com fornecedores estrangeiros.

Assim, referente às relações de consumo celebradas pela internet, com fornecedores nacionais, entende-se que são perfeitamente aplicáveis às disposições do Código de Defesa do Consumidor.

Porém, deve-se inicialmente averiguar se a relação concretizada em meio virtual se enquadra nos requisitos da Lei nº 8.078/90, quais sejam, os conceitos de fornecedor e consumidor. Tal conduta se reveste de extrema importância, haja vista que nem toda relação pactuada pela internet é de consumo.

Portanto, uma vez configurada a relação de consumo virtual, e sendo o fornecedor nacional, inquestionável a incidência das normas de proteção ao consumidor, com alteração do foro para o domicílio deste, diante da sua patente vulnerabilidade frente ao fornecedor, que geralmente domina uma tecnologia de ponta, desempenhada em mercado absolutamente dinâmico, através do e-commerce.

Legislação aplicável

Ocorre, que nem sempre a determinação da legislação a ser aplicável e a indicação do respectivo foro, aparece de forma cristalina, porque modernamente os consumidores virtuais passaram a celebrar contratos de consumo,  não só com fornecedores nacionais, mas também com estrangeiros que, muitas vezes,  não possuem estabelecimento físico no Brasil, estando ainda ausentes, qualquer representação ou filial.

Sendo assim, em caso de alguma irregularidade na transação internacional, o consumidor estará diante de uma notória questão de confronto entre as normas de proteção ao consumidor e as regras do comércio mundial, surgindo dúvidas quanto à legislação aplicável e o foro para dirimir a controvérsia.

Logo, torna-se de grande importância a verificação do local do estabelecimento físico do fornecedor, que, ressalta-se,  não se confunde com o seu endereço na WEB.

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Nesta linha de raciocínio, pode-se deparar com a ocorrência das seguintes situações: a) em se tratando de relação de consumo firmada com fornecedor nacional, indubitável a incidência do Código de Defesa do Consumidor, b) em se tratando de fornecedor estrangeiro com estabelecimento físico no exterior, cumpre averiguar os Tratados ou Convenções Internacionais que discipline a matéria, ou a existência de escritório de representação em território nacional.

Verificando a existência de Tratado ou Convenção Internacional, que discipline as relações de comércio com aquele país, e que o Brasil seja signatário, aplicam-se as normas de proteção ao consumidor, podendo o fornecedor ser processado no Brasil, ou no seu país de origem.

Outro fator existente que enseja a aplicação do Código de Defesa do Consumidor seria aquele em que o fornecedor, com o qual o contrato foi celebrado, tenha sua sede física do exterior e a existência de filial, escritório de representação ou assistência técnica, no Brasil, hipóteses em que, responderão pelos danos causados e pelos vícios que o produto apresente.

Portanto, exatamente nesta linha de entendimento, vem decidindo o  Superior Tribunal de Justiça, que segundo julgado, RESP nº 63.891, reconheceu o direito do consumidor, que adquiriu uma máquina filmadora, marca Panasonic, em Miami (USA), e que mais tarde veio a apresentar defeito, e foi reparada pela Panasonic do Brasil Ltda.

O  Relator do acórdão, Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira, reconheceu em seu voto que “Se a economia globalizada não mais tem fronteiras rígidas e estimula e favorece a livre concorrência, imprescindível que as leis de proteção ao consumidor ganhem maior expressão em sua exegese, na busca do equilíbrio que deve reger as relações jurídicas, dimensionando-se, inclusive, o fator risco, inerente à competitividade do comércio e dos negócios mercantis, sobretudo quando em escala internacional, em que presentes empresas poderosas, multinacionais, com filiais em vários países, sem falar nas vendas hoje efetuadas pelo processo tecnológico da informática e no fator mercado consumidor que representa o nosso país. (…)

O mercado consumidor, não há como negar, vê-se hoje ‘bombardeado’ diuturnamente por intensa e hábil propaganda, a induzir a aquisição de produtos, notadamente os sofisticados de procedência estrangeira, levando em linha de conta diversos fatores, dentre os quais, e com relevo, a respeitabilidade da marca. (…)

Se as empresas nacionais se beneficiam de marcas mundialmente conhecidas, incumbe-lhes responder também pela deficiência dos produtos que anunciam e comercializam, não sendo razoável destinar-se ao consumidor as consequências negativas dos negócios envolvendo objetos defeituosos…“.

Indiscutivelmente, observa-se  uma preocupação do Poder Judiciário em proteger o consumidor, em especial àquele que celebra relação de consumo internacional, utilizando-se, inclusive, da internet, conforme bem salientou no fundamento de seu voto o eminente Ministro Sálvio Teixeira.

Por outro lado, caso seja constatado que não há Tratado ou Convenção Internacional sobre o tema, e também ausente qualquer escritório de representação ou assistência em território nacional, não há pretensão para se aplicar as normas do Código de Defesa do Consumidor, aplicando-se nestes casos às disposições do Código Civil, relativas à competência em razão do lugar, e as normas elencadas na Lei de Introdução ao Código Civil, considerando-se o foro, o local onde residir o fornecedor, portanto, no país em que estiver situado o seu estabelecimento físico.

Conclusão

Assim, em virtude dos argumentos apresentados, percebe-se a importância da aplicação dos critérios supramencionados, a fim de que se possa determinar, com exatidão, a legislação pertinente e o foro para dirimir eventuais controvérsias, provenientes das relações de consumo celebradas pela internet, que está se transformando no universo global do amanhã onde as relações de consumo aumentam a cada dia.

 

Maria Bernadete Miranda é Articulista do Estado de Direito, Mestre e Doutora em Direito das Relações Sociais, subárea Direito Empresarial pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Professora de Direito Empresarial e Advogada.

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