O que é isto? – a responsabilidade política dos juízes?

Coluna Instante Jurídico

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Fonte: pixabay

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Responsabilidade

Etimologicamente falando, responsabilidade é um substantivo feminino que deriva da palavra latina “respondere”, que, por sua vez, significa “responder, prometer em troca” – E a coluna de hoje trata, especificadamente, sobre isso.

No intuito de viabilizar a referida proposta, é preciso, antes de mais nada, que situemos o leitor no lugar da fala, isto é, esclarecer sobre o quê estamos a falar. Digo isso porque os textos que alimentam a presente coluna costumam ser elaborados a partir de experiências vivenciadas por mim durante o período da graduação ou da análise proveniente das recentes ocorrências no exercício da docência ou da militância na advocacia.

A esse respeito, lembro-me que durante uma conversa informal com um magistrado em meados do ano de 2008, fui surpreendido por uma reflexão que só fui entender, verdadeiramente, tempos depois, quando, no Mestrado, passei a ter contato com a mais fina filosofia.

Nesse sentido, em que pese as variações ocorridas devido a passagem do tempo, permito-me descrever uma pequena parte do referido diálogo. Senão vejamos:[…] – E o que é isto? – Perguntou-me o juiz apontando para o encadernado com capa que parecia ser feita de papelão e que se encontrava sobre a mesa.

– Ora, é um processo. – Respondi ingenuamente.
– Receio que não, meu caro. – Disse ele discordando da minha resposta ao tempo em que reclinava o corpo em sua cadeira.
– Perdoe-me – disse eu –, quis dizer que são autos do processo. – Respondi novamente, da maneira que nos ensinam na faculdade.
– Nem um, nem outro. – Retorquiu ele, como que a sinalizar que aqueles conceitos não se aplicavam para a reflexão que estava sendo desenvolvida ali. E continuou – Em verdade, aquela resma de papel descreve situações que envolvem a vida de pelo menos duas pessoas. Então, se quiser fazer o que é certo, na trilha do que diz o Direito, é importante que você haja com responsabilidade.[…]

Não é demasiado dizer, mas, aquelas palavras me atingiram como um raio. Devo acrescentar que, naquela ocasião, fiquei positivamente chocado, tanto, que não conseguia pronunciar, sequer, a próxima frase. Foi aí que percebi que me encontrava aprisionado a conceitos metafísicos do passado.

Os magistrados possuem uma responsabilidade política

Afinal, quem iria imaginar que naquela despretensiosa conversa, aprenderia coisas tão importantes como: o Direito não deve ser utilizado como discurso de autoridade; o juiz deve julgar observando o que prevê a norma jurídica e, principalmente; os magistrados possuem uma responsabilidade política.

Sobre esse último ponto, aliás, existe no mundo uma vasta literatura – nada mais natural, afinal, o Direito, em um sentido lato, possui, também, uma justificação política.[1]

Entretanto, para o que se pretende aqui, valemo-nos de Dworkin ao relembrar de que “a responsabilidade política dos juízes implica decisões assentada em argumentos de princípios.”[2]

Lenio Streck mprs

Lenio Streck | Fonte: MPRS

Mas o que isso quer dizer especificadamente?

Segundo Lenio Streck, seria:

“Decidir de modo a reconhecer direitos, e não a criá-los a partir de argumentos subjetivos ou políticos”[3] ou, por outras palavras, admitir a ideia de limitação do Poder Judicial, a partir da refutação da discricionariedade dos juízes.[4]

Tal afirmativa se justifica porque a discricionariedade judicial reflete a maior aporia do juspositivismo, isso porque, apesar de existirem leis que estabelecem os critérios para a resolução dos conflitos, continuamos a observar situações em que estas cedem espaço ao que diz a consciência individual do julgador.[5]

Nesses casos, é possível indagar: qual seria então a necessidade das leis? E da Constituição?

Como se vê, a resposta para essa pergunta não se mostra uma tarefa fácil, pois estamos diante de um típico paradoxo jurídico. E paradoxos, como se sabe, não têm solução, a não ser que se construa um modo artificial de superá-los.[6]

Diante dessa conjugação, é preciso ter em mente que durante o exercício da atividade jurisdicional, a interpretação deve ser contemplada como uma ferramenta voltada a reedificar o Direito sob o ponto de vista da coerência e da integridade, no intuito de se buscar uma melhor justificação para as práticas judiciárias, que se dá a partir da noção de sociedade como comunidade de princípios.[7]

Fonte: Governo de Guaíra/PR

Fonte: Governo de Guaíra/PR

E é preciso deixar claro:

Uma comunidade de princípios não encara a legislação do mesmo modo que uma comunidade baseada em códigos, como acordos negociados que não têm nenhum significado adicional ou mais profundo além daquele declarado pelo texto da lei; trata a legislação como uma decorrência do compromisso atual da comunidade com o esquema precedente de moral política.[8]

A julgar pelo caráter inteiriço das bases que fundamentam o fenômeno jurídico, verifica-se que os princípios se apresentam como o elemento capaz de fornecer as estruturas necessárias para protetividade de direitos elaborados a partir de uma racionalidade moral de cariz fundamental.

E esse é o ponto fulcral da questão: quando falamos em responsabilidade política dos juízes, significa dizer que o julgador deve, no momento da decisão, decidir segundo o que diz o Direito com base em argumentos de princípios.[9] Afinal, na maioria dos casos, ele não está constitucionalmente autorizado a fazer uma escolha dentre as várias fundamentações consideradas possíveis.[10]

Pensar em sentido contrário seria o mesmo que admitir um comportamento metafísico, entificante e, por vezes arbitrário, que em nada se coaduna com as disposições democráticas da contemporaneidade.

Se você, assim como eu, deseja que o Direito seja levado à sério, é preciso que aprofundemos nessa reflexão, nem que seja a partir de uma conversa informal, assim como aquela iniciada com um juiz tempos atrás, no longínquo ano de 2008.

Notas e referências bibliográficas:

[1] STRECK, Lenio Luiz. Democracia, jurisdição constitucional e presidencialismo de coalizão. In: Observatório da Jurisdição Constitucional. Brasília: IDP, Ano 6, vol. 1, mai./2013, p. 215. Disponível em: <https://www.portaldeperiodicos.idp.edu.br/observatorio/article/view/856/595>. Acesso em: 16 jul. 2016.
[2] Idem.
[3] Idem.
[4] TASSINARI, Clarissa. A atuação do judiciário em tempos de constitucionalismo contemporâneo: uma crítica ao ativismo judicial. In: Rev. Fac. Dir. Sul de Minas, Pouso Alegre, v. 28, n. 2, jul./dez. 2012, p. 43. Disponível em: <http://www.fdsm.edu.br/adm/artigos/7abc42e3c238ed40fa16761147b48b1d.pdf>. Acesso em: 16 jul. 2016.[5] LUIZ, Fernando Vieira. Teoria da decisão judicial: dos paradigmas de Ricardo Lorenzetti à resposta adequada à Constituição de Lenio Streck. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2013, p. 40.
[6] STRECK, Lenio Luiz. A concepção cênica da sala de audiência e o problema dos paradoxos. AMPERJ – Associação do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 8 mai. 2013. Disponível em: <http://www.amperj.org.br/artigos/view.asp?ID=85>. Acesso em: 16 jul. 2016.
[7] TASSINARI, Clarissa, Op. cit., p. 43.
[8] Cf. DWORKIN, Ronald. O império do Direito. Trad. Jeferson Luiz Camargo. São Paulo: Martins Fontes, 1999, p. 413.
[9] STRECK, Lenio Luiz. Op. cit., p. 218.
[10] TASSINARI, Clarissa, Op. cit., p. 44.
Raphael AlmeidaRaphael de Souza Almeida Santos é Articulista do Estado de Direito. Graduado em Direito pela Faculdade Pitágoras – Unidade Divinópolis. Pós-graduado em Direito Civil e Processual Civil pelo Centro Universitário de Araras (UNAR/SP). Mestre em Direito Público pela Universidade Estácio de Sá (UNESA/RJ). Professor do Curso de Direito da Faculdade Guanambi (FG/BA). Coordenador do Grupo de Pesquisa de Direito e Literatura, do Curso de Direito da Faculdade Guanambi (FG/BA). Palestrante. Autor e colaborador de artigos e livros. Advogado inscrito na OAB/BA e OAB/MG.
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