Oligopólio da Mídia no STF e Imprensa Pública ou Cívica de Qualidade

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Coluna Direito Constitucional em debate

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Ensaio: Oligopólio da Mídia no STF e Imprensa Pública ou Cívica de Qualidade

 

Apresentação

As leitoras e os leitores do Estado de Direito, provavelmente, interessam-se pelo tema da Liberdade de Imprensa. O tema que aqui abordamos, engloba o oligopólio da Mídia no Supremo Tribunal Federal (STF), a Imprensa Pública com material de qualidade, uma breve crítica ao “Espírito” do Capitalismo, considerações sobre as agências reguladoras, em específico sobre a Agência Nacional de Telecomunicações (ANATEL), o STF e o Monstro Midiático. Entre todos os aspectos, trago reflexões de Eugênio Bucci, Noam Chomsky e Fábio Konder Comparato, este último em palestra proferida na Faculdade de Direito da USP, ocorrida em maio deste ano.

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Créditos: Pedro França/Agência Senado

I – Disposições Constitucionais sobre Liberdade de Imprensa

A Constituição da República, em seu art. 5º., IV, assegura a liberdade de expressão: “é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato”. No inciso VI, do mesmo artigo, assegura a liberdade de crença: “é inviolável a liberdade de crença e de consciência”. Finalmente, no capítulo de comunicação social, o diploma máximo, em seu art. 220, assegura a liberdade de imprensa: “A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição”. (cf. Virgílio Afonso da Silva. Direitos Fundamentais).

 

II – Oligopólio da Mídia no STF

A ausência de regulamentação de artigos da Constituição referentes ao capítulo da Comunicação Social levou Fábio Konder Comparato a ingressar com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão no Supremo Tribunal Federal (STF). Comparato espera que a ação seja aceita e que ocasione um debate na sociedade a respeito do assunto. (Observatório da Imprensa. Ação contra a omissão do Congresso. 27 de outubro de 2010)

A ação requer que o STF leve os parlamentares a regulamentar o direito de resposta na mídia, os princípios dos meios de comunicação e a regionalização da produção (artigo 221), e a omissão que ocorre no que se refere à proibição de monopólio e oligopólio no sistema de comunicação (artigo 220).

No que tange a setores empresariais da mídia que costumam reclamar da existência de leis que façam o controle social do campo em pauta, muitos defendem que a autorregulação seria o bastante.

Comparato, no entanto, pondera: “Essa conversa fiada de excesso regulamentar, no setor, é típica da mentalidade capitalista. Até a velhinha de Taubaté sabia que o mercado só é livre quando o abuso de poder é impedido por adequadas disposições legais e administrativas. Sem isto, prevalece necessariamente a lei do mais forte, ou melhor, do que tem menos escrúpulos. As pequenas e médias empresas que o digam. Aliás, os jornais vivem trombeteando que são vítimas de censura. Mas, que eu saiba, nenhum dos grandes jornais do país publicou a notícia do ajuizamento da ação judicial que estamos comentando. Será que o assunto não interessa ao grande público?”

Desde então, no fim de abril de 2012, a Procuradoria Geral da República (PGR) finalmente emitiu seu parecer a respeito do caso. Em um texto assinado pela vice-Procuradora Geral da República, Deborah Duprat, e aprovado pelo Procurador Geral Roberto Gurgel, o último órgão do Ministério Público se manifestou a favor à ação. A PGR vê que é preciso uma disciplina legal da vedação ao monopólio e oligopólio dos meios de comunicação, bem como uma atuação promocional do Estado na democratização dos meios de comunicação – no que se refere às finalidades da programação de rádio e TV elencadas no artigo 221. (Carta Maior, PGR dá parecer favorável à ação de Comparato que determina regulamentação da mídia. 18 de maio de 2012.)

Atualmente, contudo, a ação se encontra parada no Supremo Tribunal Federal (STF), aguardando providências. Enquanto isso, a atividade jornalística resta prejudicada com o monopólio nas mãos de uma oligarquia dominada por poucas famílias.

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Créditos: Roberto Parizotti

 

III – Imprensa Pública ou Cívica de Qualidade e Critica no Horizonte

Enquanto isso, com relação ao Jornalismo Público de qualidade, Eugênio Bucci (Estadão. Opinião. Temer errou com a EBC. 26 de maio) informa que o leitor talvez não conheça a sigla EBC. Refere-se à Empresa Brasileira de Comunicação, estatal que domina a TV Brasil e a Rádio Nacional, entre outras, além da Agência Brasil. Por fim, aponta que a EBC igualmente se trata da incumbida de preparar os 20 minutos diários que competem ao Poder Executivo Federal, segundo ele, ao mais antigo e esdrúxulo programa de rádio, A Voz do Brasil, o que parece irrelevante, porém não é.

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Gravação do programa Sr. Brasil apresentado na TV Cultura | Créditos: Darly Gonçalves/ Prefeitura de Sao Luiz do Paraitinga (03.06.2014)

O autor indica que a EBC custa à União aproximadamente R$ 750 milhões, cinco vezes mais que o da Fundação Padre Anchieta, controladora da TV Cultura de São Paulo (R$ 140 milhões, sendo que desses, somente R$ 93,4 milhões vieram dos cofres públicos, o que resta foi oriundo de publicidade). Com efeito, a TV Cultura deveria receber muito mais, por exibir programas culturais de grande qualidade, como Roda Viva e Provocações, além de programas infantis da mesma ordem.

Bucci afirma que o presidente interino, Michel Temer, errou feio ao exonerar o diretor-presidente da EBC, o jornalista Ricardo Melo, profissional competente, segundo Bucci, por não dar a devida atenção ao assunto.

Com certeza, conforme Bucci, a EBC veicula propaganda pró-Dilma até hoje, até agora. A Voz do Brasil ainda faz propaganda em favor de Dilma. Como resultado, a EBC, assim como a Radiobrás, não possui autonomia editorial, política e administrativa (sendo nestes quesitos mais atrasada que a Fundação Padre Anchieta). Igualmente, para piorar é vinculada à Presidência da República. O correto, de acordo com Bucci, seria vinculá-la ao Ministério da Cultura e atribuir-lhe um conselho independente, com representantes da sociedade civil, incumbidos de eleger o diretor-presidente, hoje nomeado pelo Presidente da República.

O autor finaliza suas considerações apontando que a República e a sociedade brasileira democrática precisa, na verdade, “de uma boa instituição de comunicação pública, independente, plural, arrojada e altiva.”. Bucci, por fim, afirma: “O PT não teve a grandeza para criá-la. O poder que aí está parece não ter a consciência.”

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Noam Chomsky | Créditos: Duncan Rawlinson – http://bit.ly/1Ub7RcO, CC BY 2.0, http://bit.ly/1Q1C3W4

Noam Chomsky, em sua obra Mídia: Propaganda e Manipulação, no capítulo Uma Democracia de Espectadores, afirma que, segundo Walter Lippmann, “os interesses comuns escapam completamente da opinião pública”, que esses assuntos “escapam às pessoas comuns”. O autor aponta que se trata de “uma questão de determinar onde está o poder”. Indica, assim, que o poder se encontra de fato com os empresários. Ademais, reforça o argumento através de uma teoria da democracia gradual bem elaborada, segundo a qual ele afirma que existem classes de cidadãos: i) a classe especializada que deve tomar a dianteira na gestão de assuntos de interesse público; e ii) a chamada “rebanho desorientado”. (2013, pp. 14-16)

Danilo Rothberg (cf. Jornalismo Público) afirma que o Jornalismo Público pode ser gerado, em uma moldura diferente da imaginada pela forma de radiodifusão pública, conforme as propostas elencadas pelo movimento ocorrido nos Estados Unidos, nos anos 1990 (Cap. 5 – Jornalismo público ou cívico – jornalismo em busca de qualidade editorial).

Neste ponto, segundo o autor, enquadramentos temáticos aparecem como forma de superar os problemas abrangidos por coberturas no modo de enquadramentos de jogo ou episódicos. Os veículos midiáticos, assim, se relacionam com as comunidades que atendem. Adotam, então, estratégias de superação do distanciamento entre as mídias jornalísticas e seus públicos. O movimento sofreu diversas críticas. Porém, “é difícil negar que existem certos problemas afetando a qualidade do jornalismo produzido atualmente em países, como o Brasil, nos quais o mercado de comunicações deixa muitas vezes a desejar no atendimento do interesse público. Mas não há porque se resignar diante desse quadro. Não faltam referências para enfrentá-lo adequadamente.”

 

IV – Crítica ao “Espírito” do Capitalismo

Sobre o “espírito” do capitalismo, “O ‘racionalismo’ é um conceito histórico que encerra um mundo de contradições, e teremos ocasião de investigar de que espírito nasceu essa forma concreta de pensamento e de vida ‘racionais’ da qual resultaram a ideia de ‘vocação profissional’ e aquela dedicação de si ao trabalho profissional – […] -, que foi e continua ser um dos elementos mais característicos de nossa cultura capitalista.” (cf. Max Weber. A Ética Protestante e o “Espírito” do Capitalismo. p. 69)

Na verdade, conforme Fábio Konder Comparato, em palestra ministrada na Faculdade de Direito, da USP, em 30 de maio, o “espírito” do Capitalismo trata-se de uma forma de dominação da sociedade, com o mote de acumulação de capital. Desse modo, na sociedade de Poder, figuram dois fatores estruturantes: i) o capital; e ii) instituições de Poder. Com fulcro na soberania, o seu titular toma grandes decisões. Para o palestrante, o capital é Poder. E, assim, a Lei conferiria a igualdade de todos perante ela, mas, na realidade, a igualdade formal, não material, substantiva. Ademais, a soberania de um País, teria como seu titular a nação, não o povo, configurando, então, segundo Comparato, “um golpe de mestre”, já que se transfere o Poder Soberano a toda nação e não ao povo, com supedâneo na Revolução Francesa, no século XVIII.

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Queda da Bastilha | Créditos: Anônimo – L’Histoire par l’image, Domínio público, https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=6882732

 

V – Agências Reguladoras, ANATEL, STF e Monstro Midiático

A Agência Nacional de Telecomunicações (ANATEL), citada na Constituição da República, em seu art. 21, XI, com redação pela Emenda Constitucional (EC) n. 8, de 1995, foi criada pela Lei Federal n. 9.472, de 16 de julho de 1997, regulamentada pelo Decreto n. 2.338/1997 e pela Resolução ANATEL n. 270/2001, que aprovou seu Regimento Interno, com o objetivo de promover o desenvolvimento das telecomunicações no Brasil, para construir uma moderna e eficiente infraestrutura de telecomunicações, competente a proporcionar à sociedade no território nacional serviços adequados, diversificados e a preços justos. (cf. Vicente Bagnoli. Direito Econômico)

Com relação à Lei Federal n. 9.472/1997, destaca-se o seguinte: “Art. 19. À Agência compete adotar as medidas necessárias para o atendimento do interesse público e para o desenvolvimento das telecomunicações brasileiras, atuando com independência, imparcialidade, legalidade, impessoalidade e publicidade, e especialmente: […]  IV – expedir normas quanto à outorga, prestação e fruição dos serviços de telecomunicações no regime público; […] X – expedir normas sobre prestação de serviços de telecomunicações no regime privado;”

O Supremo Tribunal Federal (STF), no tocante, concedeu medida cautelar para proporcionar interpretação conforme a Constituição ao disposto, firmando a exegese de acordo com a competência da agência para emitir normas concernentes à outorga, prestação e fruição do serviço subordinada aos preceitos legais. Tem-se, assim, típica atividade de regulação da Anatel, isto é, a disciplina funcional dos serviços de telecomunicações, deste modo, a regulação se encontra, conforme a mencionada decisão, submetida ao princípio da legalidade, sem que a ótica de independência ou mesmo a previsão constitucional da Anatel possam alterar essa perspectiva. (cf. Clarissa Sampaio Silva. Legalidade e Regulação).

No contexto, Comparato problematiza a fonte da Lei. Quem faz a Lei? Daí, uma reflexão que se faz necessária para uma compreensão mais abrangente do fenômeno jurídico.

Marcelo Figueiredo, por sua vez, em sua obra As Agências Reguladoras, leciona: “As agências ou órgãos reguladores no Brasil somente podem ser compreendidos como entidades imbricadas no cerne da Administração Pública desempenhando funções administrativas e normativas, estas últimas de categoria derivada e complementar.”

Comparato, na palestra proferida na Faculdade de Direito da USP, ao ser indagado sobre a possibilidade de a ANATEL ingressar no STF, como Amicus Curiae, para assessorar os mesmos direitos reivindicados pelo professor, foi contundente ao frisar que as agências reguladoras não podem contrariar interesses específicos dos empresários, estando submetidas ao poder oligárquico, quando, na verdade, deveriam buscar o interesse público, em detrimento das necessidades privadas.

Qual seria, assim, a solução? Para Comparato, deve existir uma solução institucional por meio de processos, não revoluções, com a capacidade de se construir instituições não na superfície, não na forma, mas uma civilização universal a partir das raízes, onde, no Brasil, todavia, o povo se encontra há séculos submisso.

Nesse cenário, o palestrante, por fim, menciona o Padre Jaime Crowe, que ajuda a diminuir a violência no Jardim Ângela, em contraposição ao trapalhão Padre Tião, da novela dos anos 1960. Enquanto isso, a ação no STF contra o oligopólio da mídia surge em boa medida para enfrentar problema que se encontra incrustado nas vísceras do monstro midiático.

 

Nicholas MerNicolas Merlonelone é Articulista do Estado de Direito – Mestre em Direito pelo Mackenzie. Bacharel em Direito pela PUC/SP. Membro Associado do Observatório Constitucional Latino Americano (OCLA). Professor Universitário e Advogado.
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