Artigo publicado na 43ª edição do Jornal Estado de Direito
Pesquisas e seus danos no processo eleitoral.
Djalma Pinto
A Lei nº 9.504/97 proíbe a propaganda eleitoral, no rádio e na televisão a partir da antevéspera da eleição (art. 47) e qualquer propaganda no dia do pleito (§ 5º, III, art. 39), justamente para que o cidadão possa refletir e fazer a melhor escolha entre os nomes daqueles que postulam o seu voto. Não há, porém, propaganda mais chamativa e estimuladora do que a divulgação de pesquisa no dia do pleito. Na manhã da votação de um primeiro turno, por exemplo, um jornal de grande circulação noticiando, em manchete de primeira página: candidato A – 26%, candidato B – 22%, candidato C – 19% e candidato D – 14%; margem de erro 3%; terá produzido a propaganda mais portentosa em favor dos postulantes tidos como favoritos.
Afinal, qual motivação terá o eleitor, sobretudo o indeciso, para votar no candidato apontado em quarto lugar, ao ser induzido a não perder seu voto? Muitos simpatizantes dos candidatos apontados como menos votados, nessa pesquisa, por exemplo, se posicionarão em favor do candidato B para impedir que o candidato A se cosagre vencedor; outros, que não desejam a vitória de B, farão opção pelo o candidato A. O “voto útil” é uma realidade inquestionável.
Apuradas, porém, as urnas, o candidato D, ao invés de 14% obtém 20,97% dos votos. Ou seja, a pesquisa, que apontava uma margem de erro ou um erro estatístico de 3%, apresentou um erro de 6,97%, causando, assim, um dano inquestionável ao postulante apontado como sem chance. Margem de erro, como se sabe, é o percentual para mais ou para menos que o próprio elaborador da pesquisa admite poderem oscilar os seus dados. É admitida na ciência como “erro estatístico”. O problema se instala quando o erro ao invés de 3% é de 6,97%, ou seja, mais de duas vezes a margem admitida. O dano causado passa a ser injustificado. Para afastar a sua configuração, cabe ao instituto responsável pela elaboração da pesquisa esclarecer qual “fato bizarro”, entre a data da coleta e o dia da eleição, teria ocorrido para motivar tão acentuada oscilação. Afirmar que a vontade do eleitor é instável, que o indivíduo não fala a verdade para o entrevistador é inaceitável porque são essas “variáveis” que motivaram a criação da “margem de erro”. A lição do autorizado professor da Universidade de Nova York, Charles Safe, precisa ser mais propagada no Brasil: “Digamos que uma pesquisa de opinião revele que 64% dos ingleses preferem chá a café. Os responsáveis pela pesquisa sabem que a aleatoriedade do universo – o erro estatístico – pode afetar o resultado do estudo. A resposta correta pode ser realmente 64%. Em vez disso, talvez fossem 62% ou 66% ou até 93%., caso ocorresse um evento particularmente estranho, capaz de afetar a amostra. Quando os pesquisadores dizem que a margem de erro é de 3%, essa é uma expressão de sua confiança de que a aleatoriedade do universo afetou a amostra em apenas três pontos percentuais para mais ou para menos, isto é, que A RESPOSTA CERTA ESTÁ entre 61% e 67%. Contudo, essa confiança não é absoluta. A aleatoriedade é, bem, aleatória, e às vezes um conjunto de eventos peculiar e improvável pode deturpar o resultado de uma pesquisa em mais de 3%. ENTRETANTO, ALGO TÃO BIZARRO SÓ ACONTECE MUITO RARAMENTE. APENAS UMA EM CADA VINTE PESQUISAS DE OPINIÃO DESSE TIPO É AFETADA POR EVENTOS ESTRANHOS CAPAZES DE DETURPAR OS RESULTADOS EM MAIS DE 3%. Na maioria das vezes – em dezenove de cada vinte pesquisas de opinião como essa -, a aleatoriedade do universo NÃO PROVOCA ALTERAÇÕES SUPERIORES A 3%.” (Os números (não) mentem – como a matemática pode ser usada para enganar você. Rio de Janeiro: Zahar. 2012: p.92.)
Sem explicar o fato “bizarro” que teria motivado a absurda ultrapassagem de sua margem de erro de 3%, a pesquisa provocou dano à candidatura indefesa e deve responder na forma da lei.
O parágrafo único do art. 927 do Código Civil estabelece o dever de ressarcimento do dano não apenas causado por ato ilícito, mas também a OBRIGAÇÃO DE REPARAR PREJUÍZO, INDEPENDENTEMENTE DE CULPA. Ensina Maria Helena Diniz: “O dano pode ser definido como lesão (diminuição ou destruição) que, devido a um certo evento, sofre uma pessoa, contra sua vontade, em qualquer bem ou interesse jurídico patrimonial ou moral. […]Todo PREJUÍZO É O DANO A ALGUÉM. O dano acarreta lesão nos interesses de outrem, tutelados juridicamente, sejam eles econômicos ou não”. (Curso de Direito Civil Brasileiro. 21ª edição. Saraiva. São Paulo: 2007, p.62/63).
Uma pesquisa errada, divulgada pela televisão e jornal no dia da eleição, pode representar um verdadeiro massacre ao candidato por ela apontada como sem chance alguma. Um dano de dimensão oceânica lhe pode ser causado em decorrência do próprio conceito dos institutos que a realizam. Afinal, sua credibilidade impede que o cidadão indeciso desconfie da falha, levando-o a optar pelos nomes indicados com mais probabilidade de êxito na disputa. Comprovado, porém, o erro, nada mais natural e justo do que suportar o seu causador a respectiva indenização, inclusive, para que redobre as cautelas na sua elaboração para não prejudicar outras candidaturas indefesas.
Autor, entre outros, dos livros, Comentários à Lei da Ficha Lima, Distorções do Poder, Marketing, Política e Sociedade, Pos-graduado em Direitos Humanos, Governabilidade e Cultura da Paz pela Universidad de Castilla-La Mancha.
Advogado em Fortaleza (CE). Professor da Escola Superior de Advocacia do Ceará. Ex-Procurador Geral do Estado do Ceará.
Ex-professor de Direito Tributário da Universidade de Fortaleza (Unifor)