Os Drones e a responsabilidade civil

Coluna Direito Empresarial & Defesa do Consumidor

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“Uma vez que você prove o voo, nunca mais caminhará sobre a terra sem olhar para os céus, pois você já esteve lá e é para lá que a sua alma deseja voltar!”                                                                  

Leonardo Da Vinci

A evolução do uso de Drones

Depois de quase um século de uso principalmente de aviões militares, os Drones estão se desenvolvendo no cenário empresarial, tendo um aumento significativo nos últimos dois anos.

O Brasil, com base no artigo 8º da Convenção sobre Aviação Civil Internacional, visando promover o crescimento do setor, tem permitido, através da emissão de autorizações especiais, o acesso seguro por esta nova tecnologia, ao espaço aéreo brasileiro.

As regras para operação das aeronaves não tripuladas, popularmente conhecidas como Drones, estão dentro das regulamentações do Departamento de Controle do Espaço Aéreo – DECEA, responsável por prover, regular e fiscalizar o acesso ao espaço aéreo; da Agência Nacional de Aviação Civil – ANAC, responsável pelo equipamento e pessoal; e da Agência Nacional de Telecomunicações – ANATEL, responsável por administrar e fiscalizar o uso das radiofrequências utilizadas para o controle e operação dessas aeronaves. Em alguns casos específicos, devem ainda ser respeitadas as regras publicadas pelo Ministério da Defesa.

Porém, muito se tem discutido atualmente sobre esses robôs aéreos em formato de helicópteros ou aviões comandados por controle remoto e popularmente conhecidos como Drones,

Os Sistemas de Aeronaves Não Tripuladas, em inglês Unmanned Aircraft SystemsUAS trata-se de um novo componente da aviação mundial, que operadores, indústria, e diversas organizações internacionais estão estudando, trabalhando para melhor compreender, definir e, finalmente, promover sua completa integração no Espaço Aéreo.

Contando com variados tipos, dentre eles: asas fixas, asas rotativas, dirigíveis, ornitópteros etc., além de tamanhos, performances e aplicações, a regulamentação para o emprego de uma Aeronave Não Tripulada tem-se mostrado complexa, apresentando um desafio em todo o mundo por diversas questões, principalmente as relacionadas ao fato de não haver piloto a bordo.

Nomenclaturas

No Brasil, as Aeronaves Não Tripuladas ainda são amplamente conhecidas por Drones, palavra proveniente do inglês Zangão, termo muito utilizado pelos órgãos de imprensa; ou Veículos Aéreos Não Tripulados – VANT, nomenclatura oriunda do termo Unmanned Aerial Vehicle – UAV e considerado obsoleto na comunidade aeronáutica internacional; ou ainda, Aeronave Remotamente Pilotada – ARP.

O termo adotado tecnicamente pela Organização da Aviação Civil Internacional – OACI, com abrangência internacional, para esse tipo de aeronave é o Remotely Piloted Aircraft System – RPAS.

Regulamentação da Anac

No Brasil, segundo o Regulamento Brasileiro da Aviação Civil Especial nº 94, aprovado através da Resolução nº 419, de 02 de maio de 2017 pela ANAC,  foi estabelecida a diferença básica entre Aeromodelos e Aeronaves Remotamente Pilotadas, sendo considerados Aeromodelos as aeronaves não tripuladas remotamente pilotadas usadas para recreação e lazer e as RPAs as aeronaves não tripuladas utilizadas para outros fins como experimentais, comerciais ou institucionais.

Os dois tipos de veículos aéreos não tripulados, ou seja, os Aeromodelos e RPAs só podem ser operados em áreas com no mínimo 30 metros horizontais de distância das pessoas não anuentes ou não envolvidas com a operação e cada piloto remoto só poderá operar um equipamento por vez.

As regras da Anac praticamente inviabilizam o uso dos equipamentos para sobrevoar cidades, inclusive para o registro de imagens em shows, jogos de futebol e manifestações, sendo que tais restrições foram feitas para garantir a segurança das pessoas.

Por outro lado, os Drones têm potencial para serem usados em diversos setores, tais como na agricultura, segurança pública e mineração.

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Dessa forma, observa-se que o principal objetivo da regulamentação da Anac é viabilizar e estimular esse novo mercado de aviação civil no Brasil, garantindo a segurança mínima em suas operações.

Importante salientar que a fiscalização das operações dos Drones será feita pela Anac em conjunto com os órgãos de segurança pública.

Para operar, o regulamento da Anac, divide os Drones em quatro categorias: 1) Aeromodelos; 2) RPA Classe 3 (peso máximo de decolagem até 25 kg); 3) RPA Classe 2 (peso máximo de decolagem maior que 25kg e até 150 kg); e 4) RPA Classe 1 (peso máximo de decolagem maior que 150 kg).

No que tange as operações com Aeromodelos, observa-se que estão dispensados vários requisitos previstos no regulamento da ANAC. Para esses equipamentos, as operações (voos) são permitidas pela Agência sob total responsabilidade do seu piloto, não havendo restrição quanto à idade mínima. Além disso, os pilotos que não pretendem voar acima de 400 pés, não necessitam de documento emitido pela ANAC, sendo considerados devidamente licenciados. Ressalta-se que não será obrigatório possuir seguro com cobertura de danos a terceiros e também, não será necessário registrar os voos.

Referente aos equipamentos com peso máximo de decolagem até 25 quilos será exigida idade mínima de 18 anos para pilotar. Caso os pilotos não pretendam voar acima de 400 pés, não será necessário documento emitido pela ANAC, sendo considerados devidamente licenciados. Porém, quando o piloto operar aeronaves com peso máximo de decolagem superior a 250g, será obrigatório possuir seguro com cobertura de danos a terceiros e necessário o cadastramento do equipamento na ANAC por meio do Sistema de Aeronaves não Tripuladas – SISANT.

Para os Drones com peso entre 25 quilos e 150 quilos, os fabricantes deverão seguir requisitos técnicos, sendo também, exigida idade mínima de 18 anos, certificado médico, seguro com cobertura de danos a terceiros, licença e habilitação para o operador.

Consoante às aeronaves com peso superior a 150 quilos o regulamento estabelece a obrigatoriedade de passar por processo de certificação similar ao existente para aeronaves tripuladas, devendo ser cadastradas no Registro Aeronáutico Brasileiro e os controladores deverão ter mais de 18 anos, além de certificado médico-aeronáutico, seguro com cobertura de danos a terceiros, licença e habilitação.

Observa-se que o piloto remoto em comando de uma aeronave não tripulada é diretamente responsável pela sua condução segura, pelas consequências advindas, e tem a autoridade final por sua operação, portanto, o piloto remoto em comando de uma aeronave não tripulada é responsável pela verificação de suas condições quanto à segurança do voo, devendo descontinuar o voo, assim que possível quando ocorrerem problemas mecânicos, elétricos ou estruturais que comprometam a segurança da operação.

Logo, o não cumprimento dos requisitos estabelecidos pelo Regulamento Especial da Anac será apurado e os infratores estarão sujeitos às sanções previstas na Lei nº 7.565/86 Código Brasileiro da Aeronáutica, podendo, a Anac, por medida cautelar, suspender temporariamente as operações quando houver suspeita ou evidência do descumprimento de tais requisitos e que afetem significativamente o nível de risco da operação.

Aplicações e riscos

Considerando a diversidade de funções dos Drones, entende-se que esses robôs aéreos têm a capacidade de agilizar negócios comerciais para uma infinidade de indústrias além de apresentarem potencial para uma ampla gama de usos como agricultura, construção, imobiliário, ciências aplicadas, aplicação da lei, mídia, mineração, segurança privada, bem como missões de busca e salvamento, citando apenas alguns.

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Indiscutivelmente os Drones já mostraram que, além dos fins militares e industriais já bastante explorados, podem revolucionar o âmbito civil e auxiliar áreas diversas e consequentemente gerar mais empregos, novos negócios e movimentar a economia de forma global.

No que tange a responsabilidade civil, não sendo diferente de outras tecnologias, existem riscos e vale aos envolvidos em tais operações tomarem conhecimento objetivando minimizar ou eliminar eventuais impactos negativos.

Porém, o presente artigo não esgota o tema, afinal, os Drones possuem finalidades diversas, fato este que dificulta delinear todos os cenários, mas em linhas gerais, procura-se destacar, os potenciais riscos que podem gerar penalidades.

Em termos de riscos para a privacidade e a proteção de dados, sabe-se que os Drones costumam estar equipados com câmaras de vídeo que permitem seu comando pelos pilotos, podendo facilmente ser gravadas e armazenadas imagens que frequentemente são divulgadas na Internet. A possibilidade dos Drones capturarem imagens de pessoas em suas casas e jardins pode interferir na privacidade da propriedade e da vida privada e constituir uma violação desses direitos.

Também é possível instalar muitas outras aplicações e cargas úteis nos Drones, que permitem a recolha e o tratamento de dados pessoais e que, para além de interferirem seriamente nos direitos dos cidadãos à privacidade e à proteção de dados, constituem potencialmente uma violação de tais direitos.

Referente à proteção e segurança, os Drones colocam um conjunto de riscos consideráveis e graves. Segundo os meios de comunicação social, foram avistados Drones sobrevoando aeroportos ou circulando nas suas imediações, perturbando ou ameaçando a aviação civil. Verificou-se, inclusive, Drones que se despenharam, sobrevoaram infraestruturas críticas, embaixadas e atrações turísticas, ferindo pessoas.

O potencial aumento do número de Drones que sobrevoam pessoas e propriedade privada a diferentes altitudes (incluindo no espaço atualmente reservado à aviação civil), em diferentes direções (normalmente, os Drones mudam várias vezes de direção, de acordo com as ordens dos pilotos) e zonas, com diferentes pesos e a diversas velocidades, coloca sérios desafios e riscos concretos para a segurança, a proteção e os direitos fundamentais das pessoas que devem ser tratados com seriedade.

Novos desafios para o mercado segurador

Por todos estes aspectos, a nova regulamentação da ANAC estabelece a obrigatoriedade da contratação do seguro de responsabilidade civil para operadores de Drones, onde aeronaves não tripuladas, de uso recreativo, acima de 250 gramas, devem seguir a regra. Tal seguro protege contra danos a terceiros, sendo semelhante ao seguro obrigatório de aviões e helicópteros, o seguro de Responsabilidade do Explorador e Transportador Aeronáutico – RETA.

Diante deste cenário, a responsabilidade dos exploradores/operadores destes novos veículos aéreos é evidente, estando sujeitos, portanto, as leis vigentes que impedem os abusos aos direitos individuais como a privacidade e a imagem, no âmbito civil, bem como às infrações penais como exposição da vida ou saúde de alguém.

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Embora todos os voos não recreativos com os Drones estejam condicionados à autorização caso a caso, hipoteticamente, é possível sugerir que, uma vez equiparados às aeronaves, o RPA, a depender de sua categoria e modo de utilização deverá ser enquadrado no ramo aeronáutico, oferecendo-se garantia adequada ao casco e à responsabilidade civil do proprietário do equipamento.

Não esquecendo, contudo, da possibilidade de cobertura para as hipóteses de exploração da atividade de transportador aéreo de carga e a responsabilidade dos hangares, quando se tratar de RPAs maiores, que comportem a guarda desses veículos sob custódia de terceiros.

Vale lembrar, que certamente, os produtos necessitarão de condições exclusivas ou adequações textuais, como por exemplo, no seguro obrigatório, conhecido como RETA – Responsabilidade do Explorador e Transportador Aeronáutico, de modo que o RPA seja enquadrado como uma nova categoria de aeronave para fins de cálculo de indenização.

No campo da responsabilidade civil aeronáutica, é possível prever muitas discussões a respeito, como o dever de ressarcimento do fabricante na concepção do aparelho em casos de quedas ou a culpa do piloto pela colisão entre o RPA e as aeronaves comerciais e, por via reflexa, a responsabilidade dos controladores de tráfego aéreo quando da autorização pela decolagem das aeronaves.

Diante do exposto, indiscutivelmente muitas inovações estão a caminho, mas nenhuma escapará ao bom e velho conhecido, seguro. É preciso estar preparado para um mercado novo que merece acompanhamento atento, afinal, estima-se que existam no Brasil aproximadamente 100 mil Drones para uso não recreativo, mercado de grande potencial para a atividade securitária.

A proliferação dos Drones está criando novos desafios para o mercado segurador e também para os gestores de riscos de empresas, que cada vez mais utilizam esses aparelhos diariamente.

Companhias como Amazon e Facebook já empregam Drones em suas atividades. No Japão, os aparelhos  são utilizados para irrigação. Até veículos de comunicação como a BBC valem-se da tecnologia na produção de reportagens em áreas de difícil acesso.

Porém, os riscos representados pela crescente utilização dos aparelhos foram ressaltados em um relatório divulgado recentemente pela Federal Aviation Administration – FAA, a autoridade de aviação civil do governo dos Estados Unidos.

A Federal Aviation Administration – FAA alertou que a presença de Drones nas proximidades de aviões é ilegal e constitui risco de acidente aéreo. Muitos dos casos que chegaram ao conhecimento da organização envolvem aviões comerciais de passageiros cujos pilotos ficaram assustados pela súbita aparição dos veículos não tripulados.

O órgão também afirmou que aviões que participavam de operações de combate a incêndio no Oeste americano tiveram por vezes que suspender suas atividades devido à presença de veículos não pilotados no espaço aéreo da região.

Os riscos criados pelos Drones, no entanto, tendem a se tornar cada vez mais parte do cotidiano  das empresas na medida em que o uso, comercial ou não, de tais aparelhos se intensifica.

Na medida em que a tecnologia continua a se desenvolver e a ser utilizada comercialmente, grandes sinistros são uma ameaça constante, citando o exemplo, de danos e despesas legais substanciais que poderiam ser criadas caso um Drone viesse a colidir com um avião de passageiros comercial, causando a sua queda.

Portanto, as negligências, imprudências e imperícias cometidas por controladores de Drones mal preparados constituem apenas uma das novas ameaças criadas pelos aparelhos.

Outros riscos incluem a vulnerabilidade dos Drones a ataques cibernéticos e a sua utilização para finalidades que invadem o direito à privacidade de terceiros, o que pode redundar em litígios e indenizações de responsabilidade civil.

Além disso, a elaboração de coberturas de seguros é complicada pela falta de um regime regulatório comum nos diversos países em que a utilização dos veículos não pilotados está crescendo com rapidez.

Contudo, se faz necessário alguns momentos de reflexão, principalmente no que diz respeito aos riscos e as responsabilidades dos operadores dessas aeronaves, que provavelmente, em um futuro bem próximo, estarão cobrindo o céu com esses objetos de metal ou invadindo a privacidade das pessoas através de suas câmeras.

O fato é que o uso dos Drones tem se tornado cada vez mais versátil e conveniente em diversas áreas, tanto na utilização profissional quanto civil, porém, torna-se essencial a concretização de sua regulamentação para que não haja o efeito reverso de algo bom se tornar um transtorno.

Afinal, já dizia Alberto Santos Dumont que “As invenções são, sobretudo, o resultado de um trabalho teimoso…”

 Logo, conclui-se que “Drone não é um pássaro, nem um avião, muito menos um super-herói, pelo contrário, Drone é a mais nova revolução tecnológica que, a exemplo do laser e da internet, migrou da indústria bélica para a sociedade civil…”

 

Maria Bernadete Miranda é Articulista do Estado de Direito, Mestre e Doutora em Direito das Relações Sociais, subárea Direito Empresarial pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Professora de Direito Empresarial e Advogada.

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