A crise e suas percepções
Todos falamos de crise, mas temos dificuldade em identificá-la. Hoje, na sala de audiências, ouvi de uma advogada que a culpa da crise é dos casais que insistem em ter filhos. Os argumentos, desencontrados e por vezes histéricos, que explicam ou procuram justificar o momento que estamos vivendo, evidenciam que não há uma resposta única. As crises, de várias ordens, têm também múltiplas causas e explicações.
É necessário perceber, porém, que a crise econômica, que evidentemente não é privilégio brasileiro, revela o esgotamento de um sistema que há muito vem sendo denunciado como autofágico e produtor de misérias. De nada serve seguirmos buscando explicações pontuais, se insistirmos em não enxergar o óbvio: o capitalismo não é para todos. Sua tendência é a concentração de rendas e a promoção de exclusão social. Quanto mais seres humanos vivendo em países sob essa lógica, mais graves serão as consequências humanas, sociais e econômicas dessas características próprias do sistema.
A ruptura é o caminho
A crise política, certamente associada à primeira, denota, por sua vez, o esgotamento da fórmula de Estado que adotamos, em razão do sistema econômico instaurado há mais de dois séculos. O que estamos vivendo é, portanto, acima de tudo, uma crise de legitimidade de nosso modo de organização econômico-social e, por consequência, das nossas instituições, do Estado em si. Afastar um Presidente da República porque não estamos contentes com o governo ou porque a maioria no congresso não está vinculada a mesma agenda partidária é apenas um dos tantos reflexos disso.
É também reflexo dessa crise de legitimidade a radical alteração da própria função do Poder Judiciário, pela possibilidade de edição de súmulas vinculantes. Uma alteração que é ratificada pelo legislativo, notadamente no NCPC, ao determinar que os juízes e tribunais observem súmulas, mesmo quando não vinculantes!
A consequência disso é que certamente quem lida com o Direito e se preocupa com a Democracia, terá bastante trabalho pela frente, seja pela necessidade de batalhar contra a perda de conquistas recentes, mas importantes, de nossa história, seja para encontrar novos espaços ou novos modelos para a organização da vida pública. Não será fácil, mas é sem dúvida um desafio interessante. A ruptura é sempre dolorosa, mas muitas vezes é o melhor caminho para crescermos, aprendermos e corrigirmos o curso de nossas vidas.