Luciane Toss[1]
Mas a qual paridade nos referimos?
A pergunta procede porque há projetos tramitando no Conselho Federal da OAB (e aqui vou me referir aos dois que ganharam publicidade nestes últimos dias): um requerendo paridade de gênero (projeto Valentina), o outro requerendo cotas raciais de 30% ( projeto André).
Mais uma vez um projeto de paridade de gênero entra na pauta do CFOAB sem a paridade racial. Mais uma vez a questão racial está sendo cotizada. Mais uma vez o CFOAB, ao que tudo indica, vai querer negociar os percentuais de gênero.
Fico me perguntando de que democracia e de que direitos humanos estão falando esses homens brancos do CFOAB nas suas lives e aparições virtuais. Fico pensando como é que esses mesmos homens brancos, que tem poder de transformar a sociedade em um lugar mais equivalente, constroem um discurso de que não é possível garantir paridade de gênero, de raça e de etnia nos cargos da OAB pelo Brasil afora.
A cadeira, o título, a menção de honra, a medalha, o cargo. Sim, adotar a paridade postulada significa abrir mão do privilégio. Significa que não serei mais eu, homem branco, advogado de sucesso, a assinar pela Ordem dos Advogados do Brasil. Significa que no lugar da representação da hétero normatividade branca, teremos mulheres, pessoas negras e pessoas indígenas.
Na sociedade hierárquica, os cargos importam mais do que os direitos. O status de ser presidente, conselheiro, da comissão, estar no painel do seminário corrobora a caminhada pessoal que culmina no “cheguei aqui”.
Não se pauta, nem se questiona que esse sucesso é fruto da meritocracia e da branquitude. Quando chamados a justificar porque o evento jurídico só tem homens brancos (ou as mulheres e as pessoas negras são apenas totens dando ar de pluralidade) a resposta varia do: “não sou eu que estou organizando o evento” ou “pois é, não tinha me dado conta disso”.
Por óbvio eu sou a favor da paridade de gênero, mas falta algo no projeto Valentina, não é? Faltam pessoas importantes aí. Faltam juristas negros e negras. Não encontrei sequer menção à juristas indígenas.
Veja, não pensem que eu não sou uma pessoa que acredita na negociação. Fui advogada sindical por 30 anos.
Mas não consigo mais negociar critérios de igualdade. Não consigo mais comemorar cotas de 30%. Não consigo mais admitir que as mesmas pessoas que estufam peitos para falar de igualdade, de democracia e de direitos humanos são incapazes de abrir mão de seus privilégios em nome da sociedade que eles mesmos se comprometeram a construir em bases mais inclusivas. Não consigo mais fazer de conta que as mesas das entidades, dos eventos, das comissões, das escolas, das caixas de assistência me representam, representam a advocacia jovem, representam a advocacia negra.
A conjuntura do país conclama a uma mudança estrutural importante. No momento em que representantes do Brasil na Comissão de Direitos Humanos silenciam em relação a proteção das mulheres e meninas, quando o Brasil é denunciado internacionalmente pelo genocídio de pessoas negras, o CFOAB tem que dar espaço e poder para essas identidades.
Portanto, está mais do que na hora do CFOAB adotar a paridade de gênero, raça e etnia para sua composição e para composição das seccionais.
[1] Advogada Trabalhista e Consultora em Gênero e Direitos Humanos, Professora e Mestre em Ciências Sociais Aplicadas.