André Malcher Meira*
No último dia 8 de novembro publiquei no jornal O Liberal de Belém do Pará um artigo intitulado “Escola sem sentido”, com excelente repercussão, onde questionei e dei a minha opinião sobre o projeto de lei intitulado “Escola sem partido”, que tem dividido opiniões país afora entre juristas, educadores e cidadãos em geral. Nele, afirmei que escola que se preze é sem partido, mas, também, que o projeto é ridículo pois elenca seis deveres que os professores deveriam seguir sob pena de fiscalização e prática de ato ilícito. Assim, nem tanto ao mar nem tanto à terra – fiquei com as duas posições numa só – tanto professores quantos alunos devem ser livres para ouvir, raciocinar, educar, expor e concluir as suas idéias desde que seja dentro de um padrão óbvio de moral e ética, como ocorre em todas as profissões. Ao mestre cabe ensinar o conteúdo da sua disciplina; ao aluno cabe estudar, tirar boas notas e passar de ano. O artigo foi muito debatido em um grupo das redes sociais que já foi programado um evento do Instituto Silvio Meira no projeto “ISM nas Escolas” para 2019, com a palestra do jurista Paulo Klautau Filho a alunos de ensino médio dos colégios públicos de Belém sobre o tema.
A revista Veja da semana traz na capa o tema “Escola sem vez”, cuja matéria jornalística é veementemente contra o projeto de lei, afirmando que as soluções apresentadas para combater a doutrinação ameaçam piorar o ensino brasileiro, temendo uma verdadeira caça aos docentes através de um controle do que é dito ou não dito em sala de aula. Vejam – é obvio que o professor não pode doutrinar o aluno, e, se isto ocorrer, que seja instaurado o devido processo disciplinar para apurar os eventuais excessos, mas, daí a editar uma Lei Federal que dirá o que o professor pode ou não dizer em sala já é demais. E, diga-se, isto não é uma ideologia de esquerda ou de direita – isto é o óbvio. Alguém duvida? Li ainda que a preocupação agora é se o aluno pode ou não gravar as aulas. Onde chegamos? Meu avô Clóvis foi professor de Direito Comercial na Faculdade do Largo da Trindade nos anos 50, 60 e 70 e, certa vez, já aposentado, uma ex-aluna lhe presenteou com as fitas K-7 de todas as suas aulas gravadas (sim, naqueles gravadores da era jurássica – com botões enormes de REC e PLAY). Pois, com base nessas fitas meu avô escreveu o livro “Noções de Direito Comercial”, lançado em 1991. Lembro, ainda, que o saudoso Frederico Coelho de Souza contava à sua legião de amigos que guardava consigo uma raridade – as aulas gravadas de seu pai, o grande Daniel, e que, nas fitas, ouvia-se o barulho dos ônibus passando nas ruas, pois àquela época se dava aula com as janelas abertas do velho casarão da Faculdade de Direito. Mas, agora, vem esse povo discutir se pode ou não gravar as aulas? Chatice. Àquele tempo, gravar uma aula era razão de respeito e prestígio; mas, hoje, é de stress.
Sim, mas e aí, existe partido sem escola? Não. Um partido político defende uma ideologia (ao menos em tese) que só é ideologia porque as pessoas que o compõe foram educadas em escolas sem partido, pois, do inverso, estaríamos na Alemanha de Hitler. Quando falo em “escola sem partido” falo da escola onde o professor não tem mordaça, mas cumpre o seu papel com dignidade e respeito com os seus alunos, pois, só assim, criamos cidadãos com cultura. Não falo, portanto, em defesa do projeto de lei. Partido sem escola seria o buraco negro de uma sociedade sem início, sem meio e sem fim, pois, como bem sabemos, é através da política (da boa, lógico) que conseguimos mudar o mundo. Então, porque um partido político que não vive sem escola quer criar uma lei com regras para uma óbvia “escola sem partido”? Simples: É a disputa partidária acima da educação. Se o projeto virar lei, dar uma aula deixará de ser um momento sublime para se tornar um momento de tortura, onde nós, professores, teremos que medir cada sílaba ao ensinar e, ainda, muitas das vezes, teremos que deixar de dizer coisas importantes para não sermos penalizados de “doutrinadores”. Eu juro que prefiro deixar de ser professor. Educar não é doutrinar; doutrinar não é ensinar. Isso tem de ser ensinado às crianças e aos jovens.
Andam falando mal do notável Paulo Freire, patrono da educação brasileira, pensador, educador, filósofo, o brasileiro mais premiado na história com mais de 35 títulos de doutor “honoris causa” pelo mundo, autor da obra “Pedagogia do Oprimido”. A teoria de Paulo Freire subsiste justamente na prática didática fundamentada na crença de que o educando assimilaria o objeto de estudo fazendo uso de uma prática dialética com a realidade, em contraposição à educação bancária, tecnicista e alienante, criando sua própria educação, fazendo ele próprio o caminho, e não seguindo um já previamente construído. Em 16 de novembro de 1991 Paulo Freire proferiu uma conferência no auditório da minha escola, o antigo NPI. À época eu era estudante do segundo grau. Lotação esgotada. Ninguém estava nem aí para “doutrinação” e se Paulo era de esquerda ou de direita. Fomos, apenas, ouvir um grande intelectual. E suas palavras ainda ecoam na minha memória. Seja lá a ideologia que sigamos, temos que respeitá-lo, afinal, como estampou O Liberal no brinde que enviou aos seus assinantes (uma bela mochila) – “O melhor jeito de contar os fatos começa com a verdade. Pense livre. Pense liberal”.
André Malcher Meira é advogado, professor, mestre e doutorando em direito pela Universidade de Lisboa, presidente do ISM – Instituto Silvio Meira, membro da Academia Paraense de Letras Jurídicas e do IAB – Instituto dos Advogados Brasileiros. E-mail: malchermeira@hotmail.com