O STF e a crise. A constitucionalidade formal é o limite?

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Supremo Tribunal Federal (STF) durante sessão plenária de julgamentos | Créditos: Nelson Jr/STF

Questões atinentes ao processo de impeachment

O STF vem sendo chamado a decidir inúmeras questões atinentes ao processo de impeachment, com maior ou menor importância. Decidiu sobre o rito do processo, dando maior autonomia e relevo à participação do Senado Federal; determinou de instauração de processo de impeachment proposto contra o Vice-Presidente Michel Temer; sem referir outras, que cercam a questão, como o impedimento de posse do ex-Presidente Lula como Ministro Chefe da Casa Civil, o indeferimento de medidas judiciais de urgência para suspender ou anular o processo de impeachment na Câmara dos Deputados, ou o afastamento cautelar de Eduardo Cunha, Presidente da Câmara dos Deputados, e réu de ação penal. Muitas delas somente decididas por meio de decisão monocrática, o que coloca problema de outra natureza, a não ser examinado neste espaço.

A velocidade com que se dão os acontecimentos e as provocações ao Supremo Tribunal Federal impede uma apreciação adequada de cada decisão. Mas há duas questões relevantes, que já se discutem nos meios jurídicos, que seleciono. A que órgão pertence a última palavra sobre o processo de impedimento do Presidente da República? Responderemos em artigo seguinte. A seguinte, de que trataremos: foi proposta no Senado, semanas atrás, a PEC 20/2016, pela qual, por meio de inclusão de dispositivo no Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, se convoca eleição antecipada para Presidente e Vice Presidente da República, em outubro deste mesmo ano, mantendo as eleições municipais. Ela prevê, também, que o TSE expeça instruções, podendo abreviar prazos, se necessário.

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Presidentes da Câmara, Eduardo Cunha, e do Senado, Renan Calheiros, após entrega do processo de impeachment da presidenta Dilma no Senado | Créditos: Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil

O argumento e as interpretações

Desde logo, se levantou o argumento contra a antecipação: o art. 60, § 4º, inciso, II, da Constituição Federal dispõe que “não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir: (…) o voto direto, secreto, universal e periódico;” (grifei). Interessa, no caso, a última expressão, grifada. A doutrina e a jurisprudência do STF sempre insistiram em que a expressão “tendente a abolir”, significa tendente a mutilar, a reduzir o alcance e não apenas a abolir de todo, literalmente. Tal o thelos da norma. Não há dúvida de que a PEC 20/2016 apresentada no Senado Federal atinge o período de mandato, reduzindo o da Presidente e de seu Vice. Estes podem, em tese, buscar a tutela judicial junto ao STF.

Quanto aos parlamentares, está pacificado no STF que têm legitimidade para propor mandado de segurança ou ação de rito ordinário para impedir o trâmite de proposta que viole o rito ou a condição prescrita no texto da Constituição. Existe pelo menos um precedente, embora remoto, mas específico, em relação ao tema objeto de Emenda: em 1980, os então Senadores Itamar Franco e Mendes Canale impetraram mandado de segurança, que tomou o nº 20.257, contra ato da Mesa do Congresso Nacional, autorizando a apreciação das PECs 51 e 52/1980, que visavam a prorrogar os mandatos dos Prefeitos e Vereadores. Foi Relator o Ministro Décio Miranda.

A conclusão foi, na sessão de 8 de outubro de 1980, a seguinte: “Inexistência, no caso, da pretendida inconstitucionalidade, uma vez que a prorrogação de mandato de dois para quatro anos, tendo em vista a conveniência da coincidência de mandatos nos vários níveis da Federação, não implica introdução do princípio de que os mandatos não mais são temporários, nem envolve, indiretamente, sua adoção de fatos. Mandado de segurança indeferido.” (D.J. de 27.02.1981).

De acordo com este parâmetro de interpretação, um tanto literal, o que é atingido é o período, e não a periodicidade. No âmbito comparativo, chama atenção que, naquele caso, visava-se a afastar o povo da participação. Neste, ao contrário, a chamá-lo, como árbitro soberano.

Porém, há outro dado a considerar: anuncia-se que a própria Presidente da República poderá propor Emenda idêntica, afastando assim seu interesse político e jurídico. Terá o Vice-Presidente um interesse autônomo, “legítimo”, como se diz em linguagem jurídica, para buscar a preservação do mandato, para o qual foi escolhido como mero coadjuvante?

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A presidenta Dilma Rousseff e o vice Michel Temer durante cerimônia de posse no Palácio do Planalto | Créditos: Marcelo Camargo/Agência Brasil

política e o direito

O debate pode alongar-se indefinidamente, no âmbito teórico da aplicação e interpretação das cláusulas pétreas. Mas não é o caso. O que se coloca aqui é a relação entre a política e o direito, são os limites do estado de direito formal. O país vive uma crise reconhecida por todos – crise econômica, política e institucional. Como desconsiderar que sobre o próprio Vice-Presidente pesam as exatas mesmas acusações que dão base ao processo de impeachment contra Presidente: as chamadas “pedaladas” fiscais? E que sobre o Partido dele, as mesmas acusações de desvio de dinheiro público para campanhas e para apropriação particular? E mais, é possível ignorar a falência do sistema político?

A questão de uma inconstitucionalidade, qualquer que seja, pode prevalecer diante de uma proposta de constituir o povo como mediador do conflito, de devolver-lhe a competência, como instância soberana, mormente se precedida a PEC de plebiscito, como propõem alguns? É possível sustentar que a forma constitucional prevaleça sobre o princípio democrático da soberania popular? É preciso lembrar as lições de Ferdinand Lassalle: a constituição real prevalece sobre a constituição nominal.

Sabemos que a Constituição sofre rupturas em diferentes níveis – desde a maior, com a edição, revolucionária ou não, de uma nova Constituição – até alterações intermediárias, que não estão autorizadas no texto, mas que são legitimadas por um determinado consenso, ainda que transitório.

Nessa conjuntura extrema, talvez o único consenso possível a formar é deslocar o conflito para um patamar decisório que evite a decomposição institucional ou o conflito caótico e permita retomar o fôlego político, em direção a uma alternativa.

Marcus Vinicius Martins AntunesMarcus Vinicius Martins Antunes é Articulista do Estado de Direito – Doutor em Direito pela UFRGS, ex- Professor Adjunto da UNISINOS, ex-professor da Faculdade de Direito Ritter dos Reis, e ex-Titular da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul.
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