Os contratos empresariais e os enunciados interpretativos do Conselho da Justiça Federal

Coluna Direito Empresarial & Defesa do Consumidor

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“O contrato é uma lei entre particulares e parcial; se não são os contratos que conferem autoridade às leis, são as leis que conferem autoridade aos contratos, quando estes lhes são conformes. Como regra geral, a lei é uma espécie de contrato; pelo que todo aquele que desobedece aos contratos e os anula, anula por si mesmo as leis.” 

Aristóteles

Os contratos empresariais

É indiscutível que os contratos empresariais diferenciam-se dos contratos civis, que são aqueles praticados por qualquer pessoa capaz.

Enfatiza Fran Martins que “uma diferença que se pode estabelecer entre contratos civis e comerciais é que estes serão sempre os praticados pelos comerciantes no exercício de sua profissão, enquanto aqueles são os que qualquer pessoa capaz poderá praticar”. (MARTINS, Fran. Contratos e obrigações comerciais. Rio de Janeiro: Forense, 2000, p. 62).

Sabe-se que contrato é a convenção estabelecida entre duas ou mais pessoas para constituir, regular ou extinguir entre elas uma relação jurídica patrimonial. É o instrumento pelo qual as pessoas contraem obrigação umas com as outras.

Da mesma forma que as pessoas comuns celebram contratos, as empresas e os empresários também o fazem, seja com outras empresas e empresários, seja com outras pessoas comuns.

Portanto, os contatos empresariais são aqueles praticados pelos empresários no exercício de sua profissão e são sempre onerosos, pois tendo invariavelmente intuito de lucro nas operações, não se admite que possam existir tais contratos a título gratuito.

Em geral os contratos empresariais versam sobre bens móveis admitindo-se que, por tradição, os imóveis pertencem sempre ao campo do Direito Civil.

Os Títulos V e VI do Código Civil de 2002, em seus artigos 421 a 853, dispõem sobre os contratos em geral, além de leis específicas a determinados contratos em espécie.

O Código Civil e os contratos

Em consequência disto, desde que o Código Civil entrou em vigor, os contratos empresariais (firmados entre empresários e cujo objeto se refere à sua atividade-fim) ficaram sem um arcabouço normativo geral próprio: as regras sobre contratos do Código Civil passaram a reger, indistintamente, tanto contratos cíveis quanto contratos empresariais.

Deputado Paulo Teixeira, relator do novo Código de Processo Civil (CPC) Foto: Elza Fiúza/Agência Brasil

Acredita-se que isso não foi adequado, porque o Código Civil é um diploma legislativo que seguiu a tendência da moderna teoria contratualista, que prega o chamado dirigismo contratual, ou seja, a intervenção estatal para proteger as partes mais fracas, vulneráveis ou hipossuficientes de uma relação contratual. Ocorre que nos contratos empresariais não é possível presumir a assimetria contratual, como acontece nas relações de trabalho ou de consumo, portanto, a velha máxima de Lacordaire de que “entre o fraco e o forte é a liberdade que escraviza e a lei que liberta” não pode ser aplicada nos contratos empresariais, nos quais devem prevalecer a autonomia da vontade das partes e a força obrigatória das avenças. (GOMES, Orlando. Contratos. Rio de Janeiro: Forense, 2000, p. 30).

Nesse sentido, segue jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça:

1. Contratos empresariais não devem ser tratados da mesma forma que contratos cíveis em geral ou contratos de consumo. Nestes admite-se o dirigismo contratual. Naqueles devem prevalecer os princípios da autonomia da vontade e da força obrigatória das avenças.

2. Direito Civil e Direito Empresarial, ainda que ramos do Direito Privado, submetem-se a regras e princípios próprios. O fato de o Código Civil de 2002 ter submetido os contratos cíveis e empresariais às mesmas regras gerais não significa que estes contratos sejam essencialmente iguais.

3. O caso dos autos tem peculiaridades que impedem a aplicação da teoria da imprevisão, de que trata o art. 478 do CC/2002: (i) os contratos em discussão não são de execução continuada ou diferida, mas contratos de compra e venda de coisa futura, a preço fixo, (ii) a alta do preço da soja não tornou a prestação de uma das partes excessivamente onerosa, mas apenas reduziu o lucro esperado pelo produtor rural e (iii) a variação cambial que alterou a cotação da soja não configurou um acontecimento extraordinário e imprevisível, porque ambas as partes contratantes conhecem o mercado em que atuam, pois são profissionais do ramo e sabem que tais flutuações são possíveis.

4. Recurso especial conhecido e provido. (REsp 936.741/GO, Rel. Ministro ANTONIO CARLOS FERREIRA, QUARTA TURMA, julgado em 03/11/2011, DJe 08/03/2012)

No mesmo sentido, segue o Enunciado nº 21 da I Jornada de Direito Comercial, organizada pelo Conselho da Justiça Federal: “Nos contratos empresariais, o dirigismo contratual deve ser mitigado, tendo em vista a simetria natural das relações interempresariais”.

Portanto, a teoria contratualista que inspirou diplomas legislativos como o Código de Defesa do Consumidor e o Código Civil de 2002 não combina com os contratos empresariais, como bem demonstra o julgado do Superior Tribunal de Justiça e o Enunciado nº 21 da I Jornada de Direito Comercial.

Foto: EBC

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Enunciados interpretativos

No contexto do crescente dinamismo da economia brasileira atual, os contratos empresariais, como formalização legal das operações econômicas, crescem acentuadamente em quantidade e complexidade, assim, merece destaque alguns Enunciados interpretativos desses contratos, aprovados na I Jornada de Direito Comercial promovida pelo Superior Tribunal de Justiça e organizada pelo Conselho da Justiça Federal.

Assim, segundo o Enunciado nº 20 “Não se aplica o Código de Defesa do Consumidor aos contratos celebrados entre empresários em que um dos contratantes tenha por objetivo suprir-se de insumos para sua atividade de produção, comércio ou prestação de serviços”.

Observa-se que esse enunciado é básico na separação entre o que é relação de consumo e o que não é. Afirma que, quando se trata de aquisição de insumo, ou seja, bens que serão usados diretamente na atividade empresarial, a relação é empresarial.

Nos contratos celebrados entre si, os empresários não são consumidores. Esse argumento procura reparar o equívoco de se aplicar, de modo amplo, o Código de Defesa do Consumidor aos contratos celebrados entre empresários.

Os empresários quando contratam entre si, são profissionais, e a profissionalidade não é compatível com a hipossuficiência. O Código de Defesa do Consumidor, portanto, não se aplica aos contratos celebrados entre empresários, onde um dos contratantes tenha por objetivo suprir-se de insumos para sua atividade de produção, comércio ou prestação de serviços.

No que tange ao Enunciado nº 21 “Nos contratos empresariais, o dirigismo contratual deve ser mitigado, tendo em vista a simetria natural das relações interempresariais”, presume-se que os contratos empresariais são travados entre iguais, ou seja, não há uma parte que seja considerada mais fraca e que mereça tutela especial.

Nesse sentido, é razoável presumir a sofisticação e a capacidade do perfeito entendimento da operação econômica objeto do contrato pelas partes empresárias. Os empresários, no exercício de suas atividades profissionais, não são equivalentes as pessoas comuns praticando os atos rotineiros da vida civil, pois essas pessoas não praticam tais atos sob o manto do exercício de uma atividade empresarial organizada. Logo, nos contratos empresariais, o dirigismo contratual deve ser mitigado, tendo em vista a simetria natural das relações interempresariais.

Consoante ao Enunciado nº 22 “Não se presume solidariedade passiva (art. 265 do Código Civil) pelo simples fato de duas ou mais pessoas jurídicas integrarem o mesmo grupo econômico”, entende-se que deve se enquadrar dentro do contexto jurídico empresarial, pois nas relações empresariais, os membros de um grupo econômico são responsáveis de forma subsidiária, e não solidária.

Foto: Pixabay

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Por outro lado, este enunciado não se aplica nas relações trabalhistas ou de consumo, pois nessas relações, há determinação específica da solidariedade, que nasce do contrato ou de determinação legal.

Segundo o Enunciado nº 23 “Em contratos empresariais, é lícito às partes contratantes estabelecer parâmetros objetivos para a interpretação dos requisitos de revisão e/ou resolução do pacto contratual”, observa-se que em se tratando de contrato firmado entre iguais, as partes são livres para estabelecer os parâmetros que o vão reger, tais como cláusulas de revisão, resolução ou mesmo interpretação.

No que tange ao Enunciado nº 24 “Os contratos empresariais coligados, concretamente formados por unidade de interesses econômicos, permitem a arguição da exceção de contrato não cumprido, salvo quando a obrigação inadimplida for de escassa importância”, se faz necessário primeiramente destacar o que são contratos coligados.

Segundo Orlando Gomes “Os contratos coligados são queridos pelas partes contratantes como um todo. Um depende do outro de tal modo que cada qual, isoladamente, seria desinteressante. Mas não se fundem. Conservam a individualidade própria, por isso se distinguindo dos contratos mistos”. (GOMES, Orlando. Contratos. Rio de Janeiro: Forense, 2000, p. 104).

Portanto, contratos coligados são aqueles em que ambas as partes os querem, e um depende do outro, de tal modo que cada qual, isoladamente, seria desinteressante. São contratos que mantêm a individualidade, por isso se distinguindo dos contratos mistos.

Nas relações empresariais, quando temos contratos coligados, o não cumprimento de um deles por uma das partes, permite à outra parte não cumprir o contrato que lhe obriga.

Referente ao Enunciado nº 25 “A revisão do contrato por onerosidade excessiva fundada no Código Civil deve levar em conta a natureza do objeto do contrato. Nas relações empresariais, deve-se presumir a sofisticação dos contratantes e observar a alocação de riscos por eles acordada”, verifica-se que os contratos entre empresários são considerados firmados entre iguais, portanto, no caso de revisão contratual deve-se observar a quem cabe assumir os riscos pelas obrigações acordadas.

No que tange ao Enunciado nº 26 “O contrato empresarial cumpre sua função social quando não acarreta prejuízo a direitos ou interesses, difusos ou coletivos, de titularidade de sujeitos não participantes da relação negocial”, acredita-se que a função social dos contratos de forma geral não consiste só em não gerar prejuízo a terceiros não participantes, mas também em atingir o que a sociedade, a coletividade espera que resulte do contrato firmado. Nas relações empresariais há uma maior liberdade de contratar, mas isso não significa que tudo pode ser contratado, pois, somente poderá ser contratado aquilo que não ofenda terceiro.

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É importante interpretar cuidadosamente o instituto da função social dos contratos empresariais, definindo com clareza seus limites. Nesse sentido, entende-se que o contrato empresarial cumpre sua função social quando não acarreta prejuízo a direitos ou interesses, difusos ou coletivos, de titularidade de sujeitos não participantes da relação negocial.

Pelo Enunciado nº 27 “Não se presume violação à boa-fé objetiva se o empresário, durante as negociações do contrato empresarial, preservar segredo de empresa ou administrar a prestação de informações reservadas, confidenciais ou estratégicas, com o objetivo de não colocar em risco a competitividade de sua atividade”; observa-se que ao empresário é dado o direito de manter segredo ou fazer reservas no quanto vai ser compartilhado com o contratante/contratado se isso for importante para a manutenção da competitividade ou mesmo quando o tema não for essencial para o contrato negociado.

Consoante ao Enunciado nº 28 “Em razão do profissionalismo com que os empresários devem exercer sua atividade, os contratos empresariais não podem ser anulados pelo vício da lesão fundada na inexperiência”; verifica-se que a inexperiência no exercício da atividade empresarial não é elemento desconfigurador do empresário por ausência do profissionalismo.

Referente ao Enunciado nº 29 “Aplicam-se aos negócios jurídicos entre empresários a função social do contrato e a boa-fé objetiva (arts. 421 e 422 do Código Civil), em conformidade com as especificidades dos contratos empresariais”; acredita-se que os princípios gerais dos contratos dispostos no Código Civil de 2002, que são a liberdade de contratar, a função social e a boa-fé objetiva também se aplicam aos contratos empresariais, fazendo-se as devidas adaptações para atender as suas especificidades.

Conclusão

Assim, entende-se que para uma melhor interpretação dos contratos empresariais deve-se aplicar especialmente a autonomia da vontade, a plena vinculação das partes ao contrato, a proteção da parte mais fraca nas relações contratuais assimétricas e o reconhecimento dos usos e costumes do comércio.

Além disso, deve-se observar também, os princípios constitucionais que balizam toda a atividade empresarial, especialmente a liberdade de iniciativa, a liberdade de concorrência e a função social da empresa.

Logo, em virtude do que foi mencionado conclui-se que “O futuro ainda não foi escrito, não existe e será o que quiser. Portanto, pense e faça-o bem…”

 

Maria Bernadete Miranda é Articulista do Estado de Direito, Mestre e Doutora em Direito das Relações Sociais, subárea Direito Empresarial pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Professora de Direito Empresarial e Advogada.

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