Coluna Lido para Você
Para um Debate Teórico-Conceitual e Político sobre os Direitos Humanos. Antonio Escrivão Filho e José Geraldo de Sousa Junior. Belo Horizonte: Editora D’Plácido, 2016, 255 p.
Eis um livro que foi recebido com alta disposição para acudir ao debate que propõe.
De um lado, a critica, atenta e reflexiva, vem dedicando considerações fortes aos termos formulados pelos autores mas, até aqui, em cinco resenhas já publicadas, acolhendo e repercutindo de modo propositivo esses termos, ampliando a repercussão da obra bastante difundida pelo selo de qualidade da Editora D’Plácido.
Logo da publicação, a Professora Ludmila Correia da Universidade Federal da Paraíba – UFPB, publicou no Portal da UnB pondo em relevo, conforme a sua conclusão que
a obra revela o seu ineditismo com uma nova perspectiva no estudo dos direitos humanos, trazendo reflexões sobre as relações entre a justiça e a sociedade a partir do contexto sociopolítico e das construções teórico-práticas de O Direito Achado na Rua. Trata-se de uma leitura indispensável não somente a estudantes de graduação e pós-graduação, mas aos pesquisadores e pesquisadoras, profissionais e ativistas envolvidos no seu cotidiano com questões relacionadas aos direitos humanos. (http://bit.ly/2DcehWB, acesso em 08/08/2016).
Quase simultaneamente, o Professor Gladstone Leonel Junior, da Universidade Federal Fluminense – UFF, publicou no Correio Braziliense, o principal diário de Brasília (Correio Braziliense, Caderno Diversão & Arte, edição de 12/08/2016, pág. 3), com o titulo Os Direitos Humanos na Rua, um comentário no qual destaca
Na obra aqui destacada, também ganha espaço o avanço das conquistas democráticas pós-constituição de 1988 e o cenário de protagonismo dos movimentos sociais nesse processo de afirmação de direitos fundamentais. O processo democrático inaugurado no Brasil com a transição do regime autoritário é caracterizado pela emergência de novos sujeitos coletivos que carregam consigo o anúncio de novos direitos e uma nova agenda da política de direitos.
O debate de direitos humanos realizado pelo livro traz um recorte próprio do seu local de partida, apontando a importância dos recentes processos constituintes populares na América Latina e a ascensão do novo constitucionalismo latino-americano com base democrática e integradora. É uma análise de direitos humanos que extrapola as limitações eurocentradas e coloniais, alcançando a realidade dos sujeitos historicamente excluídos da própria construção jurídico-institucional.
A dimensão política da justiça e a reforma do ensino jurídico no Brasil também são temas fundamentais, que os autores não se furtam a realizar de maneira comprometida com a efetivação dos direitos humanos. Algo necessário quando se almeja repensar e democratizar o direito e a sua aplicação.
Todas essas questões fundamentais trazidas são frutos de uma análise de direitos humanos permeada pelo Direito Achado na Rua, o qual se constrói em uma crítica que reconhece a pluralidade e exige a democracia, a partir dos pilares do respeito e da fidelidade junto ao povo, ressaltada nessa Escola de Roberto Lyra Filho. A rua se incumbe de materializar o espaço de criação e realização do direito.
Os autores, de forma competente, apontam para uma nova cultura política dos direitos humanos. Cabe a nós agregarmos o conteúdo e botá-los em prática. A luta pelos direitos humanos segue, a rua é o caminho!
Com igual disposição, ainda que pedagogicamente procurando instigar os autores, Fábio de Sá e Silva, Professor da Universidade de Oklahoma, em Organizando as Incertezas (São Leopoldo: IHU On-Line – Revista do Instituto Humanitas Unisinos. N. 494/ano XV, 3/10/2016, pp. 81-82), provoca também os seus colegas pesquisadores do Grupo de Pesquisa O Direito Achado na Rua
Há, evidentemente, vários aspectos nos quais o livro poderia ser enriquecido ou expandido e eu estou, historicamente, entre os que sempre costumam estimular os integrantes de O Direito Achado na Rua a que adensem o componente de “ciências sociais” que é intrínseco ao movimento (“o verdadeiro jurista há de ser também um cientista social, sob pena de não ser nada, cientificamente; e assim deve procurar a colaboração mais fecunda com o sociólogo”, disse certa vez Lyra Filho).
Por exemplo, ao transpor a análise da “dialética social” para a formação de documentos e sistemas internacionais de proteção aos direitos humanos, o livro poderia ter se indagado sobre os limites (inclusive financeiros) colocados para a conformação de uma “sociedade civil internacional”, em geral muito mais profissionalizada e elitizada que os movimentos sociais locais e, por isso mesmo, muitas vezes incapaz, ainda, de ecoar a radicalidade das lutas por direitos que operam no interior dos Estados nacionais. Da mesma forma, no capítulo em que discute a reforma do ensino jurídico, o livro (o país como um todo, diga-se de passagem) carece de um balanço empírico mais sólido acerca da implementação das Novas Diretrizes Curriculares e do efetivo aproveitamento de inovações como Núcleos de Prática Jurídica, Atividades Complementares, etc., para a organização de projetos pedagógicos fundados nos ou orientados aos direitos humanos.
Mas se os autores não respondem a essas questões, nem por isso fecham as portas para que elas sejam entabuladas. E pela capacidade de articular abordagem nova, robusta e, sobretudo, apta a dar conta dos desafios colocados aos direitos humanos na atualidade, o livro traz, inegavelmente, uma grande contribuição para a nossa reflexão e prática rumo à reconstrução da democracia, do Estado de Direito e de uma ordem jurídico-política na qual, talvez, possamos regressar ao que hoje pode ser visto como o lugar confortável de que Bobbio escreveu sobre o mesmo tema na longínqua Turim de 1990.
De sua parte Talita Tatiana Dias Rampim, professora da Universidade Federal de Goiás, Regional Cidade de Goyaz, mostra na recepção da obra, em sua resenha para Revista Direito e Práxis, Rio de Janeiro, Vol. 08, N. 2, 2017, p. 1727-1739, que sob esse ângulo,
os autores não ignoram o contexto de avanço do fascismo social na América Latina, contudo, esse tema não é aprofundado na obra, que foi publicada antes do impedimento do mandato da Presidenta Dilma Rousseff. Ficam de fora, ainda, as referências de teóricas de perspectivas feministas, de gêneros, étnicas, raciais e identitárias, perspectivas estas que, se incorporadas, certamente enriqueceriam a obra. Nossa análise é que Escrivão Filho e Sousa Junior concentraram seus esforços na construção de aportes combativos para disputar o campo da teoria geral dos direitos humanos. E, nesse sentido, lograram êxito: a obra oxigena a produção na área e fornece subsídios elementares à compreensão geral do tema.
Uma resenha mais recentemente publicada, de Pedro Pompeo Pistelli Ferreira (pós-graduação em Direitos Humanos e Cidadania da UnB), na Revista InSURgência | Brasília | ano 3 | v.3 | n.2 | 2017 | ISSN 2447-6684), colabora para por em evidência que
os principais méritos da presente obra, a nosso ver, consistem, justamente, na priorização dada à ação dos “de baixo”, à práxis dos movimentos populares de homens e mulheres que se levantam contra a opressão, e na tentativa de apreender o processo global de luta pela realização dos direitos humanos, marcada pela permanente tensão entre classes espoliadas e espoliadoras, grupos oprimidos e opressores. Esses dois momentos, profundamente interconectados, parecem-nos duas tarefas que devem ser defendidas de forma ainda mais enfática diante de um contexto de contrarreformas e profundos retrocessos ancorados na ideologia neoliberal. Mais que isso, essas duas posturas podem servir de consenso mínimo entre as teorias crí- ticas do direito no Brasil, que passaram muito tempo batendo cabeças acerca de qual seria a resultante do processo global de formação do direito (a organização legítima da liberdade ou as relações de equivalência entre sujeitos de direito que trocam mercadorias?). Apesar dessas discordâncias não serem irrelevantes, parece-nos fundamental que esses grupos consigam encontrar um terreno comum de debate que, por sua vez, permita a união de esforços contra os recentes ataques contra os grupos subalternizados e os movimentos populares, encampados pelo executivo, pelo legislativo e pelo judiciário.
O debate político-judicial
De outra parte, o livro vem suscitando uma certa tensão no campo político-judicial, a partir, sobretudo de menção feita ao livro pelo Ministro Fachin do STF , primeiro por ocasião do julgamento da ADC 44, da qual foi relator. Depois, por ocasião do julgamento do HC 152752 – PR, impetrado em favor do Ex-Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, do qual o ministro foi também relator. Nas duas ocasiões, o ministro fundamentou sua leitura do garantismo numa acepção mais punitivista, extraindo do fundamento de exigibilidade e justiciabilidade, sentido inverso ao que os autores formulam em sua leitura evidentemente libertária.
O assunto teve forte repercussão, com os autores rechaçando a apropriação inadequada, tanto em sua literalidade, quanto em sua intencionalidade, na qual, inclusive, se situava as situações fáticas à luz de manifestação acadêmica, aliás, mencionadas no livro, vale dizer, estudos promovidos pela Organização Terra de Direitos e pelo professor Antonio Gediel (UFPR).
A propósito, nota do Professor José Antônio Peres Gediel
Venho trazer meu apoio e endossar as manifestações do Professor José Geraldo de Sousa Junior, do Advogado e Doutor, Antonio Escrivão Filho, e da Organização Não Governamental, Terra de Direitos, que criticam e rejeitam o uso retórico, com evidente intenção de alterar o sentido de pesquisas (GEDIEL, GOSDORF, ESCRIVÃO FILHO et. all, 2012) e trabalhos de advocacia popular, como o fez o Ministro Edson Fachin, às fls. 08 e 09 de seu voto, no HC 152752 -PR. Por evidente, sua Excelência, Professor de Direito Civil, com longa trajetória de Procurador do Estado e de Advogado Militante, conhece os limites lógicos e sistêmicos de volteios retóricos argumentativos e costumava lecionar que todas as possíveis construções hermenêuticas jurídicas tem como ponto de partida e de chegada os princípios e direitos fundamentais constitucionais, em especial o da dignidade humana, sempre citado em suas obras de Direito Civil Constitucional.
José Antônio Peres Gediel – (Professor Titular de Direito Civil na UFPR)
No mesmo sentido, nota da Terra de Direitos e manifestações dos autores, em detalhe difundidas pelo Jornal Brasil de Fato, conforme http://bit.ly/2EVbOkZ (acesso em 08/05/2018).
Na condição de autor, acabei também tecendo algumas notas para o Jornal Estado de Direito, que aqui retomo, com o mesmo sentimento nostálgico que motivou o registro quando da última circulação impressa. De fato, disse naquela ocasião, que comparecia àquela edição entre nostálgico, porque testemunho o encerramento de um ciclo – refiro-me à última edição impressa do Jornal Estado de Direito (Brasil, n. 50, ano X, 2016) essa utopia editorial liderada por Carmela Grüne – e radiante, conhecendo-a e sabendo que ela avança, por ser utópica – para outro ciclo de um projeto generoso, desde a origem, inscrito num compromisso com a leitura critica que orienta a ação transformadora da realidade social.
Escrevi, lá atrás, num dos primeiros números, em 2008, um pequeno artigo tratando do tema de cotas contra a desigualdade social; depois, em 2013, um outro texto elaborado como desafio à magistratura, interpelando-a a impregnar-se do humano que se realiza na rua (penso no meu tema recorrente figurado em O Direito Achado na Rua), para convocar os magistrados a abrirem-se às exigências do justo, para instalar o ato de julgar no campo dos direitos humanos.
Na última edição impressa não posso deixar de revisitar essa utopia que vislumbra o estado de direito enquanto materialização de direitos humanos (cf. p. 10). Ainda que o debate sobre os direitos humanos suscite inúmeras controvérsias, somente posso considerá-lo na medida de um duplo desafio: primeiro, avançar para alem da teoria liberal e das concepções de justiça e de sociedade aprisionadas nesse paradigma; segundo, conhecer-se e ser reconhecido no dialogo com as lutas sociais por emancipação e dignidade.
Assim, cogitar da teoria e da história dos direitos humanos, especialmente, a partir do Brasil, parece algo pertinente, sobretudo desde uma aproximação que encontra, na America Latina, novos horizontes epistêmicos; no Estado, um complexo agente de garantia e, simultaneamente, de violação de direitos; e nas lutas sociais, o compromisso ético-político que põe em movimento e dá fundamento a uma sociedade livre, justa e solidária.
Juntamente com um parceiro de pesquisa e em co-autoria – refiro-me ao professor Antonio Escrivão Filho, procuramos abrir um debate orientado por esses pressupostos, para interrogar os direitos humanos desde uma perspectiva política, teórica e conceitual, o que fizemos por meio do livro “Para um Debate Teórico-Conceitual e Político sobre os Direitos Humanos” (Editora D’Plácido, Belo Horizonte, 2016). Neste livro, aproveitamos uma reflexão por nós acumulada numa sequência de cursos e escritos que realizamos em conjunto em diferentes espaços e auditórios, construindo uma rica interlocução à base de algumas singularidades.
De um lado, recusar a abordagem linear segundo a qual os direitos humanos se manifestam por etapas, como se fossem um suceder de gerações, em espiral evolutiva, de cujo evolver naturalizado derivassem os direitos individuais, civis e políticos, seguidos dos direitos econômicos, sociais e culturais. Em vez disso, buscar conferir os processos ou as dimensões, designadas num cotidiano de afirmação e de reconhecimento, do qual emergem de modo indivisível, interdependente e integralizados os direitos humanos, manifestados ontologicamente na realidade instituinte e deontologicamente, abrigados num plano de garantias institucionalizado.
De outra parte, rastrear a emergência dos direitos humanos como projeto de sociedade. Vale dizer, na consideração de que não se realizam enquanto expectativas de indivíduos, senão em perspectiva de coletividade, como tarefa cuja concretização se dá em ação de conjunto.
Assim sendo, partimos do debate conceitual dos direitos humanos, para esboçar o panorama do cenário internacional e de sua emergência histórica, no mundo e no Brasil. Para, desse modo, articular o seu percurso no contexto da conquista da democracia, assim designada enquanto protagonismo de movimentos sociais, ao mesmo tempo sujeitos de afirmação e de aquisição dos direitos humanos. Em relevo, pois, a historicidade latino-americana para acentuar a singularidade da questão pós-colonial forte na caracterização de um modo de desenvolvimento que abra ensejo para um constitucionalismo “Achado na Rua”. Problematiza-se, em conseqüência, os modos de conhecer e de realizar os direitos humanos, em razão das lutas para o seu reconhecimento, a partir das quais se constituem como núcleo da expansão política da justiça e condição de legitimação das formas de articulação do poder e de distribuição equitativa dos bens e valores socialmente produzidos”.
Em suma, compreender os direitos humanos dentro de “um programa que dá conteúdo ao protagonismo humanista, conquanto orienta projetos de vida e percursos emancipatórios que levam à formulação de projetos de sociedade para instaurar espaços recriados pelas lutas sociais pela dignidade”.
José Geraldo de Sousa Junior é Articulista do Estado de Direito, possui graduação em Ciências Jurídicas e Sociais pela Associação de Ensino Unificado do Distrito Federal (1973), mestrado em Direito pela Universidade de Brasília (1981) e doutorado em Direito (Direito, Estado e Constituição) pela Faculdade de Direito da UnB (2008). Ex- Reitor da Universidade de Brasília, período 2008-2012, é Membro de Associação Corporativa – Ordem dos Advogados do Brasil, Professor Associado IV, da Universidade de Brasília e Coordenador do Projeto O Direito Achado na Rua. |
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