Penhora do único imóvel da família: isso pode?

Jornal Estado de Direito

 

 

 

 

Renata Malta Vilas-Boas

 

O bem de família foi instituído para proteger a família, dentro da ideia do direito à moradia e da dignidade da pessoa humana. Contudo, esse bem de família comporta algumas exceções, como por exemplo, quando a dívida tem origem no próprio imóvel, como por exemplo, o condomínio ou ainda, o financiamento para adquirir o bem em questão.

O nosso sistema jurídico ele se pauta pelo princípio da boa-fé, dentre outros, assim, se você assinar um contrato de locação como fiador para um conhecido, caso esse não pague o imóvel do fiador é que irá responder, caso ele não tenha outra forma de arcar com a dívida deixada pelo ex-conhecido. Assim, apesar de não estar expresso em as hipóteses previstas na legislação isso decorre da interpretação do papel do fiador e do princípio da boa-fé.

Quando foi tratado o bem de família, a legislação não especificou qual seria o padrão desse bem de família – e assim, acabamos sempre entendendo que todo e qualquer imóvel estaria sobre o abrigo desse instituto.

Porém, recebemos com surpresa, mas com compreensão, a decisão proferida no Agravo de Instrumento no. 2075933-13.2021.8.26.0000, que tramitou no Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.

No caso específico, o devedor morava com a sua família no único imóvel que ele tinha. Mas se constatou um diferencial, que o valor do imóvel (R$ 24.000.000,00), poderia levar a um entendimento diferente, e foi exatamente o que ocorreu.

Preservando os princípios que norteiam a instituição do bem de família, que é o principio da dignidade humana, princípio do mínimo existencial, direito à moradia, mas também, do direito do credor receber o seu crédito, Dessa forma, o Tribunal acabou realizando uma ponderação de forma a satisfazer o credor e não prejudicar o devedor e sua família.

Qual foi a solução apontada?

Sendo o imóvel avaliado em R$ 24.000.000,00 é possível que seja feito a venda do referido imóvel e que uma parte do valor seja destinada para quitar a dívida existente e outra parte para que o devedor possa adquirir um imóvel não tão caro.

Ao fazer a venda do imóvel, o percentual destinado à aquisição desse novo imóvel pelo devedor deve ser gravado com a cláusula de impenhorabilidade para que ele possa adquirir o imóvel que seja mais compatível com a atual condição financeira do devedor.

Com isso os desembargadores autorizaram a penhora e venda do imóvel desde que fizesse uma reserva de R$ 2.400.000,00 (dois milhões e quatrocentos mil reais) para que o devedor possa adquirir um outro imóvel e ali residir com a sua família.

Mas essa discussão ainda não terminou, entre os desembargadores presentes a decisão não foi unânime, e isso significa que o tema não está pacificado nem dentro do Tribunal do Estado de São Paulo.

Vejamos como ficou a ementa da decisão em questão:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. BEM DE FAMÍLIA. IMÓVEL DE VALOR VULTOSO. PENHORA. POSSIBILIDADE EXCEPCIONAL. RESERVA DE PARTE DO VALOR AO DEVEDOR. NECESSIDADE. VALOR QUE DEVE SER GRAVADO COM CLÁUSULA DE IMPENHORABILIDADE. PRESERVAÇÃO DO PATRIMÔNIO MÍNIMO E DA DIGNIDADE HUMANA DO DEVEDOR.

1.- A interpretação sistemática e teológica do art. 1º da Lei nº. 8.009/90, mediante ponderação dos princípios constitucionais que informam a impenhorabilidade do bem de família e garantem o direito de ação com duração razoável do processo, à luz dos princípios da razoabilidade e proporcionalidade, permite a penhora de imóvel de valor vultoso (R$ 24.000.000,00), ainda que destinado à moradia do devedor.

2.- A penhora de bem de família de valor vultoso, no entanto, exige que se reserve ao devedor valor condizente com sua situação social, visando a possibilitar-lhe a aquisição de outro imóvel para morar com dignidade.

3.- A reserva de parte do produto da alienação do imóvel penhorado deve ser gravada com cláusula de impenhorabilidade, visando a dar cumprimento ao disposto no art. 1º. da Lei nº. 8.009/90, conforme sua interpretação conforme à Constituição Federal.

4.- Decisão reformada. Agravo parcialmente provido.

 

(TJSP – AI: 20759331320218260000 SP 2075933-13.2021.8.26.0000, Relator: Ademir Modesto de Souza, Data de Julgamento: 08/06/2021, 16ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 05/07/2021)

 

 

 

renata vilas boas
*Renata Malta Vilas-Bôas é Articulista do Estado de Direito, advogada devidamente inscrita na OAB/DF no. 11.695. Sócia-fundadora do escritório de advocacia Vilas-Bôas & Spencer Bruno Advocacia e Assessoria Jurídica, Professora universitária. Professora na ESA OAB/DF; Mestre em Direito pela UPFE, Conselheira Consultiva da ALACH – Academia Latino-Americana de Ciências Humanas; Acadêmica Imortal da ALACH – Academia Latino-Americana de Ciências Humanas; Integrante da Rete Internazionale di Eccelenza Legale. Secretária-Geral da Rede Internacional de Excelência Jurídica – Seção Rio de Janeiro – RJ; Colaboradora da Rádio Justiça; Ex-presidente da Comissão de Direito das Famílias da Associação Brasileira de Advogados – ABA; Presidente da Comissão Acadêmica do IBDFAM/DF – Instituto Brasileiro de Direito das Familias – seção Distrito Federal; Autora de diversas obras jurídicas.

 

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