Coluna Instante Jurídico
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Responsabilidade
Etimologicamente falando, responsabilidade é um substantivo feminino que deriva da palavra latina “respondere”, que, por sua vez, significa “responder, prometer em troca” – E a coluna de hoje trata, especificadamente, sobre isso.
No intuito de viabilizar a referida proposta, é preciso, antes de mais nada, que situemos o leitor no lugar da fala, isto é, esclarecer sobre o quê estamos a falar. Digo isso porque os textos que alimentam a presente coluna costumam ser elaborados a partir de experiências vivenciadas por mim durante o período da graduação ou da análise proveniente das recentes ocorrências no exercício da docência ou da militância na advocacia.
A esse respeito, lembro-me que durante uma conversa informal com um magistrado em meados do ano de 2008, fui surpreendido por uma reflexão que só fui entender, verdadeiramente, tempos depois, quando, no Mestrado, passei a ter contato com a mais fina filosofia.
Nesse sentido, em que pese as variações ocorridas devido a passagem do tempo, permito-me descrever uma pequena parte do referido diálogo. Senão vejamos:[…] – E o que é isto? – Perguntou-me o juiz apontando para o encadernado com capa que parecia ser feita de papelão e que se encontrava sobre a mesa.
– Ora, é um processo. – Respondi ingenuamente.
– Receio que não, meu caro. – Disse ele discordando da minha resposta ao tempo em que reclinava o corpo em sua cadeira.
– Perdoe-me – disse eu –, quis dizer que são autos do processo. – Respondi novamente, da maneira que nos ensinam na faculdade.
– Nem um, nem outro. – Retorquiu ele, como que a sinalizar que aqueles conceitos não se aplicavam para a reflexão que estava sendo desenvolvida ali. E continuou – Em verdade, aquela resma de papel descreve situações que envolvem a vida de pelo menos duas pessoas. Então, se quiser fazer o que é certo, na trilha do que diz o Direito, é importante que você haja com responsabilidade.[…]
Não é demasiado dizer, mas, aquelas palavras me atingiram como um raio. Devo acrescentar que, naquela ocasião, fiquei positivamente chocado, tanto, que não conseguia pronunciar, sequer, a próxima frase. Foi aí que percebi que me encontrava aprisionado a conceitos metafísicos do passado.
Os magistrados possuem uma responsabilidade política
Afinal, quem iria imaginar que naquela despretensiosa conversa, aprenderia coisas tão importantes como: o Direito não deve ser utilizado como discurso de autoridade; o juiz deve julgar observando o que prevê a norma jurídica e, principalmente; os magistrados possuem uma responsabilidade política.
Sobre esse último ponto, aliás, existe no mundo uma vasta literatura – nada mais natural, afinal, o Direito, em um sentido lato, possui, também, uma justificação política.[1]
Entretanto, para o que se pretende aqui, valemo-nos de Dworkin ao relembrar de que “a responsabilidade política dos juízes implica decisões assentada em argumentos de princípios.”[2]
Mas o que isso quer dizer especificadamente?
Segundo Lenio Streck, seria:
“Decidir de modo a reconhecer direitos, e não a criá-los a partir de argumentos subjetivos ou políticos”[3] ou, por outras palavras, admitir a ideia de limitação do Poder Judicial, a partir da refutação da discricionariedade dos juízes.[4]
Tal afirmativa se justifica porque a discricionariedade judicial reflete a maior aporia do juspositivismo, isso porque, apesar de existirem leis que estabelecem os critérios para a resolução dos conflitos, continuamos a observar situações em que estas cedem espaço ao que diz a consciência individual do julgador.[5]
Nesses casos, é possível indagar: qual seria então a necessidade das leis? E da Constituição?
Como se vê, a resposta para essa pergunta não se mostra uma tarefa fácil, pois estamos diante de um típico paradoxo jurídico. E paradoxos, como se sabe, não têm solução, a não ser que se construa um modo artificial de superá-los.[6]
Diante dessa conjugação, é preciso ter em mente que durante o exercício da atividade jurisdicional, a interpretação deve ser contemplada como uma ferramenta voltada a reedificar o Direito sob o ponto de vista da coerência e da integridade, no intuito de se buscar uma melhor justificação para as práticas judiciárias, que se dá a partir da noção de sociedade como comunidade de princípios.[7]
E é preciso deixar claro:
Uma comunidade de princípios não encara a legislação do mesmo modo que uma comunidade baseada em códigos, como acordos negociados que não têm nenhum significado adicional ou mais profundo além daquele declarado pelo texto da lei; trata a legislação como uma decorrência do compromisso atual da comunidade com o esquema precedente de moral política.[8]
A julgar pelo caráter inteiriço das bases que fundamentam o fenômeno jurídico, verifica-se que os princípios se apresentam como o elemento capaz de fornecer as estruturas necessárias para protetividade de direitos elaborados a partir de uma racionalidade moral de cariz fundamental.
E esse é o ponto fulcral da questão: quando falamos em responsabilidade política dos juízes, significa dizer que o julgador deve, no momento da decisão, decidir segundo o que diz o Direito com base em argumentos de princípios.[9] Afinal, na maioria dos casos, ele não está constitucionalmente autorizado a fazer uma escolha dentre as várias fundamentações consideradas possíveis.[10]
Pensar em sentido contrário seria o mesmo que admitir um comportamento metafísico, entificante e, por vezes arbitrário, que em nada se coaduna com as disposições democráticas da contemporaneidade.
Se você, assim como eu, deseja que o Direito seja levado à sério, é preciso que aprofundemos nessa reflexão, nem que seja a partir de uma conversa informal, assim como aquela iniciada com um juiz tempos atrás, no longínquo ano de 2008.