O racismo no Brasil sob o olhar da Organização das Nações Unidas

Rui Magalhães Piscitelli[1]

            Nesta última sexta feira, 12 de setembro de 2014, a Organização das Nações Unidas – ONU divulgou relatórioA/HRC/27/68/Add.1, decorrente de visita técnica feita no Brasil, em dezembro de 2013 a fim de avaliar a questão do racismo[2].

            No referido relatório, inicialmente é o Brasil localizado como o responsável por quarenta porcento do movimento de escravos das Américas, sendo, ainda, o último País da região a abolir a escravatura.

            Importante à localização do foco do problema do racismo praticado no Brasil, o referido relatório aponta as grandes desigualdades sociais internas no seu território, despontando a região Nordeste como a mais afetada pela pobreza, e, justamente aí, sendo o racismo mais diagnosticado.

            O relato desconstitui a visão da democracia racial, na qual muitos acreditavam nosso País, por ser historicamente miscigenado, não haver a discriminação com base na raça.  Nesse sentido, o referido estudo avança e afirma viger, com vigor, em terras brasileiras, o “racismo institucional”.

            Dados sociais são analisados profundamente, como, por exemplo, a renda dos afrodescendentes cerca de metade da percebida pelos descendentes europeus, bem como o desemprego entre aqueles, superior cinquenta porcento em relação a estes últimos.

            Outros indicadores sociais, como saneamento e acesso à água corrente também são altamente piores para os afrodescendentes em relação aos descendentes europeus.

             Mas um ponto que preocupa demais, sob os olhos dos observadores internacionais é o racismo institucional.  Órgãos estatais, notadamente de persecução penal, são os responsáveis por esse fenômeno, à medida em que, nas suas operações, como representantes do Estado, tendem a estigmatizar os afrodescendentes.  Disso, a sociedade, além do preconceito inerente à sua própria condição, ainda tem o racismo institucionalizado em nome do próprio Estado.

            Avanços significativos, por outro lado, são relatados, como a promulgação do Estatuto da Igualdade Racial, o julgamento , pelo Supremo Tribunal Federal, pela constitucionalidade da política de cotas raciais adotadas pelas Universidades, e, também, a edição da Lei nº 12.711, de 2012, que, no âmbito federal, ao menos, obrigou as Instituições a implementarem as cotas raciais para ingresso no ensino técnico e universitário.

            Um importante aspecto analisado foi que, muitas vezes, um racismo esconde-se por trás de uma política de diminuição da desigualdade econômica.  Ou seja,tais políticas, a despeito de diminuírem o “fosso” entre grupos sociais, do ponto de vista econômico, não atentam para o racismo em si, que, desproporcionalmente, leva a que afrodescendentes ocupem as faixas mais pobres da sociedade.  Nesse sentido, é necessária a adoção de políticas de redução de desigualdades econômicas, claro, mas, mais do que proporcionalmente, é preciso identificar que os afrodescendentes precisam tratamento diferenciado nessas políticas.

            O referido relatório, contundentemente, sinaliza que as ações afirmativas raciais aplicadas no Brasil, a despeito de terem produzido já alguns resultados positivos no combate ao racismo, ainda carecem de reconhecimento social, na medida em que a visão da “democracia racial“ainda é muito utilizada, sobretudo pelas elites nacionais, na persecução da manutenção do poder.

            No quesito de acesso à justiça, o referido relatório traz preocupação no sentido , primeiro, da falta de conhecimento dos direitos por parte dos afrodescendentes, e, também, pela baixa quantidade, ainda, de efetivas punições aos transgressores em relação aos crimes raciais.

            Por outro lado, se a população afrodescendente não consegue extrair os benefícios do aparato judicial brasileiro, um dado impressionante trazido é que estima-se que, cerca de setenta e cinco porcento da população carcerária, no Brasil, é negra.  Ou seja, os afrodescendentes conhecem muito o sistema de persecução judicial no Brasil, mas, de regra, para puni-los.

            Outro dado impressionante trazido foi que, em 2010, setenta e seis porcento dos homicídios contra jovens, no Brasil, teve como alvo os afrodescendentes, na sua esmagadora maioria, do sexo masculino.

            Na sua conclusão, o referido relatório da ONU traz preocupação com o fomento a práticas racistas oriundas do próprio Estado brasileiro, quer pela aparência de que os crimes são cometidos por afrodescendentes, mas, também, pela omissão na formação dos agentes do Estado em práticas de direitos humanos.

            Também, a cultura arraigada na sociedade pró-racismo, quer direta, quer indiretamente, foi alvo de preocupação da ONU.

            Nesse sentido, estamos assistindo a episódios tristes de racismo até direto no Brasil, como nos estádios.  Parecia que havíamos “evoluído” no sentido da discriminação racial indireta, mas retroagimos para o estágio direto mesmo, ou seja, sem nenhum aperfeiçoamento ou “maquiagem”.

            O relatório de observadores da ONU é muito importante na medida em que nos faz refletir, ainda mais, nos problemas estruturais que o racismo no Brasil apresenta.

            Na segunda edição de nosso livro “Cotas raciais:o Estado como promotor de ações afirmativas e políticas para acesso dos negros à Universidade”, trouxemos as primeiras avaliações do sistema de cotas raciais praticado desde 2003, no Brasil, mediante Resoluções das Universidades.  Dessas avaliações, podemos constatar que vários dos estereótipos trazidos pelos críticos do sistema de cotas raciais no ensino como “a nota dos cotistas será extremamente menor” ou “a evasão dos cotistas será muito maior” são desmistificados e desmentidos.

            E, por isso, acreditamos tanto em uma política de cotas raciais para o acesso à Universidade, uma vez que, no Brasil, o racismo, nitidamente, é o de marca, no qual a ascensão social faz diminuir muito a pressão contra a cor.  Nesse cenário, a ascensão social , pela educação, o maior fator de crescimento e sustentabilidade social, é a grande meta das cotas raciais para o acesso à Universidade.  Um sistema, todavia, que deve ser permanentemente avaliado e que visa à sua extinção, na medida em que as desigualdades materiais não atinjam mais do que desproporcionalmente os afrodescendentes.

            Sabemos que estamos avançando, mas a exposição o mais ampla possível, por exemplo, desse relatório da ONU que estamos trazendo, bem como a formação mais humanista dos profissionais do Estado, principalmente dos seus órgãos de persecução, e, finalmente, o fortalecimento de disciplinas, desde o ensino fundamental, sobre a cultura negra, cremos, são os caminhos necessários que teremos de trilhar, mais rapidamente do que o que estamos fazendo, para que a sociedade brasileira não continue se destacando nos relatórios da ONU em relação ao racismo.

            Neste momento, de campanha eleitoral, com certeza, é um ponto que mereceria maior aprofundamento por parte dos candidatos.

[1] Mestre em Direitos Fundamentais. Professor de graduação e de pós-graduação em Direito.  Autor do livro, em segunda edição, “Cotas raciais: o Estado como promotor de ações afirmativas e políticas para acesso dos negros à Universidade”.

[2] Disponível em: http://www.ohchr.org/EN/HRBodies/HRC/RegularSessions/Session27/Pages/ListReports.aspx

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