A troca de estação, com o inverno ficando para trás, indica, para além da chegada de amenidade climática, a temporada de redução de jornada de trabalho nos Poderes Municipais. É pertinente esclarecer que a redução, normalmente, é realizada tanto no Poder Executivo quanto no Poder Legislativo. Deixa-se claro, ademais, que a medida encontra proteção na jurisprudência, sendo a sua realização procedimento viável… desde que motivada. E, neste aspecto, os Municípios correm o risco de propagar dogma antigo da Administração Pública, cuja doutrina moderna do direito administrativo não mede esforços para combater. Falo do conceito jurídico indeterminado.
A prática da redução da jornada de trabalho nas prefeituras e nas câmaras municipais indica, como regra, na justificativa que acompanha os projetos de lei, por vezes um decreto – ou decreto legislativo, no caso da Casa das Leis- a necessidade de redução de despesas, consubstanciada e resumida em uma expressão “economicidade”.
A economicidade é o cerne do motivo exposto. Aliás, em algumas justificativas, o único argumento referido. Mas o que é a economicidade alegada? Como esta se comprova? Como se transforma tal conceito em números? Aliás, tal conceito se transforma em números?
Se a primavera, tenuamente, anuncia o calor escaldante e o mormaço fulminante típicos do Estado do Rio Grande do Sul na estação de verão, torna-se necessário gastar menos luz, menos ar condicionado nos gabinetes, menos água, quem sabe? Tais medidas podem ser relacionadas em números? Parece razoavelmente possível dizer que sim.
Contudo, Executivo e Legislativo optam, ainda, em apoiar-se na tal “economicidade”- que é princípio previsto ao art. 19, da Constituição do Estado do RS-, inobservando outro princípio, qual seja, o da indisponibilidade do interesse público. Sobre este último, Bandeira de Mello caracterizou-o como “interesse próprio da coletividade e, portanto, inapropriáveis”.
O argumento é interessante, ao levarmos em consideração que a minoração de gastos com água e luz não comprovado e apoiado em um conceito jurídico indeterminado – “economicidade” – estará indicando a expropriação de um interesse público, negligenciado pelo gestor na prática.
A negligência, ora fomentada, pode ser relacionada a interrupção, durante o período que perdurar a redução de jornada – também denominada de turno único, na primavera-verão municipal – da prestação de serviços públicos internos e externos, de valor essencial para a comunidade. Tal implica ruptura, ademais, com o próprio diálogo cotidiano travado entre a Administração e seus munícipes, que sofrerá limitação de tempo por medida amparada em conceito jurídico indeterminado.
Não se pode desconsiderar, ainda, que a redução da jornada de trabalho não implica a redução da carga horária dos servidores públicos –tampouco poderia, já que institutos distintos-. No caso da carga horária, qualquer alteração só pode decorrer de lei, em sentido formal, aliás.
Prosseguindo, se a redução na jornada de trabalho não implica a redução na carga horária, isto significa dizer, em linguagem direta, que o servidor trabalhará menor quantidade de horas, mas manterá a percepção integral da sua remuneração. A medida de redução, em geral, não prevê qualquer necessidade de compensação de carga horária.
Respeitando o posicionamento das Cortes de Justiça a respeito do tema, mas para além deste, no que nos permitimos refletir, onde fica aquele interesse público, enquanto próprio da coletividade e inapropriável?
Aparentemente, em plena estação primavera-verão nos municípios gaúchos, estamos diante de um conflito de princípios (economicidade x indisponibilidade do interesse público), de causar orgulho a Robert Alexy.
Neste caso, “a jurisprudência administrativa” – aqui em permissão estritamente poética, quanto ao termo – resolve o aparente imbróglio, optando pela manutenção do velho paradigma indeterminado.
Largas passadas em retrocesso? A opinião final fica por conta do leitor.
Texto produzido por Daniel Pires Christofoli, Consultor Jurídico do IGAM, Mestre em Direito pelo UniRitter, integrante do Grupo de Pesquisa Novas Tecnologias, Processo e Relação de Trabalho, coordenado pela Profa. Dra Denise Pires Fincato, vinculado ao Programa de Pós-Graduação em Direito da PUCRS – PPGD/PUCRS.