Coluna Poiesis – Encontros da Literatura e do Direito
Paola Cantarini*
No início do mundo era o caos, ou era o amor? De qualquer forma parece que havia mais equilíbrio do que nos tempos atuais de completa desordem e anomia, suspensão, o Direito na corda bamba, sustentado por uma Constituição de papel e por Tratados Internacionais vazios, já que sem qualquer eficácia prática ou força cogente. Um Direito sonâmbulo, ultrapassado, distante da realidade e do seu tempo à espera de uma vacina antropofágica. Distante da vida e do homem. Um Direito penhorado e leiloado aos grandes grupos capitalistas, ao capital internacional. Transpassou a humanidade e virou técnica, e estamos no limiar de uma revolução tecnológica, com computadores já praticando algumas funções de advogados e juízes.
O Direito como mera técnica distancia-se assim da ficção e da imaginação, do sonho, da criação, mascarando-se em uma ilusão de perfeição, certeza, segurança jurídica e busca da verdade. Ídolos de barro. A ordem nasce da desordem, e sem esta aquela não chegaria a nada, assim a Natureza estabeleceria o equilíbrio profundo. Contudo, devemos lembrar que o homem não faz parte da Natureza, e se sobrepõe a esta, é um ser expulso, estrangeiro, um ser desviado, um acaso, o assombro dos assombros, mas ao mesmo tempo paradoxalmente ainda vivemos como no estado de natureza, pré-jurídico, onde vigorava a lei do mais forte, o estado de guerra permanente, pois nascemos livres, mas em todos os lugares estamos presos, como bem nos anunciou Rousseau, já que o contrato social encontra-se quebrado, cedemos nossa liberdade em troca de maior segurança por parte do Estado, mas sofremos afrontas e censuras até mesmo por parte deste.
Na esteira de René Girard (“A Violência e o Sagrado”) e de Michel Serres (“O Incandescente”), bem como, de uma outra perspectiva, de Lévinas (“Do sagrado ao santo”), e de Jacques Derrida (“A Religião”; “Fé e Saber – As duas fontes da ‘religião’ nos limites da simples razão”) torna-se fundamental distinguir o divino e o sagrado, a sacralidade e a santidade, para nos aprofundarmos na questão do que se anuncia como uma crise autoimunitária do Direito e buscarmos alternativas à mesma, evitando com isso que o Direito destrua quem deveria proteger, os seres humanos (Willis Santiago Guerra Filho, “Immunological Theory of Law”), com o risco daí subjacente, em escala global, de sua extinção planetária, quer seja por um excesso de proteção, quer seja pelo fenômeno da exclusão-inclusiva ou suspensão, evidenciada nos casos que se repetem com cada vez mais frequência, do homo sacer, do estado de exceção (Giorgio Agamben).
Apesar das conquistas consagradas pela Declaração Universal dos Direitos do Homem, e da previsão em todas as Constituições democráticas do princípio da dignidade humana, vemos que atualmente ainda vivemos em muitos aspectos como vivíamos na época da política racial nazista considerada a si mesma como uma desinfecção social, como afirmava Hitler, “a descoberta do vírus hebraico” que deveria ser exterminado para que os alemães conseguissem readquirir sua saúde. Há campos de extermínio por todos os lados, característicos da biopolítica atual, transformada em uma tanatopolítica. A guerra é uma continuação da política com outros meios (von Clausewitz), ou a guerra é o pressuposto da política (Schmitt), ou a guerra se refere à guerra total que brota da maquinação do ente, e então a guerra torna-se política (Heidegger), quando não mais se admitem vencidos nem vencedores, e todos se tornam escravos da história do essere. O Estado de direito foi deposto. A democracia foi enforcada. Vige o estado de exceção no Brasil, e o mesmo pode ser vislumbrado em qualquer ordenamento jurídico das sociedades de cunho ocidental, de forma praticamente generalizada, contrário ao Estado de Direito, Estado Constitucional, Estado de Direitos Fundamentais, agora não mais como exceção mas como regra, tal como previsto de forma antecipada por Walter Benjamim, conjugado e em perfeita comunhão com a democracia autoritária e retórica do Brasil, com a ética do oportunismo, com o racismo hipócrita, com as máscaras, os tabus, os dogmas e as tradições. O estado de exceção se articula com a ideia da soberania e do soberano, sendo este, nas palavras de Carl Schmitt, “quem decide sobre o estado de exceção”. Defende-se que atualmente o soberano é o mercado, já que a economia teria uma certa atração e apreço pela exceção[1](Gilberto Bercovici), ou seja, “o mercado define os inimigos e o Estado os combate” (E. Raúl Zaffaroni).[2] Já de um ponto de vista teológico, ou “teológico-econômico”, vale consultar as obras de Franz J. Hinkelammert. “Soberania e Constituição: para uma crítica do constitucionalismo”.
Atualmente no Brasil vemos várias manifestações artísticas sofrendo censura pelo poder público, com a criminalização da arte, exemplos de multidão aurora sufocada, como em agosto de 2017, com o cancelamento da exposição “Queermuseu – cartografias da diferença na arte brasileira” em Porto Alegre, com acusações de zoofilia, pedofilia e blasfêmia, sobretudo por integrantes do Movimento Brasil Livre (MBL), e com a música do artista Gabriel “O pensador”, “Tô Feliz (Matei o Presidente)”, contendo críticas ao Presidente Michel Temer, ameaçada de censura. Outro exemplo, a invasão da Escola Nacional Florestan Fernandes mantida pelo MST – Movimento dos Trabalhadores Sem Terra.
Vivemos, pois, em tempos de completa arbitrariedade, onde até mesmo a livre manifestação do pensamento e a arte são cerceadas, com vários movimentos sociais pacíficos sendo violentamente reprimidos pelo Estado, sem qualquer razoabilidade e proporcionalidade. Estão em andamento faz tempo, ou talvez desde toda a história da humanidade, métodos e aparelhos centrados na domesticação e manipulação, com sofisticadas técnicas de docilização e adestramento, transformando-se o lobo do homem em cão, com a ajuda da televisão, passando pelo jogo de futebol e pelo carnaval, a velha política romana do pão e circo, normalização, produção do igual e exclusão do diverso, normalização dos comportamentos, naturalização da exploração, opressão e do fracasso.
As novas mídias são alvo de ataque e manipulação até com fins políticos e eleitorais ou se aliam aos políticos vendendo milhões de informações obtidas online, dadas de graça por milhões de pessoas, passiva e alegremente. Nós nos encontramos mais do que nunca como estranhos, estrangeiros, exilados, nômades em tempo integral, escravos voluntários do imediatismo, do narcisismo e do movimento contínuo e crescente, em um eterno retorno do igual de que Nietsche nos alertou inúmeras vezes. Entramos em uma era de nomadismo integral, enfrentamos uma mobilidade que se tornou princípio organizador por ter englobado o próprio pensamento[3]gerando desorientação, indiferença, e a aceleração da aceleração. O pensamento e o tempo, a atenção e o momento de vida tornam-se mercadorias, os laços sociais se transformam em laços comerciais. Não há mais silêncios, e o homem já não suporta a si mesmo. O real nos escapa. O real, literalmente, é a controvérsia, pois a palavra vem daquela latina res, que é a questão controvertida, a lide, submetida a julgamento, a res in judicium deducta do antigo direito processual civil romano.
A seta do tempo se partiu. O tempo está parado, fixado. Ou o tempo irá ao final sempre devorar os seus filhos, todos seremos devorados pelo tempo, tal como na obra de Francisco de Goya, “Saturno devorando um filho”? Não existe mais História como já afirmou Marx, em nota do primeiro capítulo do primeiro volume de “O Capital”? Fim da história com a modernidade, com a ideologia da modernidade e a modernidade como ideologia? Há uma forma de viver historicamente relacionada com a religião, um vínculo que é a religião, palavra formada a partir da raiz indo-européia -ig, também presente na palavra indiana yoga (ligação).[4]
Cronos foi traído novamente, outrora por Zeus com a ajuda de sua mãe Reia e com o apoio de Métis – a Prudência – filha do titã Oceano, agora, pelos seres humanos que pretendem tudo dominar, até a morte, e pois, o tempo, como se vê em notícias como as de que seria possível congelar nossa consciência e aplicá-la posteriormente a em novos corpos, e a de supercomputadores que conseguiriam analisar o que estamos pensando. Seria então possível o download de nossa consciência, e ainda assim, poderíamos falar em ser humana tal consciência? Ou por ser o sagrado elemento constitutivo da estrutura da consciência humana, e não sendo transmitido tal sagrado, não seria reproduzida a consciência humana? Ainda estamos presos sem paredes, na ilusão da busca da verdade que não resolve praticamente nada?
A busca da verdade como princípio de tantas ciências, e da pureza no Direito, afastando este dos valores, e pois, da vida, e enquanto isso em todo o mundo milhares de pessoas morrem de fome e sem água potável. A retórica permanece, a justiça torna-se utópica, e o poder econômico domina todos os demais subsistemas, com destaque para o Direito. As duras conquistas sociais previstas na CF88 estão em vias de serem extintas, com afronta ao princípio da proibição do retrocesso social, pois as reformas trabalhista e previdenciária uma já aprovada e outra a ser aprovada, visam a tirar o mínimo do mínimo de quem menos tem, para privilegiar, como sempre, as classes abastadas da população, com destaque para a Emenda Constitucional que congelou por vinte anos os gastos públicos nos setores mais importantes em especial para as populações carentes, da educação e da saúde. Os direitos sociais tornam-se objeto de cálculos, pela ideologia neoliberal, e de uma desconstrução planejada, e novos termos são cunhados como soft law, flexibilização dos direitos trabalhistas, law shopping, referindo-se à compra jurídica de produtos legislativos, um direito a mínima ou à deriva. Mercado jurídico. Lei da selva. E salve-se quem puder. Qualquer um pode ser considerado, como em um conto de Kafka, culpado e ter inscrita em sua testa a letra “K” de caluniador, de auto caluniador, o que é ainda pior. As Declarações Universais dos Direitos Humanos, construídas sob a ótica da hegemonia ocidental dos países do primeiro mundo, refletem tal ideologia eurocêntrica-dominante, servindo de máscara a cobrir sua inefetividade e submissão aos ditames do capital.18 Já dispunha Marx que “a estrutura econômica da sociedade é a base real sobre a qual se eleva uma superestrutura jurídica e política e que corresponde a formas de consciência social determinadas”.[5]
O retrocesso na conquista de direitos e preocupações humanitárias verifica-se também internacionalmente, o que é corroborado pela análise da Declaração da Filadélfia e da posterior Declaração de Marrakech, ocorrendo a alteração da concepção do trabalho, neste segundo Tratado, pois o trabalho, antes visto como valor, agora é visto como mercadoria, o comércio agora é retratado como o valor supremo, relegando a um plano inferior os direitos sociais. Da mesma forma, a recente jurisprudência da Corte Europeia privilegia a liberdade de estabelecimento no lugar do respeito aos direitos sociais, como se denota da decisão denominada “Viking”, verbis: “a realização do progresso econômico pelo comércio intercomunitário implica fatalmente risco, para os trabalhadores (…) de ter de sofrer mudanças de suas condições de trabalho ou até mesmo de sofrer a perda dos seus empregos”.[6]
Seria um retorno sub-reptício ao sistema feudal, ao reino da personalidade das leis, ocorrendo a pulverização do Direito.[7]
A peça de teatro “O Rei da Vela” de Oswald de Andrade, em cartaz em 03.2018, dirigido e atuado por José Celso Martinez Correa, após sua estreia originária em pleno regime ditatorial, anuncia o Brasil como um país feudal, onde o cobrador do ágio vira rei da vela ao explorar a pobreza dos devedores que não possuiriam dinheiro para pagar sequer a conta de luz, aprisionando-os em celas com grades e negociando os juros com um chicote. No lugar de Estado de Direito, um mercado legislativo “em que as tradições jurídicas são postas em concorrência umas com as outras”. Ocorre a instrumentalização do Direito pelo cálculo, pela estatística, pelo pensamento do número, e pela organização subsequente de um “mercado legislativo planetário”, o que poderá conduzir “aos mesmos impasses que os totalitarismos do séc. XX cujo traço comum foi justamente a sujeição do Direito às supostas leis da economia, da história ou da biologia”.[8]
O Brasil é um dos países de maior desigualdade econômica, com favelas borbulhando pelas cidades de todos os Estados, políticas públicas concentradas na população com maior poder aquisitivo e abandono das áreas carentes, em processo de guetização e estigmatização da população pobre, com abandono dos locais públicos, precarização da vida, limitação do direito de ir e vir, por falta de dinheiro até mesmo para uma condução pública, e um número cada vez maior de moradores de rua, os quais são muitas vezes queimados vivos por filhos de classe abastadas e reacionárias, como o caso do índio Galdino em Brasília, confundido com um mendigo, como é o caso da Cracolândia em São Paulo onde os doentes são tratados como delinquentes, presos compulsoriamente, e expulsos a bombas e balas. Bodes expiatórios. É bem por isso que o Estado Democrático de Direito encontra-se falido, vigorando o estado de exceção, tal como estudado e desenvolvido pioneiramente por Giorgio Agamben em sua obra “Estado de Exceção”, na esteira de W. Benjamin. No lugar do contrato social, devemos repensar o vínculo jurídico-político nos termos do que dispõe Michel Foucault em seu livro “Em defesa da sociedade”, como sendo a guerra permanente. No lugar do bom selvagem, o bárbaro, no lugar do contrato social como origem da sociedade, a horda primitiva bárbara.
Mais próximo da tragédia, da comédia ou da paródia? Vivemos um estado trágico, ou melhor pseudo-trágico, pois o Estado Brasileiro, com sua elite desnacionalizada, não tem a força necessária da tragédia, então se finge de comédia, mas na verdade encena uma paródia, sem qualidade, daquelas que não nos provoca riso algum, sequer provoca também o vazio, o Nada. Talvez provoque, com sua textura morna, náusea. Qual será nossa contrarrevolução em tempos de revolução cibernética-maquinária, com computadores falando línguas que não compreendemos, e se tornando autônomos, com a capacidade de ver nossos pensamentos não verbalizados?
O Brasil segundo o ranking das famílias mais ricas do mundo está em 7º lugar, acima de países como Holanda, Suíça e Argentina, que tributam riqueza, e é um dos países com a pior concentração de renda do mundo. Tal situação é provocada sobretudo porque os impostos não são de fato progressivos, com diversos patamares de taxas, ocorrendo a farsa da progressividade, tal como atualmente acompanha, por exemplo, o imposto de renda, autorizando que um pobre pague muito mais proporcionalmente do que uma pessoa rica. A existência de milhares de presidiários à espera de julgamento em delegacias durante anos, enquanto alguns recém-presos da camada social mais elevada da população aguardam o julgamento em liberdade, e o fato de diversos militares e policiais não serem punidos por crimes cometidos contra pessoas pobres demonstram que o sistema de justiça brasileiro é elitista, dificilmente tendo acesso (de forma ativa) as parcelas da população de classe baixa, os excluídos, enquanto que paradoxalmente, o sistema prisional privilegia os pobres e os negros, havendo um encarceramento em massa destes como mecanismo de controle e dominação, estando excluídos e incluídos, em suspensão.
As condições desumanas dos presídios degradados e degradantes são exemplos claros de tentativas autorizadas e legalizadas de “campo de extermínio”, pois lá vigora o poder paralelo em toda sua potência. Vivemos em uma cultura totalitária do fetiche do consumismo irresponsável e pornográfico, com a falta de garantias a direitos fundamentais, em especial da dignidade humana para a maioria da população, enquanto de outro lado, se verifica a impunidade crônica da elite da população, o que Nietzsche chamaria de “a graça da lei”, com os presídios brasileiros como campeões no quesito violação de direitos humanos, totalmente dominados por facções criminosas, vigorando a lei do estado paralelo, equiparando-se à prisão militar estadunidense de Guantánamo, ou Campo de Detenção da Baía de Guantánamo, onde os presos considerados terroristas não possuem a proteção da Convenção de Genebra, onde há a autorização do uso de tortura, não sendo mais considerados sujeitos de Direitos. Em muitos aspectos tais prisões se assemelham aos campos de concentração nazistas, com a total despersonalização dos presos, sua transformação em muselmann. Giorgio Agamben em “O que resta de Auschwitz”. O arquivo e a testemunha [Homo Sacer, III][9] comenta acerca da irracionalidade dos campos de concentração nazistas, com os prisioneiros atendendo a uma finalidade econômica, sujeitando-se a trabalhar para o esforço de guerra e/ou para empresas, seres a quem se negava a humanidade, até o ponto em que eles próprios duvidavam dela, entrando no estado catatônico de seres a quem só restava a “vida nua”, meramente biológica, tal como propugnava a “filosofia” nazista. Devemos combater, portanto, a domesticação do Direito pelo capitalismo e toda a influência no Direito com base em interesses particularizados de grupos de poder, sob pena de nossa sociedade se transformar cada dia mais em uma sociedade atomizada, e os seres humanos apenas em sujeitos individualizados, onde toda manifestação do Direito tem por finalidade não o bem comum, a solidariedade, a dignidade humana e a justiça, mas a realização de interesses pessoais ou de grupos de poder.
A democracia representativa no Brasil revela-se tão frágil e tão longe de uma verdadeira democracia, já que está tal princípio ligado indissoluvelmente a outro princípio, o Estado de Direito, sendo que a afronta a um princípio leva automaticamente a afronta a outro princípio, ocorrendo a afronta a ambos. A fragilidade da nossa incipiente democracia participativa, mais teórica do que prática, e a inexistência de uma democracia comunitária postulada, por exemplo, por Boaventura de Sousa Santos, de índole e origem indígena, de alta intensidade. É impossível pensar em um projeto social emancipatório que desconsidere a centralidade da questão étnico-racial, em especial no Brasil, onde a hipocrisia do mito da democracia racial dificulta a tomada de consciência da situação do racismo, e portanto, a articulação de movimentos sociais.
Há um novo ódio à democracia, tal como propõe Jacques Rancière em seu livro “O ódio à democracia”, por parte das classes privilegiadas, condenando medidas que favorecem os mais pobres como populistas e demagógicas.[10] Como já dizia Bobbio, o problema dos Direitos Humanos não é da ordem da fundamentação, mas da esfera da aplicação, da falta de efetividade, já que vivemos em uma situação de violação maciça e radical da condição humana, seja pela insatisfação das necessidades mais básicas da maior parte da população mundial, seja pela violência praticada até mesmo de forma institucionalizada ou seja, nos aparelhos do Estado. Nietzsche considera que não há fatos morais, apenas interpretações morais de fatos, pois seriam estes uma construção assim como a história; da mesma forma, os Direitos humanos seriam um construído, como afirma, por sua vez, Hannah Arendt. Observemos então os seguintes fatos, refletindo uma situação de violência endêmica e sistêmica no Brasil e no mundo, e a situação de homo sacer dos grupos vulneráveis:
- Em 2013 foram relatados 55 mil casos de assassinatos praticados por policiais no RJ do batalhão de operações especiais, em 2014, 58.500 casos. No Brasil há uma taxa altíssima de assassinatos, vez que de cada 100 mil pessoas, 28.8 pessoas são assassinadas, enquanto na Argentina tal taxa é de 5,5, na Lituânia de 6,7, no Iraque e Afeganistão de 6,9 e na Itália de 0,9. A tortura é uma prática institucionalizada no Brasil, havendo poucas denúncias pelas vítimas, raros casos julgados com trâmite definitivo, e um tratamento diferenciado pelo Poder Judiciário, quando se trata de acusado pessoa particular ou agente do Estado;[11]
- O alto gasto com segurança pública, de mais de 260 bilhões de reais demonstra a ineficiência da política criminal, já que aproximadamente nem 8% dos casos de homicídio são sequer apurados;[12]
- O patrimônio de apenas 8 homens é igual ao da metade mais pobre do mundo e 1% da humanidade controla uma riqueza equivalente à dos demais 99%[13]
- A chamada “fome invisível”, a desnutrição, segundo as Nações Unidas, em 2011, afeta 2 bilhões de pessoas no mundo, sendo origem de doenças mortais[14].
- Segundo o Banco Mundial o número de pessoas pobres com até U$ 1,25 por dia, passou de 1,9 para 1,4 bilhões de pessoas, contudo se considerarmos o valor de U$ 2,5 por dia, o número de pobres é superior a 3 bilhões em 2000;[15]
- Há 800 milhões de pessoas que se encontram vivendo abaixo do nível da pobreza, considerando o valor de U$ 1,90 dólares por dia em 2015;[16]
- Relatório das Nações Unidas informa que setecentos milhões de pessoas não possuem acesso à água potável;[17]
- Segundo relatório da OMS-Unicef de 2009, 2,6 bilhões de pessoas não possuem acesso a saneamento básico;[18]
- O débito dos países do 3º mundo em 1970 era de 200 bilhões de dólares, em 1994, de 2 bilhões de dólares[19], sendo tal valor continuamente e ad nauseam aumentado, de modo a se tornar impossível seu pagamento;
- Os 20% dos mais ricos do mundo consomem 82% dos bens da terra enquanto que os 60% dos mais pobres consomem 5,8% dos bens; 50% da população mundial vive com dois dólares por dia;[20]
- Os dados do índice de exclusão social (IES) demonstram que o Brasil ocupa a 109ª posição.[21]Quanto ao índice de pobreza o Brasil ocupa a 71ª. posição no ranking mundial. De cada 100 brasileiros, 24 vivem com até dois dólares por dia, ou seja, são miseráveis.[22]O Brasil possui em 2016, 4,9% de sua população vivendo em situação de pobreza absoluta. Só em São Paulo há 13.666 pessoas em situação de rua, em extremo abandono e miséria, sem acesso aos direitos mais básicos;[23]em 2006, segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), cerca de 12% da população brasileira, ou seja, 21,7 milhões de pessoas, encontrava-se em condição de extrema pobreza (renda mensal de menos de um quarto do salário mínimo);[24]
- A remuneração das mulheres é cerca de 72,3% abaixo da masculina; entre pessoas com 12 ou mais anos de estudo os homens ganham por hora 70% a mais que as mulheres;[25]
- De 2000-2010, 91.932 mulheres foram vítimas de homicídio, sendo 40% destes cometidos dentro da própria casa. O Brasil está em 7º. lugar no ranking mundial de países quanto ao assassinato de mulheres – dados da Secretaria de Políticas para mulheres da Presidência da República[26];
- 19 das cidades mais violentas no mundo são brasileiras;[27]• Segundo o Índice de IDH – índice de direitos humanos, o Brasil encontra-se em 79º lugar.[28]
Tais dados são reveladores da crise autoimunitária do Direito, o qual, além de não cumprir com sua função constitutiva de nos proteger, se transforma em algo que nos destrói, verdadeira aporia ou paradoxo. O Brasil é o único país dos que foram submetidos a ditaduras na América Latina na segunda metade do século XX que não concluiu o processo de justiça de transição, parando logo no início, já que somente contemplou a fase de indenização aos familiares dos mortos durante o período ditatorial, não puniu os culpados nem permitiu a divulgação e transparência dos documentos envolvidos, classificados pelo Poder Executivo como “superconfidenciais”, limitando, pois, os direitos fundamentais, tais como o direito à informação e afrontando o princípio da transparência. A normalização da violência então em muito se daria devido à impunidade assegurada pela lei de anistia (Lei 6683/1974), e assim a ditatura redescobriria seu destino: o estado de emergência econômico permanente. A exceção é então reciclada não mais para garantir o Estado e o mercado, mas o próprio capitalismo enquanto norma social pétrea (Gilberto Bercovici). Ao manter o perdão concedido pela Lei da Anistia, o STF desafiou a orientação presente em diversos julgados da Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) que examinou as ditaduras latino-americanas, e orientou que as violações de direitos humanos praticadas durante governos militares de fato devam ser investigadas, para (a) individualizar os culpados, (b) estabelecer suas responsabilidades e (c) efetiva punição, e (d) assegurar às vítimas e a seus familiares o direito à justiça que lhes assiste[29]. Este entendimento da CIDH foi reforçado pelo julgamento do Caso Julia Gomes Lund e outros.[30]
Tendo em vista que, mesmo notificado, o Brasil não respondeu à Comissão, o caso foi submetido à Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) em março de 2009, sendo o Brasil condenado, entre outras medidas, a conduzir eficazmente a investigação, perseguir criminalmente os agentes civis ou militares da repressão e aplicar as correspondentes sanções penais. A decisão consignou que diante de violações graves a direitos humanos não cabe a aplicação da Lei de Anistia em benefício dos autores de tais atrocidades.
Não há que se falar em democracia onde não se respeitam minimamente os direitos humanos e fundamentais. Cabe aqui a pergunta: o que resta da ditadura no Brasil? Praticamente tudo, exceto, a própria ditadura, como bem afirma o psicanalista Tales Ab´Sáber,[31] já que não houve o rompimento com tal passado, por não estar completo o processo de transição, enfraquecendo o Estado de Direito, a democracia e o regime de direitos humanos.
A impunidade enfraquece o Estado Democrático de Direito, pois este se baseia na ideia de que a lei é para todos, e que ninguém está acima da lei. Não houve, portanto, o rompimento completo com tal passado autoritário no Brasil, já que a denominada justiça de transição englobaria o direito à verdade, o direito à justiça, o direito à reparação e reformas institucionais A proibição da tortura, que ocorreu na época da ditadura e hoje se perpetua em prática “institucionalizada nas polícias no Brasil, com praticamente raros casos de punição, afronta a CF e os tratados internacionais de direitos humanos que preceituam ser uma norma inderrogável, um direito, portanto, absoluto que não admite exceção, suspensão ou derrogação, sendo parte do jus cogens no plano internacional, norma cogente e inderrogável. Pesquisa realizada em 2005 pelo Conselho Nacional dos Procuradores Gerais de Justiça prevê a baixa taxa de condenação dos crimes de tortura no Brasil, com apenas 524 denúncias e 9 punições, nos 5 primeiros anos da Lei 9455/1997, demonstrando que a polícia brasileira continua a cometer assassinatos e torturas durante a democracia. Há uma interdependência e inter-relacionamento entre direitos humanos e fundamentais, democracia e segurança, e um Estado que perpetua a prática normalizada da tortura lança-se à delinquência, convertendo o Estado de Direito em estado de exceção.
O esquecimento da tortura produz a naturalização da violência como grave sintoma social no Brasil. O Brasil é o único país da América Latina que não permitiu a punição dos criminosos por crimes de tortura praticados durante o regime ditatorial, enquanto Argentina, Chile, Uruguai e Peru afirmaram que as leis de anistia seriam incompatíveis com a Convenção Americana de Direitos Humanos. O não saber sobre os mortos do passado faz instaurar na memória um lugar de indeterminação, um espaço indeterminado de exceção.
Estado de exceção mascarado de democracia. Estado de Direito oligárquico. A transparência é um dos postulados básicos do Estado Democrático de Direito, já que se relaciona com um dos princípios básicos da Administração pública, ex vi do artigo 37 da CF, qual seja, o princípio da publicidade. A questão da transparência é fundamental para a democracia e sem a mesma pode-se dizer que não há que se falar em Estado Democrático de Direito. Bobbio identifica a publicidade dos atos do poder como o verdadeiro “momento de reviravolta” na transformação do Estado moderno, que passa de Estado absoluto para Estado de Direito, quando os atos da Administração Pública passam a ser submetidos a um controle jurisdicional. Segundo Bobbio o caráter público do poder, entendido como não secreto, como aberto ao público é um dos critérios fundamentais para distinguir o Estado constitucional do Estado absoluto. Da mesma forma, em nada adiantará a maior conscientização e os movimentos populares de setores específicos da sociedade para exigirem políticas públicas adequadas, sem a transparência necessária para se verificar o que na prática o poder público tem realizado na prática.
Vivemos em cenário de guerra, em tempos de terror, de violência sistêmica e universalizada, como se denota na violência institucional no Brasil, pelo Estado, por meio dos seus três Poderes, no desserviço do órgão maior do Poder Judiciário do Brasil, o STF, atuando exclusivamente por meio da linguagem política e da retórica, confundindo o Direito com retórica, desviando-se por completo da parresia e da Justiça, e enterrando o já moribundo Direito brasileiro. Ao invés de juristas criadores e comprometidos com a realização da justiça e da dignidade humana, robôs, técnicos, sofistas no lugar de jusfilósofos. Na verdade, a maioria da população brasileira, pobre, marginalizada e com pouco estudo encontra-se excluída, em situação de exclusão inclusiva ou de inclusão exclusiva, no vácuo, na suspensão do direito, portadora apenas da vida nua, portanto, matável e torturável a qualquer momento, por qualquer um, somos todos potencialmente homo sacer, na perspectiva descortinada por Giorgio Agamben. Judith Butler denuncia o “regime de violência legal” no Brasil apontando para o alto número de assassinatos da juventude negra cometidos pela polícia, verbis:
Vocês vivem com o fato de que milhares de pessoas são mortas anualmente pela polícia e menos de 1% desses assassinatos viram processos penais. Isso nos possibilita observar como o racismo funciona no sentido de permitir que algumas populações sejam livremente assassinadas enquanto outras são intensamente protegidas”, pontuou. Este “regime de violência legal” afeta também a vida de pessoas trans, queer e mulheres, que estão “vulneráveis a mortes violentas”, (…). Fazem parte de grupos que são socialmente designados como dispensáveis ou disponíveis para serem assassinados com impunidade. São pessoas que não têm, portanto, as mesmas condições materiais de exercer a liberdade que outros grupos, uma vez que a possibilidade da violência afeta seu direito de ir e vir.[32]
Há uma total banalização da vida, da dignidade humana pelo Direito que segue na maior parte das vezes o capital, perversão do Direito. Há um genocídio legalizado, portanto, de pessoas vulneráveis, dois pesos e duas medidas quanto à punição de infrações criminais, quando sequer são indiciados, muitas vezes, pessoas poderosas, membros da polícia civil ou militar, enquanto que pessoas pobres e negros são, em grande número de casos, levados à delegacia e vítimas de violência, sem sequer terem praticado algum crime, mas pelo simples fato de serem pobres e negros. Vivemos dominados, subjugados em nossa cultura de massa, numa situação de prisão perfeita, pois sequer a maioria tem consciência de que está preso. A população negra, indígena e demais grupos vulneráveis ainda estão majoritariamente fora dos espaços de poder na sociedade. A luta indígena é a mesma dos negros, dos quilombolas, dos caiçaras, dos nordestinos, dos muselmann, dos apátridas, dos imigrantes e dos refugiados. É a luta das minorias sociais, dos considerados à margem do Direito, abandonados e descartados por este Direito e pela sociedade. Vivemos um novo tipo de fascismo, o fascismo social? É o que afirma Boaventura de Sousa Santos: “o contexto é de fascismo social e político difuso”, apontando para dois princípios-guia, na luta contra tal contexto, caracterizadores de um longo processo histórico, para a consagração de uma democracia de alta intensidade, ou radicalização da democracia, quais sejam: “revolucionar a democracia e democratizar a revolução”. [33]
Talvez ainda permaneça atual o ensinamento de Marx quando afirma que o Estado sendo uma representação dos interesses da classe burguesa, todas suas instituições estariam comprometidas com tais valores e ideias burgueses. O problema então é a Instituição. Homem indeciso, estranho, estrangeiro, fabricável por encomenda, homem mecânico, homem instrumento normalizado, sobrevivente em uma sociedade metrificada, com uma cultura que valoriza a homogeneidade e costumes adocicados (Tocqueville). Movimento pelo movimento, quando tudo é colocado em movimento, modernidade é movimento mais a incerteza, sendo a única certeza a do movimento. Tempo das aparências e simulações, do vazio, do efêmero, da ligeireza e dos gozos precários, da cultura da inconsistência (do zumbi pós-moderno) e do saber de massa difundido na desordem, superficial e sem hierarquização, das ideologias flácidas e do pensamento débil.[34]
Vivemos na época da morte, Thanatos tomou o lugar de Eros, o primeiro dos Deuses, e considerado por milênios como o Deus mais forte e invencível até mesmo frente aos demais deuses. É a morte das tragédias, de Deus, do humanismo, do erotismo, da sedução, do corpo, do amor, do tempo, do outro, do diferente, da ética, da filosofia, época da tanatopolítica, de uma política a favor da morte, invertendo-se a biopolítica, a qual por sua vez, inverteu a lógica da teoria clássica da soberania. The time is out of join.[35] Derrida denuncia a dis-junção do tempo e também da história e do mundo, a “disjunção do andar do tempo”. Tempo ou já queda do antropoceno? Fim até mesmo da Filosofia assim como se deu a morte do marxismo, como prega Maurice Blanchot? [36] Necessidade espectral. Direito espectral, ante a dominação do “discurso maníaco”. [37]
A vida mais do que nunca é uma prisão, sendo o Império a nova prisão planetária, não havendo mais um fora, uma vida livre, apenas um dentro ou seja, poder, prisão?[38] Vivemos a época das crises, de representatividade, epistemo-ecológica, autoimunitária do Direito, crise de confiança e de fé, crise da concepção da justiça como legalidade, crise de legitimidade e da legalidade, crise da modernidade, crise da unidade do Estado e do Direito, crise dos saberes, crise da religião e da filosofia, crise dos direitos humanos, crise de realidade, crise das utopias modernas, crise de ética. Crises, paradigmas e paradoxos infinitos, demonstrando que a desordem impera, e não mais produz a ordem dialeticamente; estamos, pois, sem equilíbrio, à deriva, sendo vital à sobrevivência do Direito e do ser humano a postulação por novas formas de democracia, não homogeneizadoras e eurocêntricas, de globalização contra-hegemônicas, e de um novo Direito, não fetichizado, não submetido ao capital, não dogmatizado e sacralizado. Vivemos a perplexidade e anguústia da aceleração da vida.
O Direito vive uma grave crise existencial. A injustiça passeia pelas ruas a passos firmes e a insegurança é a característica de nossa era. Como viver em tempos de crise (Edgar Morin)? Como queremos viver? O que é o homem e no que se transformou sob o domínio de axiomas éticos, políticos e jurídicos, sem que com tal pergunta nos deixemos cair no solo da metafísica generalista e no domínio da técnica. Afastando-se do outro, o ser humano afasta-se cada vez mais de si mesmo, contrariando a recomendação de Heidegger ao propor nos abrirmos uns aos outros e nos permitirmos ser aquilo que se é (“Cartas a Hannah Arendt”). E com isso também se deixa de pensar sobre a questão fundamental de toda Filosofia, já colocada na entrada do Oráculo de Delfos da Grécia, dedicado ao Deus Apolo e enfatizada por Sócrates – a do conhece-te a ti mesmo, na medida da tua proporção, bem como por Heráclito de Éferos “eu me busco a mim mesmo” (frag. 101). Com o cristianismo deixamos de ser escravos, de outros, mas viramos atualmente escravos da tecnologia, de ídolos, da velocidade, da flexibilidade, da aparência, da juventude, do celular, do excesso de informação, de ruídos e de estímulos.
Vivemos sob a ausência do silêncio, do vazio, essenciais ao pensamento, ao “ruminar” (Nietzsche). O excesso de informação está desgastando nossa humanidade. Não existe mais Direito, não existe mais justiça, já que esta é por origem antinômica ao conceito de Direito (Jacques Derrida, “Espectro de Marx”); agora em especial no Brasil, não existe sequer mais Direito. Direito sem justiça já se tornou outra coisa, já se desvinculou de seu objetivo verdadeiro, e tornou-se mera fachada, teatro, paródia. O Direito se tornou supérfluo, a teologia carece de sentido, todos os valores foram invertidos e vigora agora o ruído, a técnica e a propaganda (Heidegger). Vigora mais do que nunca o domínio da técnica e a domesticação do homem, que cada vez menos se relaciona com outros, substituindo todo e qualquer contato pela tela de um computador ou teclado de um celular. No Brasil matam-se mais pessoas do que em países que vivem em plena guerra civil, ou estão sujeitos a atos terroristas, a exemplo do Afeganistão, Paquistão e Iraque. Tal situação revela a permanência desde o Império de políticas públicas, infelizmente, voltadas à extinção de milhares de pessoas, seja de forma positiva ou de forma omissiva, como o massacre da população indígena, e a completa submissão e exploração desta e da população negra nos séculos passados, bem como a sua manutenção na época atual ao deixar de aplicar recursos orçamentários em direitos prioritários como saúde, educação, apesar das disposições constitucionais obrigarem a tanto.
O Direito não consegue mais corresponder aos ditames da justiça, sendo mesmo antagônicos tais conceitos, sendo um claro exemplo de tal antinomia os diversos casos de corrupção no Brasil e no mundo, com a grande maioria dos políticos e legisladores envolvidos em escândalos, processos judiciais e casos de inidoneidade moral, sem qualquer condenação judicial.
A falácia da justiça é corroborada pela banalização da prática da tortura, assassinatos praticados por policiais, revelando mais uma faceta da violência que preenche todos os setores sociais, todos os sistemas sociais, sendo esta ínsita ao ser humano e especialmente ao Direito. Acerca da incompatibilidade entre Direito e Justiça, Roberto Esposito comenta sobre Antígona e Creonte em um de seus mais recentes livros “Di fuori”, considerando os personagens da tragédia “Antígona” de Sófocles, como representantes do Direito e da Justiça, respectivamente, e pois, opostos[39], inconciliáveis, incomunicáveis, com certa congruência ao que postula Nietzsche ao diferenciar a legitimidade, como aquilo conforme o direito e a legalidade, como aquilo conforme a lei. A obra “Antígona” trata de um dos fundamentos da democracia, do direito de resistência, com fundamento desde John Locke, contra toda ação ilegal do Estado, contra toda lei injusta e contrária àquilo que seria de se considerar como os direitos mais fundamentais, como no caso, o (anti)-decreto do tirano Creonte, representando o direito imposto e não legítimo, apesar de positivo.
O que é o Direito, o que pode ser considerado Direito? Uma lei é legítima e, portanto, obrigatória, mesmo que desconsidere por completo a realização da justiça e a dignidade humana? Antígona postula pelo respeito ao direito de enterrar seu irmão Polinices, proibido pelo decreto injusto de Creonte. O direito de enterrar os mortos é uma necessidade humana reconhecida desde os poemas homéricos. Antígona possui não um direito subjetivo, mas prerrogativas e obrigações, não se refere, portanto, a direitos fundamentais no sentido atual do termo, mas a um direito ancestral. Em tal época havia apenas o direito objetivo, o direito natural. Não era o ser humano na Antiguidade, portanto, um ser de direitos, só havendo deveres, prerrogativas e poderes que pertenciam à condição da pessoa. Já que não se concebiam sujeitos de direitos em tal época, não se trata de um direito subjetivo de Antígona, pois esta é uma noção moderna, mas de prerrogativas. A ideia de sujeito de direito começa a se delinear pós-cristianismo, pós Paulo, o primeiro dos críticos, com quem teria se iniciado o pensamento crítico e também o nascimento dos direitos subjetivos, ou podemos ver em Antígona um germe do nascimento do direito subjetivo? Antígona se coloca contra o decreto de exceção, excessivo de Creonte, o tirano tirânico, não basileu, sem a descendência que o legitimasse. Creonte exerce como tirano o poder em Tebas e nessa condição emite um decreto proibindo que se dê sepultura digna a Polinices, considerado uma espécie de inimigo de estado, o que pela crença de então resultava em uma condenação eterna da alma do morto.
A pena para quem descumprisse o decreto era a morte por apedrejamento. Mas é justamente isso o que fará sua sobrinha e futura nora, Antígona, invocando as leis tradicionais, de origem divina, que garantem aos familiares o direito de enterrar seus mortos, expondo-se assim à pena que Creonte não hesitará em mandar executar, ainda que se permitindo alterá-la para o emparedamento ainda viva, a demonstrar o seu total descompromisso com qualquer norma anteriormente estabelecida, mesmo que por ele próprio, questionando com sua postura a lei ditatorial e tirânica, o direito formalmente positivo, mas substancialmente injusto do seu tio Creonte, posicionando-se a favor de leis divinas e eternas, imutáveis, inderrogáveis por qualquer decreto de ocasião, de exceção, como o que editara Creonte, enquanto tirano. Creonte afrontou as leis divinas, desrespeitou as forças do Hades, sendo essencial seu respeito para que se mantenha o equilíbrio do Universo e das divindades, e é contra tal lei divina e eterna que Creonte atua.
Não há assim por parte de Antígona ato de desobediência civil, pois age contra algo injusto, contra uma ordem injusta de Creonte, portanto, há em Antígona uma legítima objeção de consciência. É um claro exemplo de estado de exceção a conduta de Creonte, já que justifica um direito novo, de guerra, entre Tebas e o invasor, Polinices, mesmo que isso cause a destruição de sua família e de sua cidade. Antígona afinal é uma heroína, uma santa, uma terrorista, uma homo sacer ou uma criminosa? Sua conduta seria considerada um crime ou trata-se do direito à resistência quando diante de leis injustas e imorais, que vão contra os direitos costumeiros, tradicionais, sendo estes um direito positivo também, existentes muito tempo antes do direito positivo, no caso o decreto de Creonte? O decreto de Creonte se revela então como um antidireito, um decreto de exceção, com base na força, de guerra, agindo como se ainda estivesse na guerra que já havia, contudo, acabado e vencido, sendo inconstitucional, contrário à constituição tradicional, não escrita. O tratamento que foi dado a Antígona, a quem também não se aplicou a pena prevista de apedrejamento, trocada pela condenação à morte por emparedamento, viva, bem demonstra a presença de um estado de exceção.
Antígona possui um duplo caráter, podendo ser retratada como santa, do ponto de vista do direito tradicional, costumeiro, da lei divina, direito acima do direito posto formalmente, metapositivo e de origem religiosa, mas também como criminosa (terrorista), do ponto de vista do direito positivo, ainda que de validade questionável, como é o que produzem as tiranias. No entender de Willis Santiago Guerra Filho, Antígona com seu caráter revolucionário, e portanto, heroico, praticou uma ação transgressora ao enterrar seu irmão, mas sua ação não é uma violação de uma norma, sendo na verdade o não reconhecimento, como tal, do decreto de Creonte, o qual não passa na verdade, de mero ato de força, uma lei marcial. Assim como Adorno prevê a necessidade da elaboração do passado na Alemanha após a 2ª Guerra Mundial, depois do holocausto, da mesma forma no Brasil se torna imprescindível o direito à memória, à verdade, ao conhecimento do passado, pois somente conhecendo o passado é possível controlar este e assim também controlar o futuro. Com a obrigação e a imposição de se esquecer, na verdade tal memória não é de todo afastada, e daria ensejo ao ressentimento, impedindo a instauração do novo, e mantendo as pessoas presas no eterno igual, já que o perdão, envolvendo a dádiva, não pode ser coagido, apenas dado.
Cabe-nos, com isso, refletir se é ainda possível se falar em filosofia moral na nossa sociedade pós-moderna, destituída dos valores mais básicos, com o Direito vazio, sem uma fundamentação superior, como outrora ocorria na Antiguidade, já que estamos vivendo sob a ética e a moral individuais, daquilo que é bom para mim e do predomínio do Direito positivo, normativista e puro dogmatismo, influenciado pela normose, a doença da normalidade. A ausência de Direito e de Justiça, vigorando agora o vazio e o absoluto, o niente e o nulla é vislumbrada na recente decisão do Pleno do STF, que decidiu por seis votos a três sobre o afastamento do Presidente do Senado Renan Calheiro por ser réu em um processo judicial, apenas da linha sucessória da Presidência da República, mas não do cargo do Senado, o tal “jeitinho brasileiro”. Outro exemplo de plena “força” e não mais de “lei”, é a liminar concedida pelo Min. Marco Aurélio afastando o senador do seu cargo do Senado Federal e não cumprida por este, afrontando o princípio da separação dos poderes, verdadeiro paradoxo encontrado e repristinado ad nauseam, quando se vive-sobrevive em um estado de exceção.
O mundo enfrenta hoje, possivelmente, a maior ameaça aos direitos humanos desde a adoção da Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, com a perda da confiança no sistema internacional, crise do Direito fruto da União Europeia ante a falta de legitimidade de suas instituições, uma grave crise dos direitos fundamentais no Brasil, crise dos direitos humanos, apesar de sua proliferação em Tratados Internacionais.
Com certeza, uma das vias de fuga que precisamos adotar de forma correta e corrente é a do “princípio de proporcionalidade”, considerado o “princípio dos princípios”, a “garantia das garantias”, com natureza dúplice de regra e princípio, portanto contrariamente ao entendimento de Luís Virgílio Afonso da Silva em sua interpretação de Robert Alexy como sendo sua natureza de regra tão somente. Entendimentos, pois, que a proporcionalidade é uma norma de Direito material e processual, uma garantia fundamental, inerente à cláusula do devido processo legal, inerente à fórmula do Estado Democrático de Direito, aplicando-se todo o entendimento aqui exposto conforme o posicionamento de Willis Santiago Guerra Filho, pioneiro no Brasil de tal temática, seguindo a doutrina tedesca, mas se distanciando e trazendo críticas à posição relativista de Robert Alexy. Tal posição é criticada por não trazer uma proteção efetiva ao princípio da dignidade humana, já que permitiria sua afronta desde que respeitado o princípio da proporcionalidade em sentido estrito, correspondente, no seu entender à lei do sopesamento, segundo a qual, quanto maior o grau de não satisfação de um princípio, tanto maior deverá ser a satisfação do outro princípio, sem considerar, portanto, que a dignidade humana jamais poderá ser anulada.
A grande parte dos julgados mais recentes do Supremo Tribunal Federal ao adotarem a doutrina de Robert Alexy, no caso de colisão de princípios-direitos fundamentais, segue a utilização da “Fórmula Peso Ampliada” representando a lei do balanceamento, qual seja, “quanto maior for o grau de não realização de, ou prejuízo a um princípio, maior deve ser a importância da realização de outro princípio”. Tal proposta segue um modelo triádico, utilizando-se três categorias para as avaliações ou juízos de valor, leve (fraca – f), mediana (média-m) e pesada (forte-F), sofrendo fortes críticas, já bastante divulgadas, por Habermas[40] em seu livro “Direito e Democracia. Entre Faticidade e Validade”, entre outros juristas. Questionamos a utilização de uma fórmula matemática para solução da colisão entre direitos fundamentais, por entender não ser esta adequada ou mesmo possível de aplicação na solução de hard cases e para comprovar a racionalidade da aplicação do método de ponderação na resolução de conflitos. Isso porque se tenta transpor valores e princípios em razões matemáticas.
Dessa forma direitos, valores, princípios são transformados em números, algoritmos, em coisas, favorecendo uma análise reducionista, simplista, impossível de ser adotada em se tratando de direitos fundamentais e humanos com sua natureza múltipla. Questões tão complexas e multissetoriais como os direitos humanos e fundamentais, com suas múltiplas dimensionalidades. Direitos fundamentais não são possíveis de serem enquadrados nos limites de um número. Não é possível utilizar-se de um procedimento que garanta a segurança jurídica, no sentido de dispor de parâmetros de segurança, objetividade e racionalidade, ao se transpor para vetores de uma fórmula matemática, direitos e princípios fundamentais. São duas racionalidades de natureza diversa, e a utilização da fórmula não evita o risco de arbitrariedade e forte carga de subjetividade que tenta evitar, pois na atribuição dos pesos de cada fator envolvido é possível o emprego da subjetividade, da arbitrariedade e da manipulação conforme interesses e valores pessoais. A fórmula matemática é inócua, não resolve o problema da racionalidade da ponderação para o qual ela foi criada.
Vemos com a mesma preocupação o modelo matemático proposto por Marcio Pugliesi usando a teoria dos jogos, apesar de considerar um dos pontos fundamentais para a solução de conflitos jurídicos a negociação, mas justamente por visar a alcançar decisões ótimas[41], ou seja, seguindo a lógica da fórmula de Pareto (“Ótimo de Pareto”), buscando respostas ótimas, na linha da proposta de Alexy, portanto, sendo tal lógica inadequada ao tratamento jurídico, posto que foi desenvolvida e é aplicada em teorias matemáticas e econômicas, mesmo porque se tem a questão de que o “ótimo” é um conceito subjetivo também em certa medida. Ressalta-se que mesmo na área econômica o “Ótimo de Pareto” não é a única opção, estando até em certa medida ultrapassado. Outro crítico importante à “norma” matemática de Alexy é Luís Fernando Schuartz (“Norma, contingência e racionalidade. Estudos preparatórios para uma teoria da decisão jurídica”), por poder ocasionar um “delírio racionalista”, questionando “como assegurar o acesso aos valores concretos das variáveis relevantes que servem de dados para efetuar os cálculos da maneira especificada na fórmula”. Aponta que Alexy usou do artifício de associar a “fórmula da ponderação” com as curvas de indiferença previstas nos manuais de microeconomia, mas em uma versão pobre e diversa do postulado da transitividade, vendo a lei do balanceamento como uma espécie de metarregra de argumentação, uma curva de indiferença de segundo grau. A associação ao “Ótimo de Pareto” estaria equivocada, por presumir que existe um ótimo a perseguir, ou uma única orientação em busca de um tal ponto de ótimo.[42]
Entendemos como sendo a melhor, proposta de ponderação, em se tratando de hard cases, por ser um critério objetivo, racional e procedimental, a aplicação correta do princípio da proporcionalidade, seguindo-se os desenvolvimentos de Willis Santiago Guerra Filho, “o pai” do princípio da proporcionalidade no Brasil, pelo seu pioneirismo. A proporcionalidade é um princípio de exceção, o qual, entretanto, deverá ser aplicado de forma ponderada e razoável, a fim de não se tornar um veneno – ou seja, na devida proporção. O princípio da proporcionalidade é um verdadeiro pharmakon, pois sua correta utilização será o remédio, mas sua utilização irresponsável e arbitrária poderá resultar no veneno, por isso poderá ser tido como uma introdução de uma exceção no sistema, uma espécie de vírus, a inocular o sistema imunitário jurídico, estimulando a produção de anticorpos, a fim de revivê-lo, num renascimento revigorante.
O princípio da proporcionalidade possui a característica da reflexividade, ou seja, tem que haver proporcionalidade no uso da proporcionalidade, evitando-se a banalização de sua utilização, contudo, não podemos fugir de tal risco, já que viver envolve o risco em si mesmo, e fugir a ele somente só faz com que haja seu incremento. É o único princípio absoluto na medida em que deverá ser aplicado sempre no caso de conflito entre direitos fundamentais, ao contrário da característica dos princípios que seria sua relatividade, mas sem com isso o equiparar aos valores, já que os valores são absolutos. Para a aplicação correta de tal princípio é necessário todo um procedimento objetivo, racional, evitando-se arbitrariedades, inseguranças, arbítrios, decisões teratológicas e motivadas por interesses pessoais. A proposta de fórmula matemática de Robert Alexy é própria do cartesianismo, o qual separa, divide os problemas e os conhecimentos em compartimentos estanques, possuindo um aspecto reducionista; contudo, vários julgados do STF seguem tal lógica cartesiana, aplicando de forma expressa tal fórmula matemática, e sequer citando os três subprincípios do princípio da proporcionalidade e demonstrando em concreto o porquê de sua afronta.
A grande parte dos julgados do STF, ao trabalhar com a ponderação, aplica a proporcionalidade como sinônimo de razoabilidade, ou então em sua restrita análise da proporcionalidade em sentido estrito, desconsiderando os demais subprincípios da adequação e da necessidade. Deverá ser aplicado tal princípio para se resolver de forma equitativa, objetiva, racional os chamados “casos difíceis” (hard cases), envolvendo o conflito entre diversos valores e interesses, expressos em outros princípios fundamentais (ou direitos fundamentais, consagrados em normas que são princípios) da ordem jurídica (não é conflito entre valores – sistema da ética ou religião, entre interesses, economia, ou política). Tal princípio é capaz de dar um “salto hierárquico” (hierarchical loop) de que fala Douglas Hofstadter, ao ser extraído do ponto mais alto da “pirâmide” normativa, podendo até mesmo ser considerado como a norma fundamental buscada por Kelsen em sua “Teoria Geral das Normas” (Willis Santiago Guerra Filho), mas também em sentido diverso deste, já que baseada em concepção diversa, a saber, aquela postulada por Willis Santiago Guerra Filho. Ocorre a validação do Direito na aplicação (validação tópica), quando vai para baixo do sistema jurídico, na base), para ir até a sua “base”, onde se verificam os conflitos concretos, validando as normas individuais ali produzidas, na forma de decisões administrativas, judiciais etc.
Trata-se de uma validação tópica, pontual, isto é, a validade se dá pontualmente, não é de antemão prefixada, mas vai se dar na aplicação, com o princípio da proporcionalidade, de preferência, para ter legitimidade, permitindo atribuir um significado diferente a um mesmo conjunto de normas, a depender da situação a que são aplicadas. Essa validação específica para as sociedades hipercomplexas da pós-modernidade substitui a linearidade do esquema de validação kelseneano pela estrutura hierarquicamente escalonada do ordenamento jurídico em circularidade, com o embricamento de diversas hierarquias normativas, as tangled hierarchies da teoria sistêmica.
Assim sendo, o princípio da proporcionalidade, quando de sua aplicação, sai do alto da pirâmide normativa para a base, mas não vai em linha reta, de forma linear, mas de forma espiralada, pois envolve a conjunção de princípios oriundos das mais diversas proveniências, de ordem política, econômica, estética, religiosa, que estariam por trás dos princípios jurídicos fundamentais, isto é, ocorre um verdadeiro acoplamento estrutural quando da aplicação do princípio da proporcionalidade, com destaque para a interdisplinaridade e transdisciplinaridade. Tal princípio permite realizar o chamado balancing, balanceamento, ponderação, sopesamento de direitos, interesses e bens, equilibrium, ideia esta expressa na palavra alemã Abwägung, considerado a contrapartida necessária de uma “justiça poética”, necessária para se atingir a beauté géométrique, a beleza geométrica do Direito, um Direito, portanto “poético”, poiético, enquanto uma arte.[43]Tal faceta se revela até mesmo no significado literal da palavra “proporcionalidade” por evidenciar uma qualidade, a proporção, a simetria, a beleza, ser proporcional é belo (“Teoria Poética do Direito”).
O Poder Judiciário não está cumprindo com sua função jurisprudencial, com ênfase no STF, ocorrendo uma crise sistêmica, o que demonstra que vivemos em plena crise que se pode caracterizar como eco-epistemológico-autoimunitária, por vivermos em um atual generalizado estado de coisas falsamente constitucionais, logo, inconstitucionais. Claramente vivemos em um estado de não direito, de exceção, de apenas força e nem sequer mais da força-de-lei, inexistindo qualquer comprometimento com a realização da justiça, com a ideia básica do direito pelo Poder Judiciário, portanto, contribuindo com o desrespeito sintomático aos direitos fundamentais e humanos, com ênfase ao desrespeito aos direitos dos povos indígenas, desde a adoção da tese inconstitucional do “marco temporal”, apesar de o Brasil possuir o dever de proteção a tais direitos tanto nacional como internacionalmente, a fim de consagrar o respeito à fórmula política-jurídica do “Estado Democrático de Direito”.
Com a modernidade, as crises se acirraram e se agravaram todos os paradoxos possíveis, sendo insuficientes os antigos critérios de hermenêutica jurídicas (gramatical, lógico, histórico, teleológico e sistemático), criados na época de Savigny (início do século XIX), com base em outra mentalidade jurídica e em outra fase histórica, sendo medida de rigor a adoção de novos critérios de hermenêutica constitucionais, onde se destaca a necessária diferenciação entre normas jurídicas que são regras, das que são princípios, e uma análise via princípio da proporcionalidade, nos casos envolvendo conflitos de direitos fundamentais e humanos. Por exemplo, o adágio latino interpretativo, muitas vezes ainda utilizado pelos aplicadores do direito, in claris cessat interpretatio, é uma forma de interpretação, quando se trata de direitos fundamentais, das normas e princípios constitucionais, totalmente ultrapassada. A “clareza” que faria cessar a interpretação, de maneira arbitrária e injustificada, é atingida quando ela favorece os interesses do interpretante, ainda em etapa inicial e camada superficial de um processo intelectivo que, em países como o nosso, em que se adota a fórmula político-jurídica do Estado Democrático de Direito, não pode deixar de atingir o ponto em que se discutem os princípios e direitos fundamentais concernidos.
É vital à sobrevivência do próprio sistema jurídico como um sistema autopoiético, sua adaptação e constante alteração, simultaneamente sendo para tanto indispensável toda uma nova hermenêutica de interpretação adequada e adequadora em se tratando de hard cases, por insuficientes os antigos critérios de hermenêutica tradicionais. Muitos equívocos de interpretação do Direito se devem à errônea noção de que os princípios constitucionais, como, por exemplo, da liberdade contratual, da relatividade dos contratos, da supremacia do interesse público, seriam princípios absolutos, confundindo-se princípios, sempre com uma dimensão de relatividade (com exceção do princípio da proporcionalidade, único princípio absoluto), com valores, estes sim, absolutos, no âmbito deontológico e ideológico em que se situam, aí existindo validamente em tal condição.
E exatamente porque os princípios jurídicos são relativos, e que, portanto, podem colidir em dada situação concreta, é que se faz imprescindível o emprego do princípio da proporcionalidade. Infelizmente em sua grande maioria, a jurisprudência pátria, na mesma linha que a doutrina pátria, vem aplicando o princípio da proporcionalidade de forma incorreta, cingindo-se à mera alegação de sua afronta, sem uma necessária e indispensável demonstração racional, objetiva e metódica de tal afronta, logo, inexoravelmente, a análise do confronto de tais princípios com outros princípios constitucionais e direitos fundamentais envolvidos. Portanto, é desconsiderada na quase totalidade dos julgados do STF a tríplice faceta do princípio da proporcionalidade, ou seja, seus subprincípios, a saber, o da adequação, o da necessidade ou exigibilidade e da proporcionalidade em sentido estrito ou máxima do meio mais suave, entendido como uma determinação de respeito oniabrangente da dignidade humana.
A política atual já se encontra morta, vez que renunciou a seu papel de promover a sobrevivência da polis, assim como ocorreu com o fim de Veneza em 1797, com a invasão de Napoleão Bonaparte, nos moldes tradicionalmente praticados, fundados na ação e na luta, no contexto do domínio da economia e do Estado. Cabe refletir se é possível uma política de alta qualidade, comprometida com a parresia, em uma sociedade sem diálogo, afetando com isso o sistema social.
Nesse sentido, a importância das considerações dos chilenos Humberto Maturana e Francisco Varela, em sua abordagem sistêmica no campo da Biologia, ao entender que só se poderia falar em sistema social, através de interações sequenciais mútuas entre sistemas, operando em um «domínio consensual», ou seja, só há relacionamento social quando houver relações de aceitação mútua, com respeito um pelo outro como legítimo outro – isto é, como diferente. Portanto, ao negarmos o outro, a diferença, o diferente, negamos a nós mesmos e fechamos o diálogo; recusamo-nos a ser nós mesmos, e nesta perspectiva não vivemos em âmbito de uma relação social, já que estas são fundadas na sobrevaloração de um indivíduo, que manda, e desvalorização do outro, que obedece. Segundo Nietzsche[44], a origem da justiça versa sobre a ideia de equilíbrio como pressuposto de todos os pactos e de qualquer direito, questionando a moral da compaixão, perguntando ”e se a verdade fosse exatamente o oposto, se nossa velha moral fizesse parte da comédia?”, recomendando a leitura como arte, ao que se faz necessário, antes de tudo, o ruminare, não ser um homem moderno.
Na relação entre a culpa e o débito a justiça se tem início, com o tudo se pode pagar, tudo deve ser pago, terminando com o fechar os olhos e deixar andar o insolvente, acabando com a suspensão de si própria, a autossuspensão da justiça, denominada de “graça”, al di lá del diritto. Assim, o Estado de Direito somente pode ser estado de exceção, enquanto restrição parcial da verdadeira e própria vontade de vida, tratando-se de um ordenamento hostil à vida, um ordenamento destruidor e dissolvente do homem, uma via oblíqua verso ao nada. Nietzsche contradiz a origem social como fundada no contrato social, afirmando ser na violência, no que é corroborado por Michel Foucault. Seria algo semelhante ao eterno retorno, mencionado por Nietzsche, também encontrada em pensadores como Freud e Marx, a questão da repetição, a repetição da história, mas como farsa, como paródia? Segundo Vico, a história se desenvolveria não em um círculo, mas em uma espiral poética, e a história nunca se repetiria, já que sempre cria alguma inovação. O eterno retorno do mesmo, mas não do igual. O fim seria outro início, como bem acentuaria o nome do livro de Joyce “Finnegan´s Wake, ou seja, a conjunção das palavras Finn (final) e egan (início).
O pensamento moderno opera rupturas, afasta a tradição portadora de permanência e absorve tudo sob o aspecto do movimento, sendo deste o instrumento e a expressão. Georges Balandier nos convida a reencontrar a força da tradição emancipadora, na construção de uma sociedade autogovernada, com autonomia individual e coletiva, afirmando a democracia como a única que permitiria restituir um vigor aos debates, utilizando suas incertezas e contradições como um remédio antidogmático.[45]
Precisamos de algo que ponha fim à comédia das contradições humanas, ou precisamos assumir nossas contradições e as do Direito, ao invés de negar estas e aumentar seu poder?[46]
Precisamos de uma nova underground railroad, ou nos dizeres de Agamben, se baseando em Derrida, de vias de fuga em nossa sociedade do controle, da disciplina, ou com influência em livro conhecido de Guatarri,[47] no sentido de serem necessárias as vias de fuga da intensa desterritorialização generalizada, possibilitando novas subjetivações, fugas dos paradigmas científicos dominantes, de verdades absolutas e saberes inquestionáveis. Precisamos de anticorpos à crise autoimunitária do Direito. Aquilo que não nos mata nos torna mais fortes, como bem diz Nietzsche em seu livro “Crepúsculo dos ídolos, ou como se filosofa com o martelo”. Filosofia do martelo, antídoto para a doença do mundo, ou doença do homem no mundo.
Atualmente verifica-se, portanto, a necessidade de uma nova forma de fundamentação do Direito, com reflexos na sua (auto)fundamentação única e exclusivamente na violência, algo que se mantém desde a sua origem até hoje, sendo essencial a análise do vínculo rompido com a modernidade do Direito com uma instância transcendental que o legitime, a qual poderia se dar em termos sacramentais, religiosos, mágicos ou mitopoéticos. A partir da constatação do discurso do Direito como uma neurose, voltado à crença que trabalha para construir fetiches, servindo à mentalidade opressora, de um saber “que faz a lei transbordar efeitos doentios de amor”, busca-se verificar, a partir do reconhecimento da doença, qual a salvação, o remédio, o pharmakon, poderia ser o reconhecimento, conforme propõem autores como Farhad Kosrokhavar, de um vínculo transcendental das instâncias sociais – como aquela jurídica, e mesmo enquanto constitutivas dos sujeitos, tal como no passado da modernidade – com a religião e/ou com a magia, que se encontram, a exemplo da mitopoética, presentes em manifestações as mais diversas. Trata-se antes de mais nada de um discurso fertilizado pela análise da relação entre Direito, Magia, Religião, tão presente na Antiguidade, tendo tal vínculo sido rompido com a Modernidade.
Ao tratar da Religião, estamos tratando do próprio fundamento do existente e da existência, ao tratar também de Deus, sendo este o objeto privilegiado da Teologia, aproximando-se da Arte, da Estética e da Ética, pelo distanciamento do racionalismo, bem como do Direito, já que nesses todos, enquanto modos de conhecimento amparados em produtores de valores, há uma estrutura dogmática e hermenêutica. O ser humano se produz neste encontro entre Direito e Religião. O societas é um misto de Direito e Religião. Direito como a arte do conhecimento das coisas divinas. Legein significa colheita, colher, ligando-se, pois, à cultura, a logos, ao discurso, já que não seria correto seu significado como “razão”, e pois, à religião que por sua vez remete à reafirmação da lei, e à religação, embora uma segunda interpretação considere religião relacionada à “leitura”, re-legere.
Uma epifania, epifanizar o direito, erotizar o direito, fugindo da atual massificação pornográfica do direito, que já se inicia com sua transposição de tragédia grega em comédia romana, pois já em Roma começa a predominar a pornografia com o início do Império, prenunciada pelas leis repressoras de Augusto – a condenar e, assim, perverter a pulsação erótica da vida e sua expressão poética – e pela translatio imperii é este império o que ainda nos domina. Por uma compreensão não literal e não gramatical do Direito limitada a ver este apenas como ordem, decisão e medida, mas aliado ao sonho, às artes e à transgressão.84
Devemos assumir uma postura dionisíaca e de amor fati, aceitando a vida com tudo o que ela tem de bom e de ruim também, aproximando-nos e o Direito da Arte. O Direito então deveria se reaproximar da comédia ou da tragédia a fim de encontrar suas raízes e se reaprofundar, recuperar suas raízes e uma fundamentação superior e imprescindível, como na Antiguidade, com os gregos com a função política das tragédias gregas, das artes em geral, mesmo porque a arte estava repleta de ritos, de performatividade, em especial, as tragédias gregas, com seu patrono Dioniso e sua religião pagã. Dante revolucionou à época , o Direito; sua obra “A divina comédia”, com a passagem do poeta pelo inferno, purgatório e paraíso, sendo guiado até o purgatório por Virgílio, pagão, onde encontra sua amada Beatriz, mas não pode ficar com ela, pois retorna à vida propriamente dita, vez que trouxe a soberania do artista, além das únicas existentes à época, da igreja e do imperador. Direito como criação e como arte.
Pretende-se uma teoria que consiga o resgate do tempo mítico, percebendo-nos que tudo é falante, nos reintegrando à natureza, já que fomos desconectados desta, e por isso também somos seres em aberto, ouvindo a voz dos animais e o canto dos pássaros que habitam os rios. Contra a desertificação do conhecimento e em prol da criatividade, da espontaneidade e da sensibilidade erótico-poética. Na linha de Heidegger, é necessário deixar ser o ser, abrir-se em favor do mistério, por necessário encontrar o extraordinário no ordinário. Postula-se pela necessidade de se incentivar o questionamento e o pensamento crítico, transgressional, poético-erótico, trazer mais questionamentos e menos certezas, um pensamento desterritorializante, transgressor e erótico. Do que se trata então é da busca do amor (philia) ao discurso, à palavra (logos), isto é, à poesia, em uma tentativa de santificarmos o riso, como afirma Nietzsche, o que correlacionamos com Agamben em um dos seus últimos livros “Pulcinella ovvero Divertimento per li regazzi”, a comédia vista como uma possível via de fuga, ao invés da violência que cresce dia a dia. Teria a política moderna se transformado em paródia, em comédia, em tragicomédia, ou nos dizeres de Agamben, em “hilaro-tragédia”?
Teria o Direito se revelado como farsa, permanecendo mais próximo do que nunca da paródia do que da comédia e da tragédia? Agamben no livro “Pulcinella ovvero Divertimento per li regazzi”, traz uma importante reflexão acerca da relação entre comédia, teatro e política, afirmando a necessidade de buscarmos “linhas de fuga”, “linhas de saída”, possibilitando a renovação do pensamento acerca do mundo e da nossa existência, verbis: ubi fracassorium, ibi fuggitorium, onde há uma catástrofe, aí há uma linha de fuga[48]. Nas palavras de Agamben: “(…) Pulcinella mostra que ainda há algo para fazer quando não é mais possível agir, e ainda há algo para dizer quando não é mais possível falar”.
O Direito precisa de um elemento transgressor, até mesmo para sua autopoiese, transgredindo-se a ordem. Como no caso do trickster ou do palhaço ou bufão cerimonial o qual segundo Balandier, com sua permissividade total, performático, exerce uma teatralização ritual e atua como equilibrador.[49]
Trickster como uma espécie de deus, deusa, espírito, homem ou animal antropomórfico que prega peças, ou desobedece regras, elemento comum nas tradições de muitos povos indígenas. Um exemplo é o “Heyoka” sagrado, com a função de lançar truques e jogos, contribuindo para o aumento da consciência social.
Precisamos de transgressão ao Direito. No sentido de Bakhtin quando denomina a força dialógica da linguagem de pluridiscursividade, em luta contra a reificação monológica do discurso, como uma única verdade imposta, com respeito à alteridade e ao diferente. No sentido também de Viveiros de Castro ao citar o termo diferença relacionante, com o que associamos a Winicott, ao mencionar este que se relacionar exige um respeito à alteridade, com o que associamos a Foucault, no sentido de cuidado de si e de uma atividade relacional, não isolada e ao amor de si de Rousseau. Por um discurso polifônico, tal como exposto por Bakhtin, quando entre o sujeito e o outro estabelece-se o espaço da alteridade, vinculada, portanto, ao discurso e à permanente evolução, respeitando-se a multiplicidade de vozes da vida social e cultural, e a pluralidade de consciências equipolentes, o respeito pelas alteridades,[50]substituindo-se assim a relação eu-eu, por eu-tu, a relação eu-objeto do conhecimento, por eu-sujeito do conhecimento, reconhecendo-se a relação entre sujeito e o outro, no entre. Simples utopia?
[1] Laymenrt Garcia dos Santos, “Brasil contemporâneo: estado de exceção”, e por Rafael Valim, “Estado de Exceção: a forma jurídica do neoliberalismo”, São Paulo, Cia. dos Livros, 2017.
[2] E. Raúl Zaffaroni. “O inimigo no direito penal”, p. 142.
[3] Jean-Claude Guillebaud, “A vida viva. Contra as novas dominações”, p. 14.
[4] Karl Marx, “Miséria da Filosofia”, 1847, p. 113; Jorge Grespan. “Karl Marx A mercadoria”. Ensaios Comentados, Editora Ática, São Paulo, 2006, nota 34, p. 82. Verbis: “Os economistas se comportam de um modo estranho. Existem para eles dois tipos de instituição, artificiais e naturais. As instituições do feudalismo são instituições artificiais, as da burguesia, naturais. Eles se igualam nisso aos teólogos, que diferenciam também dois tipos de religião. Cada religião que não seja a sua, é uma invenção dos homens, enquanto a sua própria religião é uma revelação de Deus. Com isso houve uma história, mas não há mais nenhuma”.
[5] Jean-Claude Guillebaud. “A vida viva. Contra as novas dominações”. Bertrand Brasil, p. 56 e ss.: “Os direitos humanos, em suma, são submetidos ao exame comparativo de mercado. São avaliados os seus respectivos desempenhos. Eles são progressivamente vistoriados pela obsessão contábil. (…) os mais protetores serão julgados com menos indulgência que os mais flexíveis (…).
[6] Jorge Gespan. “Karl Marx A mercadoria”, cit., p. 83. 20 Ibidem, p.71.
[7] Ibidem, p.74.
[8] Ibidem, p.75-77.
[9] São Paulo: Ed. Boitempo, 2008.
[10] Jacques Rancière, “Ódio à democracia”, Editora Boitempo Editorial, 2014.
[11] Dados do Ministério da Justiça e do Instituto de Segurança Pública do Rio de Janeiro. Há 220 casos denunciados entre 2014-2015, com 183 casos em andamento, 12 arquivados, e um único caso de denúncia efetiva pelo MP – dados obtidos no Seminário sobre tortura no Brasil, dados de 2014-2015, XXX Congresso Limiti del Diritto, SIFD – Sociedade italiana de filosofia del diritto – Unisalento, Lecce-It.
[12] Luiz Flavio Gomes, JusBrasil, “Segurança pública e o acesso à Justiça – teoria, problemas e modelos de solução”, in Marco Antônio Azkoul, 2015, São Paulo, p. 441-446.
[13] Estudo da OXAFAM de 16.01.2017, www.oxfam.org.br/publicacoes/uma-economia-para-os-99.
[14] Jean-Claude Guillebaud. “A vida viva. Contra as novas dominações”. Bertrand Brasil, p. 52-53.
[15] Ibidem, p. 53 e ss..
[16] Fonte: Banco Mundial e FMI – dados de 2015.
[17] Jean-Claude Guillebaud. “A vida viva. Contra as novas dominações”. Bertrand Brasil, p. 52-53.
[18] Ibidem.
[19] Eduardo Bittar, “Educação e metodologia para os Direitos Humanos”, p. 67; Regina B. Bley, “Direitos humanos e políticas públicas. Estado sociedade e políticas públicas para mulheres”, p. 76 e ss.
[20] Regina B. Bley, “Direitos humanos e políticas públicas. Estado sociedade e políticas públicas para mulheres”, p. 28-30.
[21] Ibidem, p. 28-31.
[22] Relatório sobre DH das Nações Unidas – 1992; Regina B. Bley, “Direitos humanos e políticas públicas. Estado sociedade e políticas públicas para mulheres”, p. 28-30.
[23] FIPE, 2009.
[24] Jean-Claude Guillebaud. “A vida viva. Contra as novas dominações”. Bertrand Brasil, p. 52-53.
[25] Regina Bley, “Estado, sociedade e as políticas públicas para as mulheres”, p. 335 e ss.
[26] Fonte: Sim – Sistema de informações do direito de saúde, Regina Bley, “Estado, sociedade e as políticas públicas para as mulheres”.
[27] Artigo Luiz Flavio Gomes, JusBrasil.
[28] Ibidem.
[29] Relatório Nº 34/96 DA CIDH, envolvendo os casos 11.228, 11.229, 11.231 e 11.282, ref. Chile.
[30] Caso Guerrilha do Araguaia – petição de 7 de agosto de 1995, protocolada pelo Centro Pela Justiça e o Direito Internacional (CEJIL) e a Human Rights Watch/Americas.
[31] “O que resta da ditadura. A exceção brasileira”. Orgs. Edson Teles e Vladmir Safatle, Ed. Boitempo, 2010, artigo “Brasil a ausência significante política (uma comunicação)”, p. 182 e ss.
[32]http://agenciapatriciagalvao.org.br/mulheres-de-olho-2/judith-butler-o-queer-e-uma-alianca-depessoas-em-vidas-precarias/.
[33] Boaventura de Sousa Santos, “Esquerdas do mundo, uni-vos!”, Editora Boitempo, São Paulo, 2018, p. 84.
[34] Georges Balandier, “A desordem”, p. 159,160,161, 167,168, 171, 180, 182, 185, 228.
[35] J. Derrida, “Espectros de Marx”, p.34.
[36] Maurice Blanchot, “O fim da filosofia”, La nouvelle Revue Française, 1959, ano 7, n.80.
[37] Jacques Derrida, “Espectros de Marx”, Editora Relume Dumará. Verbis: “Domina o discurso maníaco com a forma jubilosa e obscena que Freud atribui a uma fase triunfante no trabalho de luto”.
[38] Antonio Negri, texto “O exílio”, p. 87.
[39] R. Esposito, “Di fuori”, p. 30. No mesmo sentido expõe Nietzsche:“(…) sentenza conforme alla legge non come legittimitá ma come legalitá, cioé con riguardo alla sua stretta inviolabilitá di legge che non ammette eccezioni o trasgressioni…il diritto nel senso di libertá si oppone alla legge come mezzo di obligo (…) l´opposizione teologica fra antico e nuovo testamento, che pone la legge contro l´evangelo (…) nomos x legge, (…)“. “Ecce uomo. Come si diventa ciò che si é” . “ECCE HOMO. Como se chega a ser o que se é”. Tradutor: Artur Morão Colecção: Textos Clássicos de Filosofia Direcção da Colecção: José Rosa & Artur Morão Design da Capa: António Rodrigues Tomé Composição & Paginação: José M. S. Rosa Universidade da Beira Interior Covilhã, 2008. p. 91.
[40] Habermas, “Direito e democracia. Entre Faticidade e Validade”, 2. Volumes, Tempo Brasileiro, Rio de Janeiro, 1997.
[41] 2009, p. 185, p. 205
[42] Luís Fernando Schuartz, “Norma, contingência e racionalidade. Estudos preparatórios para uma teoria da decisão jurídica”, Ed. Renovar, Rio de Janeiro, 2005, cap. 3 – nos limites do possível: balanceamento entre princípios jurídicos e o controle de sua adequação na teoria de Robert Alexy, p. 179 e ss., p.195, 197-198, 212, 218.
[43] Commaille, 1990: 35.
[44] Nietzsche, “A Genealogia da Moral”. 11 ed. São Paulo: Escala, 2013. (Coleção: O Essencial de Nietzsche). Tradução de Antonio Carlos Braga, p. 07; p. 68, p. 72 e ss..
[45] Georges Balandier, “A desordem”, p. 157; p. 244.
[46] Dostoiévski. “Os irmãos Karamázov”. Vol. 1. Editora 34, capítulo “O grande inquisidor”, p. 366 e ss., p. 325.
[47] F. Guatarri “Linhas de fuga, por outro mundo de possíveis”. Ed. Cactus, Buenos Aires, 2013.
[48] G. Agamben, “Pulcinella ovvero Divertimento per li regazzi”, Nottetempo, Roma, 2016. Entrevista publicada no jornal Pagina 99, em 21 de novembro de 2015, nas páginas 24 e 25. Trad.: Vinícius N. Honesko, http://flanagens.blogspot.it/2016/09/do-desastre-nos-salvara-vileza-de.html.
[49] Georges Balandier, “A desordem. Elogio do movimento”. Bertrand Brasil, p. 145
[50] Mikhail Mikhailovitch Bakhtin. “Problemas da poética de Dostoievski”, Rio de janeiro, Forense Universitária, 2010, p. 5. 88 Richard Sennett, “A cultura do novo capitalismo”. Rio de Janeiro: Record, 2006.
*Paola Cantarini é advogada, professora universitária, artista plástica e poeta. Possui pós graduação em direito empresarial, direitos humanos, direito constitucional, mestre e doutora (Filosofia do direito) pela PUC-SP com doutorado sanduíche na Uminho (Braga, Portugal), doutora pela Unisalento (Lecce, Itália). Visiting Researcher na Universidade Scuola Normale de Pisa, com tutoria do professor Roberto Esposito. Pós doutorado na Univ. De Coimbra -CES, Tutor Boaventura de Sousa Santos. Pós doutorado na Unicamp, tutor Oswaldo Giacoia. Possui diversos artigos jurídicos e filosoficos e cinco livros publicados com destaque para “Teoria Poética do Direito com coautoria de Willis S. Guerra Filho e Teoria Erótica do direito.
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