A prisão temporária segundo Sérgio Moro

Coluna Processo Penal em Foco

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Superior Tribunal de Justiça| Fonte: wikimedia commons

Decisão

Foi publicada no Diário da Justiça Eletrônico do Superior Tribunal de Justiça, no dia 16 de agosto de 2016, uma decisão do Ministro Felix Fischer, segundo a qual o Juiz Sergio Moro, da 13ª. Vara Federal de Curitiba, decretou de ofício a prisão temporária de uma indiciada na chamada “Operação Lava-Jato”, em fevereiro deste ano.

Segundo a decisão, não houve qualquer postulação do Ministério Público em relação à decretação da prisão provisória, “de maneira que o magistrado singular atuou de ofício, quando não lhe era dado assim proceder, cumprindo dizer que tal direcionamento legislativo, sobre ser vedada a decretação de prisão temporária ex officio, deriva justamente da conformação dada pela legislação processual brasileira ao sistema acusatório, em ordem a que, quando se trata ainda da fase investigatória, observe o juiz uma certa contenção”. (Habeas Corpus nº. 360.896).

Segundo consta da decisão, o Juiz Sergio Moro decretou a prisão temporária por ser a “mais apropriada” e “menos drástica”, pois a prisão temporária viabilizaria “o melhor exame dos pressupostos e fundamentos da preventiva após a colheita do material probatório na busca e apreensão”.

Mais um erro (?) grosseiro do Juiz Moro. Já são inúmeros!

O juiz federal Sergio Moro participa na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) do Senado de audiência pública sobre projeto que altera o Código de Processo Penal (Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil)

Créditos: Fábio Rodrigues Pozzebom/ Agência Brasil

Prisão temporária

A Lei nº. 7.960/89, que trata da prisão temporária, é de uma clareza absurda ao impor que a prisão temporária só pode ser decretada em face da representação da autoridade policial ou de requerimento do Ministério Público. Aliás, no primeiro caso, o Juiz, antes de decidir, obrigatoriamente deve colher o parecer do Ministério Público. Neste sentido, confira-se o art. 2º. da referida lei.

Aliás, creio que se fosse dada a oportunidade de mil acadêmicos de Direito interpretar tal dispositivo (qualquer que fosse o método hermenêutico utilizado), um o faria no sentido de que é possível a decretação da prisão temporária de ofício, isto é, sem que tenha havido um pedido expresso, seja do Ministério Público, seja do Delegado de Polícia. Sim, afinal de contas, dentre todos, sempre haverá um estúpido!

Observa-se, ademais, que a Lei nº. 12.403/1 alterou o Título IX do Livro I do Código de Processo Penal, dando nova redação ao art. 282 do Código de Processo Penal, estabelecendo que as medidas cautelares previstas em todo o Título IX deverão ser aplicadas observando-se um dos seguintes requisitos: a necessidade para aplicação da lei penal, para a investigação ou a instrução criminal e, nos casos expressamente previstos, para evitar a prática de infrações penais (periculum libertatis).

Além destes requisitos, a lei estabelece critérios que deverão orientar o Juiz no momento da escolha e da intensidade da medida cautelar, a saber: a gravidade do crime, as circunstâncias do fato e as condições pessoais do indiciado ou acusado (fumus commissi delicti). Evidentemente, merecem críticas tais critérios, pois muito mais condizentes com as circunstâncias judiciais a serem aferidas em momento posterior quando da aplicação da pena, além de se tratar de típica opção pelo odioso Direito Penal do Autor.

Procurou-se, portanto, estabelecer neste Título os requisitos e os critérios justificadores para as medidas cautelares no âmbito processual penal, inclusive no que diz respeito às prisões provisórias, incluindo-se a prisão temporária, “pois são regras abrangentes, garantidoras da sistematicidade de todo o ordenamento.”[1] Ora, a prisão temporária encontra-se prevista neste Título IX do Código de Processo Penal (art. 283). Assim, quaisquer das medidas cautelares estabelecidas naquele Título (repetimos: inclusive a a prisão temporária) só se justificarão quando presentes o fumus commissi delicti e o periculum libertatis (ou o periculum in mora, conforme o caso) e só deverão ser mantidas enquanto persistir a sua necessidade, ou seja, a medida cautelar, tanto para a sua decretação quanto para a sua mantença, obedecerá à cláusula rebus sic stantibus.

Supremo Tribunal Federal | Fonte: wikimedia commons

Supremo Tribunal Federal | Fonte: wikimedia commons

A propósito, tramita no Supremo Tribunal Federal a Ação Direta de Inconstitucionalidade nº. 4980 contra a Medida Provisória 497/2010, convertida na Lei 12.350/2010. O autor da ação, o Procurador-Geral da República, afirma na inicial que, ainda que em caráter de excepcionalidade, o STF admite o controle de constitucionalidade dos requisitos para a edição de uma medida provisória – relevância e urgência. E “a conversão [da MP em lei] não tem o condão de convalidar a norma originalmente viciada”, sustenta. Reporta-se, neste contexto, a decisões da Suprema Corte no julgamento das ADIs 3330 e 3090, relatadas, respectivamente, pelos ministro Ayres Britto (aposentado) e Gilmar Mendes.

A lei derivada da MP 497/2010 inseriu em seu texto uma alteração no artigo 83 da Lei 9.430/1996. Tal artigo disciplina o envio da representação fiscal para fins penais ao Ministério Público, fixando a necessidade de prévio esgotamento das instâncias administrativas. A MP – e a Lei 12.350/2010, que resultou da sua conversão –, incluiu no artigo os crimes contra a Previdência Social, previstos nos artigos 168-A e 337-A do Código Penal. A PGR alega inconstitucionalidade no que se refere aos crimes de natureza formal, especialmente o de apropriação indébita previdenciária (artigo 168-A do CP), por ofensa aos artigos 3º; 150, inciso II; 194, caput e inciso V, e 195 da Constituição Federal, bem como ao princípio da proporcionalidade, sob a perspectiva da proteção deficiente. Observa que a MP 497 “violou a limitação à edição de medida provisórias, contemplada no artigo 62, parágrafo 1º, inciso I, letra “b”, da CF, ao tratar de matéria penal e processual penal, vedada por tal dispositivo.

A PGR lembra que a alteração do artigo 83 da Lei 9.430/1996 originou-se, segundo a exposição de motivos que acompanhou a MP, da necessidade de ajustar a legislação previdenciária ao tratamento normativo conferido aos demais tributos. Serviria para corrigir uma omissão surgida por ocasião da criação da Secretaria da Receita Federal do Brasil ou Super-Receita, em 2007, no sentido de uniformizar o procedimento adotado para os crimes previdenciários com aquele adotado para os crimes tributários. No entanto, segundo a Procuradoria, de 2007 a 2010 passaram-se três anos, o que não sustenta o argumento da inexistência de tempo hábil, a título de urgência, para regulamentar a matéria por lei ordinária.

“Em verdade, aproveitou-se a edição da medida provisória que versa sobre questão verdadeiramente urgente e relevante – a realização da Copa do Mundo e da Copa das Confederações, no Brasil – para inserir dispositivo absolutamente estranho à matéria”, afirma a autora.

Ministro Celso de Mello | Créditos: Nelson Jr./SCO/STF

Ministro Celso de Mello | Créditos: Nelson Jr./SCO/STF

Presentes os pressupostos – fumaça do bom direito e perigo na demora de uma decisão –, a PGR pede a concessão de liminar para suspender a eficácia do artigo 83 da Lei 9.430/1996, com a alteração promovida pela Lei 12.350/2010, no que se refere aos crimes formais, especialmente o de apropriação indébita previdenciária. No mérito, pede a declaração de inconstitucionalidade do dispositivo. Subsidiariamente, requer seja dada interpretação conforme a Constituição ao texto impugnado para declarar que os delitos formais, sobretudo o de apropriação indébita previdenciária, consumam-se independentemente do exaurimento da esfera administrativa. O relator da ação, Ministro Celso de Mello, adotou ao caso o rito abreviado previsto no artigo 12 da Lei 9.868/1999 (Lei das ADIs). Desse modo, o processo será apreciado pelo Plenário do STF diretamente no mérito, sem prévia análise do pedido de liminar. O Ministro determinou também que a Presidência da República, a Câmara dos Deputados e o Senado Federal prestem informações sobre a norma questionada, no prazo de dez dias.

 

Ação Direta de Inconstitucionalidade

Também se encontra em trâmite no Supremo Tribunal Federal uma Ação Direta de Inconstitucionalidade nº. 4109, ajuizada pelo Partido Trabalhista Brasileiro. Nesta, afirma-se na petição inicial que “a prisão temporária, conhecida como prisão para averiguações, foi rejeitada pelo governo dos militares, por haver sido considerada flagrantemente antidemocrática.” Para a legenda, a redação imprecisa da lei questionada provoca infindáveis controvérsias nos meios jurídicos. Segundo o autor, a prisão temporária, além de agredir a garantia do devido processo legal, ultrapassa a razoabilidade dos objetivos que busca. Outra inconstitucionalidade flagrante da prisão temporária seria o desrespeito ao artigo 5º., LVII, da Constituição Federal.

Além do mais, o partido trabalhista entende que o instituto da prisão temporária já se demonstrou ineficaz em auxiliar a segurança pública. Em vigor desde 1989, não apresentou resultados no que se refere à diminuição da criminalidade. “Ao contrário, nesses últimos 19 anos, as estatísticas criminais têm registrado, sublinhe-se, inquestionável aumento, especialmente nas cidades de maior porte.” “A prisão temporária serve, de fato, para produzir tão somente grande repercussão na mídia, gerando a falsa impressão de que tudo foi resolvido”, alega o partido político. O resultado que se busca com a prisão para averiguações é a obtenção de confissões, não raro com o emprego inconstitucional da tortura, salienta ainda o Partido, pedindo ao Supremo que declare a inconstitucionalidade da Lei nº. 7.960/89, com as alterações produzidas pelas Leis 8.072/90 e 11.464/07.

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Créditos: ONU /Victoria Hazou

À época, sejamos claros, o que ocorreu foi uma tentativa (criminosa) de legitimar a conhecida “prisão para averiguações”. Se, do ponto de vista formal, pode-se até concluir que a antiga prática foi legalizada, sob o aspecto material, indiscutivelmente, continua a mácula aos postulados constitucionais. Como bem notaram Gimeno Sendra, Moreno Catena e Cortés Dominguez, não se pode “atribuir a la medida cautelar el papel de instrumento de la investigación penal. Dizem eles que “sin duda alguna, esa utilización de la prisión provisional como impulsora del descubrimiento del delito, para obtener pruebas o declaraciones, ha de rechazarse de plano, pues una concepción de este tipo excede los límites constitucionales, y colocaría a la investigación penal así practicada en un lugar muy próximo a la tortura indagatoria.”[2]

Aliás, esta lei padece de vício de origem, pois ela foi criada pela Medida Provisória nº. 111/89 quando deveria sê-lo, obrigatoriamente, por lei em sentido formal, votada pelo Congresso Nacional. Como observou Alberto Silva Franco, esta lei “originou-se de uma medida provisória baixada pelo Presidente da República e, embora tenha sido convertida em lei pelo Congresso Nacional, representou uma invasão na área da competência reservada ao Poder Legislativo. Pouco importa a aprovação pelo Congresso Nacional da medida provisória.”[3]

Bem, de todo modo, ao final e ao cabo, Moro terá sempre razão, afinal de contas “o conservadorismo deve ser visto como parte de uma relação dinâmica entre as gerações. As pessoas lamentam a destruição daquilo que lhes é caro porque causa um dano no padrão de tutela: a interrompe com relação aos que vieram antes e obscurece a obrigação para com os que virão depois.”

Ora, admitamos que esses caras são conservadores e “essa relação dinâmica entre as gerações também é o que queremos chamar, ou que deveríamos chamar, de residência. Na melhor das hipóteses, os esforços conservadores são tentativas de preservar um lugar-residência comum – um lugar que é nosso.”[4]

 

Notas e Referências:

[1] Pierpaolo Bottini, ob. cit., p. 457.
[2] Ob. cit., p. 524.
[3] Crimes Hediondos, São Paulo: Revista dos Tribunais, 4ª. ed., 2000, p. 357.
[4] SCRUTON, Roger, Como ser um Conservador, Rio de Janeiro: Record, 2014, 4ª edição, p. 272.

 

 

Rômulo de Andrade MoreiraRômulo de Andrade Moreira é Articulista do Estado de Direito – Procurador de Justiça do Ministério Público da Bahia e Professor de Direito Processual Penal da Universidade Salvador – UNIFACS.

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