Marco Legal da Mediação
No final do ano passado, entre as tradicionais festas de fim de ano, entrou em vigor o Marco Legal da Mediação no país (L 13.140/2015), e, com ela, muitos questionamentos e debates, especialmente em relação a conflitos com o Novo Código de Processo Civil (L 13.105/2015).
Uma das principais dúvidas é em torno da obrigatoriedade ou não da audiência de mediação, haja vista que a LMed, ao disciplinar a questão, não repetiu a possibilidade de que ambas as partes possam opor-se, em consenso, à sua realização, como se extrai da leitura de seus arts. 3.º e 27, especialmente este último, cuja redação reproduzimos: “Art. 27. Se a petição inicial preencher os requisitos essenciais e não for o caso de improcedência liminar do pedido, o juiz designará audiência de mediação” (destacamos).
Já tratamos do tema, entendendo ser, sim, hipótese de «obrigatoriedade» da referida audiência nos termos dos arts. 3.º e 27 da LMed (a quem se interessar, o artigo encontra-se disponível aqui).
Não voltaremos ao tema aqui. Nosso objetivo é enfrentar outra dúvida que surge dessa obrigatoriedade da audiência de mediação e que justamente dá título a esse artigo: afinal, o que é obrigatório na mediação obrigatória?
Trata-se de dúvida que também tem gerado preocupação a muitos operadores do direito, razão pela qual têm aventado impactos negativos decorrentes dessa obriga
toriedade, especialmente com relação ao problema da morosidade da justiça. Não cremos, contudo, que, no médio e longo prazo, haja esse impacto negativo; ao revés, frutificando a «cultura de pacificação», como se espera, seu efeito será «positivo» no médio e longo prazo, ainda que, num primeiro momento, pela necessidade de estruturação e capacitação de mediadores, o que tem sido feito de forma muito mais acanhada do que se necessita, enfrentemos certas dificuldades.
Por evidente, chegar a um acordo não é obrigatório, o que, aí, sim, seria inconstitucional. De igual sorte, não se obriga a «permanecer» num procedimento de mediação.
Nesse contexto, o que, de fato, é obrigatório nos dado pela própria Lei de Mediação. Essa obrigatoriedade recai apenas e tão somente no «dever» de participar da «primeira» sessão de mediação.
A obrigatoriedade da primeira reunião de mediação
Esse entendimento pode ser extraído, por analogia, quando a lei trata da «cláusula contratual que preveja a obrigatoriedade de mediação», como, por exemplo, em seu art. 2o §§ 1.º e 2.º (“§ 1o Na hipótese de existir previsão contratual de cláusula de mediação, as partes deverão comparecer à primeira reunião de mediação. § 2o Ninguém será obrigado a permanecer em procedimento de mediação” e “Art. 22. A previsão contratual de mediação deverá conter, no mínimo: […] IV – penalidade em caso de não comparecimento da parte convidada à primeira reunião de mediação. […] § 2o Não havendo previsão contratual completa, deverão ser observados os seguintes critérios para a realização da primeira reunião de mediação: […] IV – o não comparecimento da parte convidada à primeira reunião de mediação acarretará a assunção por parte desta de cinquenta por cento das custas e honorários sucumbenciais caso venha a ser vencedora em procedimento arbitral ou judicial posterior, que envolva o escopo da mediação para a qual foi convidada“), bem como de outras passagens referentes a disposições comuns ao procedimento de mediação (“Art. 17. Considera-se instituída a mediação na data para a qual for marcada a primeira reunião de mediação. Art. 18. Iniciada a mediação, as reuniões posteriores com a presença das partes somente poderão ser marcadas com a sua anuência“).
Assim, andou bem o legislador, harmonizando «liberdade individual» e «comprometimento social» (v. Preâmbulo da Constituição Federal, constituição essa que representa o nosso Contrato Social), obrigando apenas ao comparecimento à «primeira» sessão de mediação, mas sem mitigar em demasia a autonomia privada, prescrevendo que as demais sessões só ocorrerão com a anuência das partes.
E por que é tão importante essa obrigatoriedade ao comparecimento à primeira sessão? Ora, num país que vive inequivocamente uma «cultura de sentença» (Kazuo Watanabe) e que ainda dá passos no desenvolvimento de uma «cultura de mediação», essa primeira sessão é crucial (e daí a importância de sua obrigatoriedade) para que o mediador, treinado e capacitado, possa tentar aplacar o «medo do novo» (= “não conheço e não gosto da mediação”), explicando o é e como se desenvolverá o procedimento de mediação.
O papel do mediador
Isso não significa que o mediador terá êxito em todos os casos, porém, é a oportunidade para que ele faça ao menos a «introdução» do procedimento de mediação (a que alguns autores denominam de setting the table, no modelo de Harvard), ou seja, o momento em que ele cuidará logística, fará a introdução, explicará os papéis (de «protagonistas») das partes, explicará que não dará conselhos nem terá qualquer função julgadora ou decisória, estabelecerá em conjunto com as partes as regras do procedimento (p. ex., quem falará primeiro, a necessidade de falar um de cada vez, de ouvir o outro, a necessidade de respeito mútuo etc.), explicará a confidencialidade, a possibilidade e o que são os encontros privados (os chamados caucus), e como a mediação vai prosseguir.
É dizer, o legislador obrigou o minimum minimorum para que, frustrada a mediação, abra, então, as portas da jurisdição, salvo nas hipóteses de casos que não admitam mediação ou em que haja urgência ou risco de perecimento do direito (cfr. LMed arts. 3.º, 23 e 27).
Não houve negativa de acesso à justiça nem violação ao art. 5.º inc. XXXV, mas apenas um equilíbrio entre esse direito fundamental e comprometimento social com a solução pacífica das controvérsias (CF Preâmbulo), de modo a que as partes tentem dialogar entre si, com o auxílio de um terceiro treinado e capacitado (mediador), participando de uma única sessão (obrigatória) de mediação (as demais só ocorrerão com o mútuo consenso) antes de se proceder à resolução do problema de forma adjudicada (= sentença, judicial ou arbitral).
Não me parece que num país em que o processo demora décadas e décadas, o comparecimento a essa única sessão de mediação impactará sobremaneira o problema da morosidade judicial (ainda que isso possa ocorrer no começo, ante a ausência de estrutura e mediadores), especialmente tendo-se em conta que essas sessão não ocorrerá na presença do magistrado, cujas audiências naturalmente demoram mais a serem marcadas, diante do acúmulo de trabalho, e, sim, através do exército de mediadores que o Brasil terá de treinar e capacitar nos próximos anos.
Thiago Rodovalho é Articulista do Estado de Direito – Professor-Doutor da PUC|Campinas. Doutor e Mestre em Direito Civil pela PUC/SP, com Pós-Doutorado no Max-Planck-Institut für ausländisches und internationales Privatrecht em Hamburgo, Alemanha. Membro do IASP, do IDP, do IBDP, do CEAPRO e do IBDFAM. Autor de diversas publicações no Brasil e no exterior. Advogado em SP.
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