Declaração Universal dos Direitos dos Animais
No Direito Internacional, as previsões normativas em matéria de poderes jurídicos atribuídos aos animais remontam à Declaração Universal dos Direitos dos Animais, proclamada em assembleia da UNESCO em Bruxelas, em 27.01.1978. Referida Declaração, por sinal, já representou à época um esforço quanto a aspecto que, até o presente momento, permanece relativamente em aberto, nos diversos ordenamentos jurídicos nacionais: buscou veicular uma lista de direitos que seriam efetivamente titularizados por animais não humanos.
Com efeito, a citada Declaração prevê que:
- Os animais não humanos têm direito à existência (art. 1º – não estando totalmente claro, porém, qual a relação/diferença entre existência e vida, e nem se a existência em referência é a do indivíduo ou a da espécie);
- Direito ao respeito (art. 2º, “a”); direito à proteção em face do extermínio (art. 2º, “b” e art. 12);
- Direito à cura e à proteção pelo homem (art. 2º, “c”); direito à proteção em face de maus tratos e de atos cruéis – o que corresponde a um relativo direito à integridade física (art. 3º, “a”);
- Relativo e limitado direito à vida – a morte do animal, se necessária, deve ser instantânea, sem dor ou angústia (art. 3º, “b” e art. 11);
- Direito do animal pertencente a uma espécie selvagem de viver livre no seu ambiente natural e se reproduzir (art. 4º);
- Direito do animal que vive no ambiente humano de viver e crescer segundo o ritmo e condições próprios da sua espécie, e de ter respeitada a sua longevidade natural (arts. 5º e 6º, “a”);
- Direito do animal que vive com o homem de não ser abandonado (art. 6º, “b”);
- Direito do animal que trabalha à limitação de tempo e intensidade do trabalho, bem como à alimentação adequada e ao repouso (art. 7º);
- Direito do animal à proteção em face de experimentação animal que implique sofrimento físico (art. 8º);
- Direito do animal de proteção em face da utilização para mero divertimento humano (art. 10).
Poucos países formularam até agora, em seus respectivos Direito internos, relações de direitos dos animais comparáveis a essa.
Os problemas
Precisamente, o tema das posições jurídicas atribuíveis a animais não humanos encontra hoje, a nosso ver, três problemas agudos, três nós, sobre os quais os estudiosos estão precisando se debruçar com mais afinco, a saber: (i) quais são os direitos (rectius, as posições jurídicas subjetivas), exatamente, que são passíveis de titularidade pelos animais; (ii) quais são os animais que podem titularizar exatamente quais direitos; (iii) como harmonizar, na prática, a atribuição de direitos aos animais com a efetivação de uma economia sustentável.
Existem ainda dois “falsos nós”: o primeiro diz respeito a saber se os animais realmente devem ser considerados como sujeitos de direitos (e não meramente como objetos), e o segundo se liga à questão, eminentemente prática, de se determinar como poderá ser instrumentalizada a defesa (em juízo, por exemplo) dos direitos de animais que não são racionais no patamar humano.
Em verdade, esses são nós apenas na aparência: o primeiro é um falso nó porque, no atual estágio do saber humano, um povo que se pretende civilizado não pode (sem estar agindo com uma boa dose de arrogância) deixar de reconhecer parcela de dignidade aos animais, e deixar de excluí-los do conceito de simples coisas (os regimes jurídicos das coisas e dos animais impõem-se distintos); o segundo é um falso nó porque facilmente resolvível através de uma técnica que o Direito Privado conhece há muito: a representação. Os três nós verdadeiros citados anteriormente, porém, precisam ser bem entendidos e enfrentados, tanto por publicistas como por privatistas.
Tome-se, por exemplo, o primeiro dos três nós verdadeiros: quais são exatamente as posições jurídicas passíveis de titularidade pelos animais não humanos? Estes têm (ou deveriam ter) direito à vida da mesma forma que os seres humanos têm? Os animais podem ser destinatários de obrigações?
Para que questões como essas sejam devidamente respondidas e haja o efetivo avanço no assunto ora em apreço, seja no Direito brasileiro, seja em outros Direitos, é preciso que se priorize o seu estudo de modo sério, científico, em termos jurídicos – e essa vem sendo uma grande dificuldade.
Um exemplo de jurista brasileiro que deu passos iniciais, mas firmes, nessa empreitada, pode ser encontrado na pessoa do saudoso mestre Antonio Junqueira de Azevedo (cf. Crítica ao personalismo ético da Constituição da República e do Código Civil. Em favor de uma ética biocêntrica. In: Revista da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, v. 103, 2008, pp. 115-126), a quem, aliás, a presente série de artigos é dedicada.