Qual a realidade de um presídio brasileiro?

Conforme o Anuário Brasileiro de Segurança Pública, publicado em 2024, o Brasil possui cerca de 900 mil presos atualmente. Estas pessoas estão privadas de liberdade em delegacias ou nos Sistemas Prisionais, na esfera Estadual e na esfera Federal. Destes, 44,5% estão presos provisoriamente, ou seja, ainda aguardando por julgamento, existindo a possibilidade de não serem condenados.

Ao mesmo tempo, vemos que os presídios brasileiros não possuem estruturas e nem vagas suficientes para os detentos. Segundo dados do Ministério da Justiça e da Secretaria Nacional de Políticas Penais (SENAPPEN), há um aumento de 143,3% do déficit de vagas nas penitenciárias entre os anos de 2000 e 2022. Por outro lado, se analisarmos a população carcerária entre 2000 e 2023, as pesquisas demonstram um crescimento de 383,5%. 

Diante de dados tão alarmantes, salta aos olhos o fato de que o Brasil vive a superlotação prisional e o encarceramento em massa. Estes termos abarcam fenômenos históricos que se sedimentaram em nossa sociedade ao longo de quase dois séculos, formando um cenário que viola reiteradamente direitos humanos e garantias fundamentais dos brasileiros, estejam presos ou não.

A Lei de Execução Penal, em seu artigo 88, determina que todo cidadão que for condenado ao regime fechado deve ter acesso a uma cela individual com dormitório, sanitário e lavatório. Além disso, estabelece que o alojamento deve ter iluminação e ventilação adequadas, com área mínima de 36m². No entanto, na prática, os detentos habitam e coexistem em cubículos depredados, insalubres, que escancaram o horror do punitivismo em todo o território nacional e o descaso das autoridades com a população carcerária.

Em um estudo divulgado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), aponta-se que cerca de 62% das mortes dentro de presídios são causadas por doenças como insuficiência cardíaca, pneumonia e tuberculose, doenças que, quando devidamente tratadas, são curáveis. Contudo, dentro das grades, recursos como higiene básica e atendimento médico são inacessíveis. Ademais, em sua maioria, as celas possuem entre 30 a 60 presos, segundo estimativa feita sobre os dados acima, o que propicia a propagação de doenças. Sendo assim, nos nossos presídios, “morre-se muito, sabe-se pouco, registra-se quase nada, praticamente não se responsabiliza, tampouco se repara”.

É evidente, então, que o artigo 5º, inciso XLIX, da nossa Constituição Federal, que afirma que é assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral, não é uma realidade nos presídios brasileiros. 

O tema é tão urgente que chegou ao Supremo Tribunal Federal (STF), por meio da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) n. 347. Ao julgar este instrumento jurídico, o tribunal reconheceu, em votação unânime, que há uma violação massiva de direitos fundamentais em nosso sistema prisional. Além disso, atestou a necessidade de uma atuação colaborativa e multidisciplinar das autoridades e da sociedade para que se encontre uma solução.

Portanto, respondendo à pergunta-título, vemos que o cárcere, da forma que ocorre atualmente, se configura como uma prova material, diária e constante, da inconstitucionalidade do Sistema Punitivo Brasileiro. O órgão máximo do Poder Judiciário aponta para a indispensabilidade da cooperação entre nós, indivíduos, e da atuação de políticas públicas que se atentem à dignidade dos presos. Porém, qual caminho exatamente devemos seguir? Como chegamos a esse cenário? Quais são as pessoas que estão encarceradas no Brasil atualmente? Como as prisões têm sido executadas? 

Para responder aos questionamentos acima, precisamos nos debruçar sobre a complexidade do punitivismo no Brasil, bem como suas raízes históricas, sociais e políticas. Te convido a esta reflexão por meio dessa série de textos, que se inicia com a leitura que acabou de fazer.

 

FONTES:

 

FÓRUM BRASILEIRO DE SEGURANÇA PÚBLICA. 18º Anuário Brasileiro de Segurança Pública. São Paulo: Fórum Brasileiro de Segurança Pública, 2024. Disponível em: https://publicacoes.forumseguranca.org.br/handle/123456789/253.

 

SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Informação à Sociedade. ADPF 347: Violação massiva de direitos fundamentais no sistema carcerário brasileiro, Brasília: Supremo Tribunal Federal, 2023. Disponível em: https://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/1ADPF347InformaosociedadeV2_6out23_17h55.pdf

 

CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Justiça Pesquisa: 5ª ed. Letalidade Prisional: Uma Questão de Justiça e de Saúde Pública. Brasília: Conselho Nacional de Justiça, 2023. Disponível em: https://www.cnj.jus.br/wp-content/uploads/2023/05/sumario-executivo-letalidade-prisional-12-05-23-v2.pdf.

 

SECRETARIA NACIONAL DE POLÍTICAS PENAIS. Relatório de Informações Penais – RELIPEN, 1º semestre de 2023. Brasília: Secretaria Nacional de Políticas Penais, 2023. Disponível em: https://www.gov.br/senappen/pt-br/servicos/sisdepen/relatorios/relipen/relipen-1-semestre-de-2023.pdf.

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Letícia Santana Pereira

Sou uma advogada dinâmica, tendo atuado no Direito Civil, Direito do Consumidor e Direito Penal há 3 anos. Possuo pós-graduação em Direito Penal e Criminologia Crítica na PUC-RS, me aprofundando no tema da Necropolítica e a Democracia Neoliberal. Lutar pela igualdade racial é um caminho que me inspira, em 2019 mergulhei nos teóricos sobre raça e gênero e me reconheci como mulher negra em sociedade através dos meus estudos sobre encarceramento em massa de mulheres negras e nossa Política Criminal de Drogas, por ocasião do TCC da graduação em Direito no UniCEUB. Advogo em escritório e como autônoma também, além de desempenhar meu ofício junto à ONG Black Sisters in Law, em favor de entregadores da plataforma Ifood. O tema de racismo e polícias públicas é algo que me conduz em minha trajetória.

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