Para onde estão conduzindo a democracia?

Lula

Condução coercitiva

Em todos os locais, virtuais ou não, se debate a condução coercitiva do ex-Presidente Lula. Há opiniões e juristas para todos os gostos, os que configuram como sequestro, ato de terrorismo, até aos que dizem que se deu na perfeita legalidade. Em debates acalorados como estes, é difícil se manifestar de forma mais ponderada sem ser rotulado. Por exemplo, se forem feitas críticas à “Operação Lava Jato”, você já vira petista, defensor da corrupção, etc. Se acha que a corrupção deve ser apurada e investigada, logo é acusado de fazer o jogo do PSDB, de contribuir com a instabilidade política e econômica do país e por aí vai.

Mas vamos tentar perceber a condução coercitiva da última sexta, dentro da construção permanente de um Estado Democrático de Direito. Alguns pressupostos devem ser considerados. Ninguém deveria estar acima da lei. Fato! A condução coercitiva é prevista em nosso ordenamento jurídico. Correto! Todavia, se é fato de que ninguém está acima da lei, o ex-Presidente Lula incluído, também não estão acima da lei os policiais federais, os membros do Ministério Público Federal e da Magistratura Federal. É correto afirmar que a condução coercitiva está prevista no Código de Processo Penal.

Mas também que exige certos requisitos para decretá-la:

Código de Processo Penal

“Art. 260. Se o acusado não atender à intimação para o interrogatório, reconhecimento ou qualquer outro ato que, sem ele, não possa ser realizado, a autoridade poderá mandar conduzi-lo à sua presença.
Parágrafo único. O mandado conterá, além da ordem de condução, os requisitos mencionados no art. 352, no que Ihe for aplicável.”

O requisito flagrantemente violado é que o conduzido em questão, não chegou a não atender, injustificadamente, a nenhuma intimação. Os outros requisitos são formais, mas não menos importantes, e se pressupõe que devam ter sido cumpridos. Contudo, o requisito que é fundamento central para condução coercitiva, a negativa sem justificativa de intimação, no caso aqui tratado, não foi observado. Fica parecendo que esta não observância teria sido fomentada para instrumentalizar esta condução como meio de persuasão ilegal e/ou para indevidamente manobrar a opinião pública em prol de extrapolações desta famigerada Operação.

Mas esqueçamos, por enquanto, estas possíveis motivações, até porque esta última, só fez animar as torcidas pró e contra e desqualificou a imagem das instituições envolvidas. O que é importante observar é que, as instituições que agem pela legalidade, teriam atuado de forma ilegal, quer dizer cometendo um crime, um abuso de autoridade (Lei nº 4.898/1965).

 

Sistema penal seletivo

Marco Aurélio Mello

Ministro Marco Aurélio Mello

Como bem lembrou o Ministro do Supremo Tribunal Federal, Marco Aurélio Mello, se uma ação desmedida como esta acontece com alguém que tem quem o defenda na sociedade, o que deverá acontecer com a maioria das pessoas? É fato público que o sistema penal é seletivo, pesando de forma desproporcional em cima da população mais vulnerável. A legitimação de práticas como estas, só fragiliza a credibilidade de quem deveria resguardar as garantias constitucionais.

Ademais, preocupante é a valoração desigual a citados como envolvidos nos crimes objeto da investigação. A depender da coloração político-partidária, ganham manchetes, intimações, conduções coercitivas, etc. Apontar esta falta de imparcialidade como grave, não significa tentar justificar um erro com outro. Mas sim, não querer que as instituições democráticas sirvam para beneficiar este ou aquele grupo político.

Este foi um grande erro da chamada “Operações Mãos Limpas” na Itália, tão festejada pelo Juiz Sérgio Moro, que preside os julgamentos da “Operação Lava Jato”. Lá na Itália terminou por beneficiar Silvio Berlusconi. O receio é de que aqui no Brasil, também possam ter como beneficiados, pessoas não tão probas assim.

 

A mídia e o sistema de justiça

pessoas fantoches

O espetáculo e a parcialidade da mídia não é espaço adequado para a resolução de questões tão complexas e graves no país. Óbvio que não se pode cercear o direito de informação e a atuação jornalística, com trato responsável, em conformidade com a sua ética profissional. Só que as paixões suscitadas nesta relação não tão clara, entre as instituições do sistema de justiça e a mídia, não devem ser a tônica da atuação de quem deva se pautar pela imparcialidade.

Enfim, assusta ver pessoas que deveriam tratar da coisa pública, acusados de desvios vários, dando ensejo a denúncias de corrupção. Mas também assusta que agentes públicos possam passar por cima de garantias legais e/ou se pautar por motivações outras, que não as dispostas em suas funções e dentro dos limites do ordenamento jurídico. Que se faça a apuração devida e se responsabilize a quem efetivamente esteja envolvido em tais práticas de corrupção. Mas que não se conduza o país a um estado que comete medidas de exceção. Isto nunca conduz a democracia.

 

Rodrigo de MedeirosRodrigo de Medeiros Silva é Articulista do Estado de Direito – formado em Direito pela Universidade de Fortaleza, pós-graduando em Direito Civil e Processo Civil, no Instituto de Desenvolvimento Cultural (Porto Alegre-RS). Foi assessor parlamentar na Câmara dos Deputados e na Câmara Municipal de Fortaleza. Foi advogado do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, de Sindicatos de Servidores Públicos Municipais e de Trabalhadores Rurais. Atuou na área do Direito da Criança e do Adolescente na Pastoral do Menor e no Centro de Defesa da Criança e do Adolescente do Ceará. Prestou serviço Association pour le Développemente Economic Regional- ADER, junto às comunidades indígenas cearenses Jenipapo-Kanindé, Pitagury, Tapeba e Tremembé. Participou do Fórum em Defesa da Zona Costeira do Ceará-FDZCC na defesa de comunidades de pescadores. Contribuiu com o Plano Diretor Participativo do Município de Fortaleza pela OAB-CE.  Também prestou consultoria à Themis-Gênero e Justiça, em Porto Alegre-RS. Integra a Comissão Nacional de Acesso à Justiça do Conselho Federal da OAB e o Conselho Consultivo da Ouvidoria da Defensoria Pública do Estado do Rio Grande do Sul. É membro da Rede Nacional dos Advogados e Advogadas Populares-RENAP, Fórum Justiça-FJ e Articulação Justiça e Direitos Humanos-JUSDH. É consultor da UNESCO junto à Secretaria-Geral da Presidência da República.

Comente

Comentários

  • (will not be published)

Comente e compartilhe