Por bairros mais seguros e cidades mais humanas

Elza FiúzaABr

Créditos: Elza Fiúza / Agência Brasil

A desorganização social

A convivência humana constitui um dos maiores desafios contemporâneos, especialmente em cidades marcadas pelo signo da desigualdade e da desorganização social. A profusão de atores sociais, com seus múltiplos interesses, desejos, ritmos, abordagens e olhares, engendra complexas relações interpessoais e conforma uma gama diversa de dinâmicas comunitárias.

Entre os principais riscos e fatores que ameaçam a sociabilidade nos espaços urbanos estão a violência, o crime, o medo e o sentimento de insegurança. A violência e sua outra metade, o medo, cindem o tecido social, obstaculizando o encontro, interrompendo o diálogo e, no limite, a vida em coletividade.

Wilson DiasAgência Brasil

Brasília, uma capital gradeada | Créditos: Wilson Dias / Agência Brasil

Vigilância de Bairro

Por conta disso, já em princípios da década de 70 do século XX, primeiro nos Estados Unidos[1] e, depois, em muitos outros países do mundo, a exemplo da Grã-Bretanha, na Europa, da Austrália e do Japão, na Oceania, da Colômbia e, mais recentemente, do Brasil, em uma escala menor, mais difusa e menos sistemática, na América Latina, entre outros, a prevenção ao crime passou a contar com iniciativas da população em programas conhecidos como Vigilância de Bairro (Neighborhood Watch)[2].

Esses programas visam à prevenção ao crime a partir de uma contribuição pró-ativa e tecnicamente orientada da e na comunidade onde vicejam, em sintonia com estratégias mais amplas de policiamento orientado à resolução de problemas. De acordo com Skolnick e Bayley, 2006[3], a Vigilância de Bairro pretende potencializar o senso de identidade e pertencimento com o bairro e a vizinhança, com vistas a produzir uma maior responsabilidade coletiva em relação à sua própria proteção e à do seu entorno.

Nesse contexto, diversos são os modelos, arranjos e desenhos organizativos possíveis. Em alguns casos a iniciativa parte das polícias, em outros, do público. Há grande variação do tamanho e das dimensões das áreas em que ocorrem, com maiores ou menores resultados concretos, assim como do protagonismo exercido pelas lideranças comunitárias ou associações de moradores participantes.

Neighborhood_Watch

Placa do Neighbourhood Watch em Canberra, Australia | Créditos: Tim Malone, www.timmalone.id.au, CC BY-SA 2.5, https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=38185346

Possibilidades e distinção

Podem envolver parcerias com o setor privado, a utilização de tecnologias de informação e comunicação (TIC’s) aplicadas ao controle social, advocacy (articulação social) junto ao Poder Público, campanhas de melhoramento de bairro, cursos de capacitação, qualificação da gestão da informação (da elaboração de diagnósticos mais precisos e assertivos da criminalidade à construção de estratégias integradas de controle e prevenção das violências), passando por inúmeras atividades de ocupação pública da rua e de recursos institucionais como parques e praças, chegando ao papel dissuasório que o design e a arquitetura urbana podem cumprir.

A experiência comparada internacional ensina, todavia, que esse tipo de intervenção da cidadania na cogestão da segurança não deve ser confundida com quaisquer formas de justiçamento ou de produção de “justiça pelas próprias mãos”, sendo estas perspectivas nefastas a serem rechaçadas e evitadas, posto que, por sua natureza, colocam em risco os envolvidos, acarretando o seu oposto: mais danos, dores e vitimização.

Técnicas, funções e riscos

Não obstante, resguardados seus limites, essas ações têm o condão de, primeiro, recuperar a confiança das pessoas em relação ao vizinho e aos entes públicos (Guarda Municipal, Brigada Militar, Polícia Civil e demais agências com poder de polícia administrativo do Poder Público Municipal) e, eventualmente, privados (sociedade civil, instituto de pesquisa, empresas de tecnologia e de vigilância).

A incorporação da tecnologia e o aporte da informação para melhor compreender o contexto de emergência dos crimes e violências são outros fatores que concorrem para o potencial sucesso de projetos com esse viés de prevenção situacional.

A par dos riscos de privatização do espaço público e da administração seletiva de conflitos, o protagonismo comunitário, devidamente balizado por profissionais técnicos especializados, em interface com agências públicas de segurança, pode contribuir, decisivamente, para o fortalecimento dos vínculos entre vizinhos, ao passo que induzir o estabelecimento de uma nova gramática entre a população e o Estado, evitando a violência e ampliando a percepção social de segurança. Trata-se, enfim, de uma parceria que, ao observar a lógica do ganha-ganha, incide na e para a construção de bairros mais seguros e de cidades mais humanas!

[1] Vide: http://nnw.org/sites/default/files/CommunityGameplan-March2006.pdf
[2] Os antecedentes históricos podem ser encontrados na chamada Escola de Chicago (Ecologia do Crime). Para mais informações a respeito consulte: FREITAS, Wagner Cinelli de Paula. Espaço urbano e criminalidade: lições da Escola de Chicago. São Paulo: IBCCRIM, 2002.
[3] A esse respeito: SKOLNICK, Jerome H., BAYLEY, David H. Policiamento Comunitário: questões práticas através do mundo. São Paulo: Editora da USP, 2006, p. 19 e seguintes.

 

Eduardo Pazinato é Articulista do Estado de Direito – Advogado. Mestre em Direito (UFSC). Doutorando em Políticas Públicas (UFRGS). Diretor de Projetos Estratégicos do Instituto Fidedigna. Professor-Coordenador do Núcleo de Segurança Cidadã da Faculdade de Direito de Santa Maria (FADISMA). Consultor do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) e do Banco Interamericano para o Desenvolvimento (BID). Associado pleno do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP). É autor, entre outros, do livro: “Do Direito à Segurança à Segurança dos Direito. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2012”. Mais em: www.ifidedigna.com.br.

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