Coluna Democracia e Política
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Opinião
Estas são as minhas razões para não votar no candidato Nelson Marchezan Júnior a Prefeitura de Porto Alegre nas eleições 2016. É minha opinião, construída a partir da leitura do Programa do candidato disponível em seu site ( http://www.marchezanprefeito.com.br/propostas/) e que me parece perturbador. Ninguém é obrigado a concordar, mas sugiro a leitura.
Boa parte da crítica feita pelos candidatos entre sí nas campanhas eleitorais parte de concepções generalistas. Ainda que possam ter acerto nos fundamentos da critica feita, deixam de fora inúmeras informações que a simples leitura do programa de governo de um candidato permite fazer. É o que faço aqui: a interpretação do programa do candidato Nelson Marchezan Jr. a Prefeitura de Porto Alegre a partir da proposta de Patrick Charaudeau, especialista e fundador da Análise do Discurso.
O professor da Universidade Paris-Nord (Paris XIII) pesquisa interações entre indivíduos, seu contexto social e práticas midiáticas e políticas. Em suas obras Discurso Político e A Conquista da Opinião Pública, publicados pela Editora Contexto, o autor enumera o modo como os políticos usam o discurso para conquistar o eleitorado e como fazem para persuadir, seduzir e manipular o eleitor. Uma das imagens usadas por Charaudeau é de que a política é um jogo de dissimulação: quanto mais oculta, mais ela simula. Oculta porque nos impede de ver o que a máscara do candidato esconde da realidade em suas propostas. Simula porque deixa ver uma imagem que não é a realidade de suas crenças ou práticas. Minhas razões para não votar em Marchezan Jr. advém portanto da leitura que faço de seu programa de governo.
A pessoa oculta no personagem
No caso da interpretação que faço do programa de governo do candidato Nelson Marchezan Jr., trata-se de revelar a pessoa oculta no personagem “tal como no teatro grego”, diz Charaudeau. Com o inicio da campanha eleitoral vejo a emergência de uma imagem de aparência enganosa no conteúdo do discurso do candidato “ várias máscaras são possíveis, e, portanto, várias identidades são possíveis” diz Charaudeau (Discurso Político, doravante DP , prólogo). E continua: “Tudo acontece, pois, na relação que se constrói entre os políticos e a opinião dos cidadãos, por meio do discurso, visto que é pela palavra que se persuade, que se seduz”(A conquista da Opinião Pública, doravante COP, p. 10). No que um programa de governo diz, sempre há o que é dito e o que não é, e é este não-dito, entretanto, que mostra a verdade de um programa de governo.
O que deve conter um programa de governo
Para começo de conversa, o que deve conter um programa de governo? Na obra “Guia da Boa Administração do Prefeito”, editada pelo Conselho Federal de Administração (2002), os autores apontam que um Programa de Governo de um candidato à Prefeito deve ser capaz de revelar os sentidos de sua administração e principalmente, as metas de seu projeto:
“administrar no sentido de novas metas que serão devidamente cobradas pelos cidadãos, entre elas: propor meios de garantir e incentivar a participação da sociedade na gestão municipal; apontar rumos para o desenvolvimento economicamente viável, socialmente justo e ecologicamente equilibrado; criar soluções para a melhoria da qualidade da gestão pública, tornando-a mais apta a utilizar os recursos e a prestar melhores serviços à população; apresentar diretrizes e instrumentos para que os investimentos em saneamento, transporte coletivo, saúde, educação, equipamentos urbanos, sejam adequadamente distribuídos e beneficiem toda a população; propor ações direcionadas à proteção do meio ambiente – mananciais, áreas verdes e zelar – pelo patrimônio histórico municipal.”
O estudo aponta que qualquer Programa de Governo deve ter uma visão estratégica que defina sua missão, visão, valores e objetivos de um candidato à prefeito. A missão dá finalidade à existência, seus objetivos e sua razão de ser; a visão é seu objetivo na prefeitura, seu plano, o que pretende realizar em quatro anos; os valores representam os princípios éticos que sustenta sua administração e os objetivos são as metas que se pretende alcançar . Diz a obra que “ Os objetivos devem ser qualificados e quantificados para que os resultados possam ser aferidos” .
O programa de governo de Marchezan
O texto do Programa de Governo de Marchezan contém 9 páginas.Vejamos em primeiro lugar as caracteristicas gerais. A primeira característica que emerge é a indistinção entre missão, visão, valores e objetivos do candidato. A ausência de hierarquia entre princípios de governo e metas, alinhados sequencialmente sem uma apresentação devida ao leitor na primeira parte do programa de governo, intitulado “ A construção de um novo tempo para Porto Alegre” é clara: composto por dois parágrafos, neles o candidato apresenta o contexto de sua proposta misturando a ideia de missão e visão. A razão é que seu discurso está baseado naquilo que Charaudeau denomina de ethos de identificação, ou seja, é o resultado de uma alquimia complexa de declarações verbais ” relacionado às expectativas vagas do cidadão”(DP,p.137).
O programa de Marchezan estimula a expectativa do cidadão, seu desejo de uma “Porto Alegre que precisa se reinventar”. Ciente da rejeição da politica pelos cidadãos, o candidato se apresenta como aquele capaz de “deixar de lado interesses políticos, ideologias, e realizar um governo em que o que realmente importa são as pessoas”, proposta que apela a um processo de identificação irracional “em que o cidadão seja protagonista da construção de sua cidade”. Porque julgo irracional esta estratégia? Porque ele é incapaz de definir o que significa o cidadão ser protagonista, ele apenas apela ao desejo de participação mas o que significa isso? Que o cidadão é responsável pelo recolhimento geral do lixo? Que irá garantir sua própria água? O que á de irracional neste apelo à participação cidadã é que ela não é definida, é intuída, ela extrai sua força do afeto social do cidadão com sua cidade.
Discurso heterogêneo e vago
Contrariando a boa regra da elaboração de proposições para a administração pública, Marchezan usa de estratégias discursivas que tem como objetivo tocar o maior número de indivíduos. Como busca atingir um grande número, é natural que seu discurso seja heterogêneo e vago do ponto de vista dos imaginários que pretende atingir “os políticos , conscientes disso, jogam com valores opostos, até mesmos contraditórios: daí que a Porto Alegre que Marchezan deseja é ao mesmo tempo tradicional e moderna, quer um modelo de gestão cidadã, mas também defende valores baseados em resultados, típicos do produtivismo neoliberal que alimenta seu discurso por trás das belas palavras.
Quer convencer o eleitor, portanto, que é normal na construção de um programa de governo a atitude de “registrar o início de um novo modelo de diálogo com a sociedade, apresentando diretrizes, valores, conceitos e ideias que irão subsidiar um programa orgânico, em permanente construção”, quer dizer, transforma o ato de ter um programa de governo em algo etéreo, vago, quando deveria apresentar diretrizes e metas definidas, deseja estimular a participação de “todos os cidadãos” mas dentro das regras e limites de participação impostos pelo candidato: não é a toa que na campanha de Marchezan ele aparece questionando se o cidadão quer mais segurança, com um sonoro “SIM “ ou “NÃO”.
Administração pública como produto de um sujeito individual
Marchezan também transforma certas imagens que poderiam ser julgadas negativas em positivas, como quando afirma que é o candidato “pavio curto”. Como assim? um administrador pode ser “pavio curto”, isto é, ser guiado pela emoção das circunstâncias, movido pelo ódio, e considerar esse temperamento positivo à administração? É claro que Marchezan quer associar, nesta imagem em particular, sua figura a um ethos de potência, isto é, como dotado de uma energia física e pessoal que emerge de suas entranhas e que poderia ser capaz de impulsionar a administração pública. Esquece que a administração pública não é produto de um sujeito individual, mas de processos coletivos e instituições e que cabe ao prefeito o papel de dirigir uma ação coordenada para organizar a vida coletiva. Finaliza Charaudeau citando Hannah Arendt “O poder jamais é um atributo individual: ele pertence a um grupo e continua a pertence-lhe durante todo o tempo em que este grupo não for dividido” (DP, 138).
Valorização de um ethos de inteligência
Outro elemento da justificativa é a valorização de um ethos de inteligência na medida em que provoca a admiração e o respeito dos indivíduos pela capacidade do uso de novas tecnologias. No meio social tecnologicamente conectado como o nosso, a facilidade de manipulação da tecnologia é visto como valor. Daí o candidato, mas não somente ele, Mauricio Dziedrick e Sebastião Melo também, utilizar desta estratégia e nos fazer crer no poder da internet e das redes sociais como construtores de politicas públicas “Queremos reunir as melhores ideias de Porto Alegre e do mundo”.
Como já foi criticado por estudiosos sobre das políticas adotadas pelo governo federal que se dispunham a colher sugestões “de todo o pais” que concluiram que nenhum governo é capaz de ler, analisar, sintetizar e dar retorno às sugestões de milhares ou milhões de pessoas, Marchezan se julga capaz de reunir, analisar e incorporar ou não as sugestões de uma cidade que tem 1.500.000 de habitantes. Analisará o candidato um milhão de sugestões? É que essa figura recente do capital político, a tecnologia, só pode ser utilizada quando acompanhada da definição do método de trabalho de tais sugestões, dos prazos e equipes destinadas a analisá-las, sobre o qual o candidato silencia. Finalmente, sua apresentação revela um o desejo de um ethos de humanidade, isto é, seu apelo a construção de “um programa baseado em ampla participação popular”, isto é, o candidato quer mostrar-se capaz de se aproximar do cidadão, como o próprio afirma ”Só as pessoas têm o poder de mudar a política!” Mas se for exatamente assim, qual é o papel do governo?
Ambiguidade na concepção de gestão pública
Outros elementos discursivos estão presentes no projeto de governo de Marchezan e que são essenciais a sua visão de mundo. Eles revelam a ambiguidade de sua concepção de gestão pública que oscila entre uma politica de “resultados” e uma política voltada para “pessoas”. Essas concepções são antagônicas entre si, isto é, a ideia de uma gestão focada nos resultados é distinta e contraditória de uma gestão que se pretende ” humanizada”. Como se sabe, dentre as criticas à teoria da nova gestão pública é o fato de ela ter se tornado o modelo hegemônico a partir do governo de Fernando Henrique Cardoso em nosso pais. Isto é, a escola do pensamento único neoliberal, que prega estado mínimo e desdenha tudo o que venha do Estado, é um modelo de gestão empresarial inconciliável com um modelo de gestão societal.
Visão ocultada e preocupante
Marchezan não nega sua formação: advogado, formado pela Unisinos (São Leopoldo-RS), é pós-graduado em Gestão Empresarial pela Fundação Getúlio Vargas (FGV) e é esta formação empresarial da qual o candidato se orgulha é que deveria preocupar o cidadão porto-alegrense pela visão das relações sociedade/estado que oculta. Como se sabe, a FGV é o berço das elites empresariais, as mesmas que dão pouca ou nenhum valor a direitos sociais, a investimentos públicos na questão social, etc. etc. A razão que a FGV está entre os promotores do new public management, teoria que tem seus conceitos forjados no neoliberalismo que chegou no país na década de 90. Diz Ana Paula Paes de Paula na obra “Por uma nova gestão pública”, um dos raros livros publicados pela FGV a apresentar o conflito destas concepções onde “ a busca da eficiência da nova administração pública, do ”reinventando o governo”, passou a ser referenciada por teorias e técnicas organizacionais oriundas do ambiente empresarial”(p.12). Nesse universo, finaliza a autora, “a cidadania deixa de ser o conjunto da população pela qual o Estado Republicano deve zelar pelo bem estar, para ser vista como um cliente, uma meta, um resultado a ser alcançado”.
Para a autora, a visão neoliberal de administração do estado é uma visão distinta da visão societal e não é a toa que a autora considera que tais politicas foram implantadas limitadamente em administrações municipais. Enquanto propostas societais partem de baixo para cima, a autora enfatiza, as propostas de resultados são construídas “de cima para baixo”. Esse é o problema da gestão proposta por Marchezan: ela oculta a sua proposta de organizar a Prefeitura como uma grande empresa, isto é, ter o rendimento como fim, a burocracia como meio e as leis do mercado como condição, exatamente o mesmo processo que, como Marilena Chaui em sua obra Escritos sobre Universidade, e que levou a bancarrota as universidades públicas federais. Marchezan quer trazer esse modelo para a Prefeitura de Porto Alegre. O que Marchezan não revela: que a visão societal e a visão empresarial que defende são inconciliáveis.
Modelo Frankestein de administração pública
Por esta razão, seus conceitos de governança e gestão são o equivalente a um modelo Frankenstein de administração pública.No romance da escritora Mary Shelley, o doutor Victor Frankenstein é o estudioso de alquimia e ciências naturais dedicado a descobrir os mistérios da geração da vida, criando um ser humano gigantesco, a partir de partes humanas. A criatura, no entanto, foge ao controle do seu criador e essa é a metáfora que serve para entender exatamente como funciona a proposta de governo de Marchezan para a cidade: da mesma forma que o cientista, Marchezan busca criar vida na cidade, mas seu projeto é monstruoso porque recolhe pedaços de concepções de organização social distintas e contraditórias entre sí .E como o monstro e sua criação tem relações conflituosas, esta é a realidade dos programas do PMDB/PSDB, eles também tem uma relação conflituosa com a sociedade, e os seus fantasmas voltam a perseguir seus criadores, como nas manifestações de rua contra os governos Michel Temer e José Ivo Sartori. É o que aguarda Marchezan se eleito.
Construídos a partir de conceitos e significados extraídos de modelos contraditórios entre sí com o único objetivo de “agradar” a diferentes públicos, os objetivos do plano de governo de Marchezan podem ser reunidos em dois grupos. Os primeiros são extraídos de uma visão societal de governo com o objetivo claro de atrair as parcelas sociais beneficiadas por politicas públicas de inclusão, que oneram o poder público e que são feitas por governos de esquerda com amplo alcance social e os extraídos de uma visão empresarial de administração que incorporam todos os mecanismos necessários para o exercício de cima para baixo do controle. Eles são apresentados ao leitor do programa como elementos coesos quando correspondem a conceitos integrantes de visões antagônicas, por isso afirmo que seu programa de governo é um programa Frankenstein.
Apropriação indevida de conceitos
A primeira apropriação indevida é o conceito de inclusão social. É uma inclusão social sem promotores e objetivos específicos por órgãos “É dever da Prefeitura proteger todas as pessoas em situação de vulnerabilidade e promover a inclusão social através do trabalho e emprego”. Marchezan não explica como uma administração carente de recursos irá promover a inclusão de todas as pessoas vulnerais, e é esta generalização que oculta que não há metas claras e precisas. O que é sua proposta se não sugerir a atuação junto a população de rua , mas como fazer isso sem referir-se a situação caótica dos abrigos públicos e a politica desenvolvida pela FASC? Marchezan deseja “dar respeito e carinho aos animais” mas não fala do investimento de recursos na Secretaria dos Animais, alvo de criticas dos defensores dos direitos humanos; defende a proteção “ao ambiente” sem referir-se a ampliação de recursos da SMAM ou da SMC, já que fala em “tratar a cultura como fator de inclusão e pertencimento comunitário”. O que é notável no discurso do candidato Marchezan é a dissociação da política pela própria politica, a anulação da política pela construção de um programa etéreo de governo baseado em intenções e não delimitação de objetivos. O discurso é progressista, mas é vazio de metas.
A segunda apropriação indevida é que seu discurso quer-se colocar como fala da sociedade, Marchezan quer ser autor de um “grande pacto com a comunidade”, mas um pacto “diferente” porque exclui as “ideologias partidárias”. Somos aqui obrigados a nomear: nas palavras do filósofo esloveno Slavoj Zizek, este é o típico argumento do pensamento de direita, o fato de que oculta seu nome. Para Zizek, vivemos hoje mais do nunca tempos de posição politica, de oposição entre direita, defensores do liberalismo e esquerda, defensores do social. Para conquistar a eleição, a estratégia de Marquezan é negar a ideologia partidária que o alimenta,a ideologia de direita que defende o investimento mínimo do estado, a transferência do modo de administrar a iniciativa privada para o público com o objetivo de “iniciar um novo tempo para nossa cidade… longe de ideologias” Ora, a questão é justamente essa, a de que a tomada de “decisões melhores” que fará para a cidade é uma decisão …liberal, e esta, é uma ideologia como qualquer outra!
A terceira apropriação indevida é o conceito de participação. Marchezan apropria-se do imaginário da tradição da capital que construiu o Orçamento Participativo como um mecanismo democrático, forma do seu governo estimular “a participar das decisões públicas, ser ouvido, e ter a sua opinião respeitada pela administração pública.”. Mas não é exatamente assim que ocorre, não é? Desde o governo José Fogaça, os estudiosos do Orçamento Participativo apontam que o projeto perdeu suas características originais, definindo-se hoje como espaço manipulado pelo Poder Executivo que decide por recursos cada vez menores. Quer dizer, há muito tempo o OP não é mais o que era, culpa da politica de redução de investimentos no campo social, posta em prática pelos governos neoliberais do PMDB e seus aliados, entre eles o PSDB, partido cujo símbolos pouco emergem no programa do candidato.
A quarta apropriação indevida, decorrente das anteriores, é o conceito de Colaboração. Marchezan propõe transferência de obrigações entre o Município e os cidadãos, que “também gera deveres ao cidadão”. Na proposta societal, o cidadão é convidado a participar porque existem estruturas que garantem a participação efetiva: mas como pode o cidadão participar do Orçamento Participativo quando o seu funcionamento está afetado pela administração e manipulado pelos órgãos da administração pública que terminam por indicar os representantes no conselho? A essa apropriação indevida segue-se outra: a valorização dos servidores públicos. Marchezan sabe que os servidores são eleitores, que a administração depende de sua colaboração, que seu programa visa valorizar. Mas…não é exatamente isso que pensa Marchezan, é?
O Jornal SUL21, na edição de 9 de agosto de 2016, registrou que em reunião da Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJ) da Câmara dos Deputados que discutia a admissibilidade da Proposta de Emenda à Constituição que estabelece limites para gastos públicos federais por 20 anos (PEC 241/16), “ o deputado federal Nelson Marchezan Jr, candidato do PSDB à Prefeitura de Porto Alegre, se voltou contra servidores públicos que protestavam no local e os chamou de vagabundos”. Marchezan estava contrariado pelas manifestações dos servidores que exigiam a retirada da PEC, chamando-os de “desocupados” e “vagabundos” e, segundo o Jornal “ pediu que o presidente da comissão, Osmar Serraglio (PMDB-PR), evacuasse o local” Disse ainda, segundo o Jornal, que “as galerias e o plenário não são concorrência de desocupados. (…) Quem é mais vagabundo e trabalha menos consegue trazer mais gente. Só tem vagabundo aqui”, afirmou. Nesse sentido, seu Plano de Governo oculta uma mentira: ele quer dar ao leitor um texto que o faça crer que valorizar o servidor é aquilo que ele pensa, quando de fato não o é. É por isso que a fala no Congresso voltou-se contra Marchezan nas redes sociais, tendo vindo o candidato a desculpar-se, etc.
Os princípios de sua verdadeira visão
De fato, os princípios que fazem parte de sua verdadeira visão e que são explicitamente enunciados e que, portanto, não fazem parte do receituário societal mas do receituário neoliberal são os seguintes:
O primeiro é o de transparência. Para Machezan, é o definidor da democracia pois ninguém resiste ao argumento de que “Todos terão acesso a qualquer dado ou informação pública”. Mas os processos de transparência são baseados numa ilusão: a da possibilidade de transparência absoluta. Infelizmente, não se trata de que todos os processos devam ser de conhecimento do cidadão, ainda que desejável; se trata de que, com a imensa carga de informações a sua disposição, o cidadão tem roubada de si a possibilidade de decisão, simplesmente pela perda da visão geral do processo da construção de políticas publicas, substituídas pela atomização da informação em escala planetária. Seu argumento é que assim, “a sociedade terá meios para fiscalizar a prefeitura, e cobrar pela melhoria dos serviços. Planejamento: de curto, médio, e longo prazo. Pensar a cidade pra frente.” Esse é o tipo de concepção que esquece que a delegação de responsabilidades também é uma característica do Estado, de que o cidadão outorga ao Estado, em quem confia, o papel de gerir a administração.
Ao propor a transparência absoluta, ele revela que o cidadão não é capaz de confiar em seu estado, e portanto, em quem o administra! E de fato, na burocracia do serviço público, chefias tem o papel de fiscalizar inúmeros pontos que não são obrigação do cidadão, como o ponto eletrônico, as ausências e presenças de todos os servidores, que na prefeitura passam de 15 mil. Se o cidadão for fiscalizar um por um, como definirá os rumos da administração?. A resposta: quem definirá é Marchezan. Isso é que fica oculto sob o disfarce de um discurso de que tem “consciência de que nossa administração é passageira”, de que é “ necessário preparar a cidade para o futuro sem deixar de cuidar dela no presente”, etc.
O segundo é a defesa do principio de eficiência “realizar mais com menos”. Marchezan é bastante preciso, trata-se de “realizar obras com rapidez e baixo custo”. Esse é o tipo de equivalente mercantil que está por trás da compra de merenda inservível para crianças, na construção de obras do projeto Minha Casa Minha Vida que desmoronam. A questão é oculta por Marchezan é que a defesa do baixo custo tem como consequência a piora da qualidade. É nesse momento que Marquezan revela o industrial maquiavélico que está por detrás de sua fisionomia agressiva: no universo que pretende o candidato, a Prefeitura é apenas um orçamento a gerir, sistema de créditos e débitos a monitorar e formas de controle a executar.
Por isto sua ênfase oculta é nas formas de exercer poder, em “Monitorar a qualidade da prestação de serviços públicos. Estabelecer metas de desempenho” , e por esta razão se torna evidente que o objetivo de “Buscar a qualidade constantemente” é inconcebível numa visão de mundo que quer “realizar mais com menos”, simplesmente porque existem dimensões da vida administrativa que não admitem corte algum de recursos. Essa concepção de eficiência vê o cidadão como consumidor e não como sujeito de direitos, pois quer, ao final “avaliar a satisfação da população com os resultados oferecidos pela prefeitura”. Prefeitura como empresa, diga-se.
A segunda característica é tomar o respeito ao dinheiro público como argumento dissuasório com o objetivo de privatização e terceirização. É claro que o dinheiro público deve ser respeitado, etc, etc, mas redução de investimentos não é sinônimo de respeito. Esse argumento só serve para justificar a terceirização: é respeito com o dinheiro do cidadão economizar pagando salários aviltantes a trabalhadores sem qualquer garantia social ou é um flagrante desrespeito ético travestido de respeito ao dinheiro do cidadão?. Há obrigações sociais que a sociedade precisa saber que tem um preço que precisa ser pago, serviços públicos de qualidade e não exploração do trabalhador, redução de políticas públicas, que os pressupostos do programa do candidato revelam, e que significam a invasão do espírito da grande empresa na administração pública municipal. (continua)