Eduardo Pazinato[1]
Parte substantiva dos refluxos por que atravessa a segurança dos direitos no Brasil relaciona-se com a forma como o não sistema de segurança pública e justiça criminal dimensiona, aborda e atua na temática das drogas, como também das armas e, mais recentemente, da maioridade penal[2].
Creio, e desse pressuposto parto, que o direito à segurança somente será assegurado com a segurança dos direitos (fundamentais e sociais) no Brasil[3].
O controle, a prevenção e a redução dos crimes violentos e a da vitimização letal reclamam outro olhar acerca dessas questões, diametralmente oposto aquele preconizado pela cultura punitiva que advoga o mais do mesmo: criminalização, encarceramento e morte.
Assistimos, atônitos, ao aumento da letalidade das violências, à sua interiorização junto a cidades pequenas e médias do país, à ampliação do sentimento de insegurança e medo (insuflados pela espetacularização da dor e das violências pelas mídias), à falta de articulação institucional entre as agências de segurança e justiça, ao baixo nível de modernização do “sistema” de segurança e justiça, à reduzida transparência (accountability) na gestão da informação (Diagnóstico, Monitoramento e Avaliação), à baixa capacidade institucional de resposta às violências e crimes acirrados pelo emprego disseminado de armas de fogo, à ausência de uma política sobre drogas (enclausurada no paradigma falido da “guerra às drogas”) e, por consequência, à, esta sim perigosa, falta de confiança e legitimidade das instituições de segurança e justiça por parte da população, detonadora de ódio e intolerância (vendetta).
Este é o contexto em que a não política sobre drogas ou a política contra as drogas viceja no país. A segurança e a justiça estão nuas e reféns de uma sociedade em pânico!
O paradigma proibicionista da “guerra às drogas” faliu e apenas se sustenta pelo preconceito (moral e religioso) e pela ignorância do senso comum das ruas ou do ilustrado senso comum teórico[4], que produz e reproduz mitos. A mitificação que a questão das drogas encerra não resiste, todavia, a uma análise mais detida, ancorada em pesquisas aplicadas, dos seus fundamentos e efeitos.
O mito fundador da famigerada “guerra à drogas” dialoga com o fato de “as leis penais no país serem, supostamente, brandas, razão pela qual ninguém vai para a cadeia…”.
A mais recente campanha lançada pelo Centro de Estudos sobre Segurança e Cidadania da Universidade Cândido Mendes, com o apoio da Open Society Foundations (“Da proibição nasce o tráfico”)[5], ajuda-nos a desfazer esse equívoco, que se (retro)alimenta do medo e da insegurança, sempre péssimos conselheiros em matéria penal.
1. A lógica da política criminal de “combate” ao tráfico (e ao consumo) de drogas gera apreensões e prisões, que, paradoxalmente, valorizam o comércio ilegal de drogas, implicando mais violência e mais lucro oriundo desse negócio criminal.
2. Logo a proibição gera o tráfico de drogas e fortalece o poder econômico e de letalidade dos grupos criminosos envolvidos com esse mercado.
3. Os traficantes buscam um maior poder de fogo, seja para fazer frente às polícias, seja para se proteger de grupos rivais, o que aumenta o número de encarcerados (por tráfico e/ou consumo) e potencializa a corrupção;
4. Trata-se, como todas as guerras, de uma intervenção de soma zero, que vitimiza, fatalmente, milhares de pessoas ano a ano, e não resolvem o problema das violências e crimes, pelo contrário;
5. Somente em 2014 foram mais de 56.000 pessoas mortas por causas externas violentas no Brasil, segundo recentes pesquisas divulgadas pelo Mapa da Violência 2015[6], a maioria delas vitimadas fatalmente com emprego de arma de fogo;
6. Segundo a Anistia Internacional, 154 pessoas são mortas diariamente no Brasil, que já responde por 10% dos homicídios praticados no mundo;
7. Diferentemente do que o senso comum das ruas (e o de alguns doutos) preconiza, o Brasil prende muito, mal e de forma seletiva;
8. Enquanto 25% dos presos cumprem pena por tráfico de entorpecentes, apenas 11% o fazem por homicídios e sequestros, segundo pesquisas aplicadas conduzidas pelo Instituto Sou da Paz;
9. Grosso modo a cada 100 pessoas presas pouco mais de 10 praticaram assassinatos;
10. Não obstante, a cada 10 presos por tráfico, 8 são microtraficantes, ou seja, não possuíam antecedentes criminais, não integravam facção criminosa ou portavam arma de fogo.
Nessa mesma direção, sobrevém o mito: “sem a proibição o consumo de drogas vai aumentar”, que também não prospera.
1. Nos países em que o uso de determinadas substâncias foi descriminalizado ou regulado, na prática, não houve aumento significativo no nível de consumo;
2. Pesquisas realizadas em 21 países que já descriminalizaram o uso de drogas indicam que não há correlação entre descriminalização e aumento nas taxas de uso:
Ex. 1: Portugal descriminalizou o consumo de todas as drogas em 2001 e apresenta índices de uso de maconha semelhantes aos da Suécia, que possui dura estratégia de proibição às drogas;
Ex. 2: No Estado americano do Colorado, em que o uso de maconha para fins recreativos é legalizado e regulado desde 2014, as taxas de consumo continuam caindo entre jovens.
3. O consumo problemático de drogas (leia-se o abuso e não o uso), com ou sem proibição, de drogas legais e ilegais, já é um problema de saúde pública no país;
4. É mais eficiente e racional, pois, direcionar os recursos que o Brasil já investe na área da segurança pública para conter o consumo e o tráfico de drogas – entre 2 e 5 salários mínimos por mês no sistema penitenciário – para as áreas da educação e da saúde pública;
5. Além do custo econômico, o custo de vidas humanas perdidas pela famigerada “guerra às drogas” é incomensurável, sobretudo junto às juventudes (de 15 a 29 anos). De 2002 a 2012, em 10 anos, mais de 300.000 jovens foram assassinados no país.
Pelo número vexatório de vidas ceifadas pela violência no Brasil;
Pelo flagrante genocídio de crianças e adolescentes;
Pelo absurdo da morte de policiais no país (“a polícia que mais mata e morre no mundo”, conforme dados do Anuário do Fórum Brasileiro de Segurança Pública de 2014);
Pelos imensuráveis prejuízos sociais e econômicos (na ordem de R$ 88 bilhões por ano ou 1,2% do PIB, segundo Daniel Cerqueira – IPEA);
Por uma outra segurança e justiça possíveis,
SOU A FAVOR: de uma Política sobre Drogas, que avance em relação a descriminalização. Lugar de drogas é na saúde, e não na segurança pública.
Interromper o evidente refluxo da segurança dos direitos no país constitui imperativo ético indeclinável e o primeiro passo para a construção de alternativas democráticas no campo das políticas públicas, inclusive as de segurança e justiça.
[1] Doutorando em Políticas Públicas (UFRGS), Diretor de Inovação do Instituto Fidedigna e Coordenador do Núcleo de Segurança Cidadã da FADISMA.
[2] Este artigo é tributário da palestra proferida pelo autor no IV Debate Jurídico, promovido pelo Diretório Acadêmico Unejuris e pela Faculdade de Direito de Santa Maria (FADISMA), na cidade de Santa Maria, entre 26 e 28 de maio de 2015, com o tema: “Refluxos da Segurança dos Direitos no Brasil: drogas, armas e maioridade penal em debate”.
[3] PAZINATO, Eduardo. Do Direito à Segurança à Segurança dos Direitos. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2012.
[4] Já nos advertiam sobre isso: WARAT, Luis Alberto. Introdução Geral ao Direito. A Epistemologia Jurídica da Modernidade. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1995, como também: BARATTA, Alessandro. Criminologia Crítica e Crítica do Direito Penal: introdução à sociologia do direito penal. Rio de Janeiro: Editora Revan: 2002.
[5] Mais em: CENTRO DE ESTUDOS SOBRE SEGURANÇA E CIDADANIA DA UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES. Campanha “Da proibição nasce o tráfico, 2015”: http://daproibicaonasceotrafico.com.br. Acesso em 24/05/2015.
[6] Mais em: MAPA DA VIOLÊNCIA, 2015: file:///D:/Users/Pesquisadores/Downloads/MapaDaViolencia2015MortesMatadas-SobEMBARGO.pdf. Acesso em 24/05/2015