O que a fotografia ensina à política

Coluna Democracia e Política

Se você deseja se tornar um colunista do site Estado de Direito, entre em contato através do e-mail contato@estadodedireito.com.br

 

Fotógrafo - commons

Créditos: commons wikimedia

 

Fotografia e política

Em tempos de eleições com poucos recursos repleta de limites institucionais, os candidatos terão à sua disposição recursos financeiros mínimos e as mídias sociais. Por esta razão, é importante tirarem o máximo de retorno dos investimentos de divulgação. Boa parte dos candidatos já faz um bom uso das mídias sociais modernas, como a internet, com suas comunidades no Facebook e sites do gênero e inclusive há aqueles que centraram suas campanhas nestas ferramentas. Nestas horas, vale a pena rever a contribuição de um dos recursos mais tradicionais de divulgação política através de um recurso, a fotografia.

Tomemos um exemplo. Maurecy Souza dos Santos, o Santinho, é um dos nomes obrigatórios quando se fala da construção do fotojornalismo legislativo em Porto Alegre.  Uma de suas imagens mais conhecidas e de maior impacto capta o instante preciso da afirmação do mito político: o retrato do então presidente da Câmara Municipal de Porto Alegre, Vereador André Forster, nas obras do Palácio Aloísio Filho. A imagem foi feita em uma das inúmeras visitas ao canteiro de obras do Legislativo, no ano de 1984. Trata-se de não apenas de um grande registro fotográfico, mas um legítimo “documento histórico”, pela sua intenção e natureza. Não oferece obstáculos a identificação. Ali está o Presidente da Câmara Municipal, observando com atenção seu maior feito, a finalização das obras do parlamento local. Em um tempo em que a arte da fotografia se expande a exaustão, onde todos se transformaram em fotógrafos com as câmeras digitais de celulares, sua lição é que uma foto bem feita retrata um homem.

 Foto Maurecy Santos

André Forster | Créditos: CMPA, foto por Maurecy Santos

Políticos inundam as redes sociais com milhares de imagens. São retratos de eventos, reuniões, visitas ao seu público eleitor. Mas serão todas expressivas como registro político? Se por um instante nos detivermos em observar a imagem feita por Santinho como fonte histórica, ela se revela rica de detalhes para a compreensão da história política recente de Porto Alegre. Primeiro porque seu autor, Santinho, não era um fotógrafo qualquer: ele era o fotógrafo preferido pela geração de políticos de Porto alegre nos anos 80 e 90.  Vereadores, Deputados Estaduais, enfim, todos conheciam Santinho. Suas imagens visuais tinham uma importância para este grupo social: sedimentavam a ponte pela qual podiam se aproximar de seus eleitores, pois ele era capaz de criar ”aquela foto”.

O que está em jogo na história política de Porto Alegre que fazem com que as fotografias produzidas por Santinho no período entre 1981 e 2001  quando foi Chefe do Setor de Fotografia da Câmara Municipal  tenham um “valor especial”? É que, se por um lado, Porto Alegre atravessa o contexto da redemocratização, é também o período em que também surgiu o crescente interesse de políticos locais na construção de sua imagem pública positiva junto a população. Isto é, a sua importância estava na capacidade de colaborar na produção de uma opinião pública favorável a imagem do parlamentar retratado. Por outro lado, a qualidade do jornalismo político produzido por Santinho, fotógrafo com larga experiência obtida nos principais veículos de comunicação do país, faziam com que seu trabalho se diferenciasse dos fotógrafos tradicionais  por incorporar aspectos relativos a dimensão mítica na política local.

Nesse sentido, analisar a mensagem fotográfica elaborada por Santinho durante sua permanência na Câmara Municipal de Porto Alegre é um dos raros momentos em que podemos relacionar a produção portoalegrense no campo da fotografia com a tradição do fotojornalismo político brasileiro, ao mesmo tempo em que podemos fazer importantes reconstruções do seu diálogo com a cultura visual elaborada por outros fotógrafos de políticos locais, como Sioma Breitmann. Quer dizer, para além da fotografia de massa, feita na correria com câmeras de celulares pelos politicos e seus assessores, a fotografia-arte-da-política. Mas há outro motivo para voltarmos as imagens de Santinho, o de que sugere elementos a forma e expressão de conteúdos da mensagem fotográfica na política. Elas revelam  como retratar políticos locais e como as representações criadas por Santinho colaboraram para a formação de uma sensibilidade para a política. O primeiro aspecto é ser capaz de revelar nas fotografias representações dos vereadores como suportes de relações sociais.

Os vereadores retratados nas fotografias de Santinho são o signo através do qual relações sociais e políticas se revelam.  É da essência do fotojornalismo de Santinho, a idéia de buscar transgredir a dimensão real dos vereadores transformando-os em mitos.

 

Fotografia como documento histórico

Esta visão não deixa de ser instrumental. Ela partilha a ideia de que a fotografia é um documento histórico, que  surge em sua relação com a política como um recurso para o exercício do poder. Quer dizer, ao mesmo tempo que uma boa fotografia retrata a alma da política, do politico, as fotografias de Santinho são exemplos de como documentos fotográficos bem executados colaboração para constituição do imaginário político, no caso , nas décadas de 80 e 90. Na forma de compor suas fotografias, Santinho revela o diálogo que estabeleceu com as referências políticas de seu tempo.

Estudiosos dedicam-se a incorporar a fotografia como parte integrante da reconstrução histórica de uma época. Para a historiadora Silvia Regina Ferraz Petersen, a partir de sua experiência de docência e pesquisa na UFRGS e ampla bibliografia, é preciso um conceito “alargado” de historiografia “que considere não apenas as questões da produção do conhecimento histórico, mas também sua disseminação social, onde se incluem as relações com a mídia, hoje indispensáveis tanto na esfera da produção como na divulgação, repercussão do conhecimento histórico”. Sua análise é importante por abordar a produção do conhecimento histórico nas décadas de 80 e 90, considerando a importância de várias mídias, justamente o período em que a contribuição de Santinho para o fotojornalismo político de Porto Alegre foi mais evidente. Neste período destaca a autora, ocorreu o alargamento do campo de fontes em história, revelada pela necessidade de incorporação de novos temas à ótica historiográfica como pelo tratamento de novas abordagens às atuais reflexões teórico-metodológicas. A  fotografia política é algo muito importante para ficar apenas com os fotógrafos.

O diagnóstico de Petersen se aplica ao estado atual da pesquisa histórica com fotografias. Dois autores são clássicos na abordagem da questão. O primeiro é Boris Kossoy  para quem “o estudo da documentação fotográfica como instrumento de apoio à pesquisa e a interpretação multidisciplinares é ainda recente no Brasil”. Sua obra, Dicionário Histórico-Fotográfico Brasileiro ofereceu ao público as características básicas da expansão da fotografia no país, descrevendo dos pioneiros da daguerreotipia ao progressivo desenvolvimento da atividade fotográfica a partir da década de 1860 e os novos processos e técnicas fotográficas introduzidos no pais até o final do século XIX.  Apesar de seu estudo abranger a história da produção fotográfica até 1910, Kossoy destaca a importância de estudos da década de 50, como The Focal Enciclopédia of Photography ou na década de 70 da Cassels Encyclopaedia of Photography, obras ambiciosas que buscaram cobrir, em todo o mundo, a história do conhecimento fotográfico.

Nesta literatura, raros são os estudos de fotógrafos contemporâneos realizados pelos historiadores brasileiros.  Um dos que se destaca é Ulpiano T. Bezerra de Meneses , que ao analisar a obra de Robert Capa apontou características importantes para análise do documento fotográfico: o problema da autenticidade, onde questiona se devemos tomar a imagem como um produto em si ou determinado pelas suas condições de sua produção; o problema da iconização da imagem, a transformação das fotografias em imagens emblemáticas, entre outros. Meneses chega a conclusão da necessidade de estudar séries iconográficas para chegar a resultados mais sólidos, com uma ressalva: “séries iconográficas não devem constituir objetos de investigação em si, mas vetores para a investigação de aspectos relevantes na organização, no funcionamento e na transformação de uma sociedade” (MENESES, p. 150).

A exposição Moderna para Sempre – Fotografia Modernista Brasileira traz obras de importantes artistas como German Lorca, José Yalenti e Marcel GiróDivulgação

Exposição Moderna para Sempre | Reproduzido de Agência Brasil | Divulgação

Enquanto Meneses analisa um fotógrafo estrangeiro, Lygia Segala e Ana Maria Mauad concentram sua atenção em fotógrafos brasileiros do século XIX.  A primeira analisa a obra do fotografo Victor Frond (1821-1881), militante republicano francês e fotógrafo autorizado do Império que registrou cenas da capital do país. A segunda analisa a obra da fotógrafa Nenevieve Naylor, que fotografou o Brasil entre 1941 e 1942 sob os auspícios do Office of Inter-American Affairs (OIAA), órgão responsável pela política de boa vizinhança com o Brasil.  Ambos apontam para a importância da biografia de fotógrafos como elemento fundamental para a reconstituição da história da fotografia. Aqui, a ênfase na história de vida, análise do perfil do fotógrafo, as relações entre as circunstâncias vívidas e as características de sua personalidade oferecem uma contribuição importante para localizar o papel desempenhado pelos fotógrafos em suas relações com o seu entorno e a política.

Em Porto Alegre, a história da fotografia é limitada a poucos estudos. Luiz Eduardo R. Achutti organizou a obra Ensaios sobre o fotográfico, publicada pela Prefeitura de Porto Alegre para a série “Escrita Fotográfica” da Secretaria Municipal de Cultura. Para Achutti  os vários ensaios deste livro poderiam ser reunidos em três blocos” pelo prisma da história da fotografia, da prática fotográfica e da fotografia como linguagem e suas articulações com o campo das ciências humanas”. A obra contém ensaios de Ricardo Chaves, Etienne Samain, Mauro G. P. Koury, Milton Guran e outros que analisam a história da fotografia na capital. Publiquei uma pequena contribuição,  intitulada “ História da Fotografia em Porto Alegre”   onde abordei a obra de cinco fotógrafos da capital: Luiz Terragno, Virgilio Calegari, Irmãos Ferrari,  Inocêncio Barbeitos e Sioma Breitmann. Uma das conclusões a que cheguei é que no Rio Grande do Sul não apenas firmou-se uma tradição política importante para a história do pais, como também uma fotografia política que cortejava com os grandes líderes políticos da região. Numa palavra, não existiu prática política sem as formas de sua representação.

Reproduzido de http://www.ufrgs.br/leiturasdacidade/imagemgal/irmaos2.JPG

 

Mas uma característica das fotografias de Santinho merece ser aprofundada. No que se refere a historiografia relativa ao mito do herói, Marshall e Pires apontam uma distinção fundamental entre os estudos sobre estudos sobre o herói, inaugurado desde antiguidade, e os estudos sobre o mito do herói, propostos a partir do século XIX até hoje.  Para os autores

“A reflexão contemporânea sobre o mito do herói está informada não apenas por estas tradições hermenêuticas desenvolvidas no campo dos estudos de mito e folclore em plano comparativo, mas também pelos interesses advindos de outros campos das Ciências Humanas, notadamente da Ciência Política e de certa vertente da historiografia relacionada à história política (Félix & Elmir, 1998), interessadas, especialmente, nas categorias de liderança construídas sobre a plataforma de significados oferecida pelo mito do herói, em uma tradição plenamente atuante como ideologia política, inclusive no Brasil contemporâneo. Efetivamente, o estudo do mito do herói oferece como resultado códigos de informações extremamente proveitosos para a compreensão de múltiplos contextos, em especial aqueles em que se destaca algum grande líder, ocasião em que logo aparecem, cooperantes, as ideologias de poder presentes no mito do herói.”

 

Dimensão heroica da política

Num universo político marcado pela corrupção, está cada vez mais díficil representar a dimensão heroica da politica, eis a lição de Santinho. De certa forma, isso significa que a fotografia nos oferece o único objeto digno de ser retratado: a dignidade moral do político, a experiência de uma geração. Por isso as relações da história e fotografia tem questões essenciais que merecem serem valorizadas, entre elas aquilo que o filósofo Nelson Brissac Peixoto denominou de ética das imagens. Partindo de uma história da fotografia, tal como apresentada por Ana Maria Mauad, ela sugere entender o lugar da fotografia produzida por Santinho na história política recente de Porto Alegre: ela foi auxiliar importante na construção dos significados políticos de uma geração. Sua fotografia é como uma mensagem que se elabora através do tempo, tanto como imagem/monumento quanto como imagem/documento. Santinho foi uma testemunha direta e indireta do passado político recente da capital.

Há problema que envolvem tanto a natureza técnica das imagens produzidas por Santinho como seu próprio ato de fotografar. Mauad aponta para o fato de que para solucionar os problemas que o tema impõe é necessário assumir uma proposta transdisciplinar: “a fotografia é interpretada como resultado de um trabalho social de produção de sentido, pautado por códigos convencionalizados culturalmente. É uma mensagem, que se processa através do tempo” (MAUAD, p. 79, grifo nosso).

Palácio Aloísio Filho

Créditos: CMPA, foto por Maurecy Santos

Por que fotografias políticas como a de Santinho colaboram com o trabalho do historiador? Aqui trata-se de uma novidade, a de que a fotografia de Santinho é uma fonte para a reconstrução da história política local no sentido de uma história do presente. Entre a análise das fotografias do legislativo do ponto de vista histórico, antropológico ou dos Estudos Legislativos, onde se situar? A melhor resposta ainda é tratar  como história imediata, a história política como uma das formas da história imediata e o papel dos acervos fotográficos é interpretar, através de fotografias não tão antigas, a realidade politica a partir de como documentos legislativos (fotográficos) tão importantes de uma perspectiva histórica, política e voltada para o presente  quanto projetos de lei, bem distinta do que uma sociologia política poderia se propor a fazer. Diz a esse respeito o historiador Marcos da Silva em História: que ensino é esse?

“A história imediata, todavia, pode ser marcada não apenas pela identidade entre tempo da escrita e tempo da vivência. Ela evidencia um papel ativo por parte de quem a experimenta e pensa, construindo historicidade como saber e prática. Daí caracterizar-se como história em produção e possibilitar estender para qualquer tipo de conhecimento histórico – malgrado múltiplas diferenças teóricas e técnicas – esse traço”.(p.31).

No caso de Santinho, é evidente que somente a reconstrução de sua produção do ponto de vista de uma história do presente é capaz de valorizar o papel de autor que cabe ao fotógrafo. Mais: permite ver sua obra como capaz de constituir-se em espaço de difusão de mitos políticos.  A boa fotografia tem lugar de destaque no campo político e se é um momento em que pelo voto que se organiza toda a vida política democrática,  a fotografia política pode ser compreendida como um dos elementos que contribui para a escolha do cidadão eleitor. É ele que contribui para a oferta do mercado político – Santinho é também o nome que se dá as fotografias que os vereadores distribuem aos seus eleitores. A mensagem fotográfica é uma das modalidades dos políticos se exporem aos seus públicos e os núcleos imagéticos ou simbólicos que possam conter funcionam como mitos políticos que promovem uma relação emocionalizada entre o público e as imagens de seus políticos.

O modo como a mensagem fotográfica funciona é tabula de construção de mitos no imaginário político. O argumento é de Kátia Mendonça, é preciso recuperar  o mito do herói na política. Políticos que façam sacrificios, que tenham seu comportamento baseado na virtude frente a corrupção da política é o caminho que a boa fotografia sugere aos políticos que vão concorrer nas próximas eleições. Com imagens que valorizavam os políticos locais, Santinho realizava fotografias que outorgavam uma aura (Benjamin) aos fotografados, como na imagem de André Forster.

Tratando os políticos como o “salvador político” da cidade, a comparação com a mitologia grega é aqui inevitável, já que foi lá, que pela primeira vez foi colocado o herói a meio caminho entre os deuses e os homens. Depois, na Idade Media, este ideal somou-se a bravura, intrepidez e luta por um ideal ético. Teria Santinho se destacado entre os fotógrafos locais por ter sido capaz de inspirar em suas imagens uma visão dos vereadores e políticos locais como herói, como nossos grandes homens, seres excepcionais que ultrapassam todos os limites.  É nesse ponto de inflexão que os políticos que pretendem concorrer a cargos eletivos na próxima eleição deverão se mirar, de que eles deverão reassumir o valor ético que suas imagens sugerem. Caso contrário, o que teremos é apenas propaganda e artificio, algo indigno para fundamentar uma eleição.

 

downloadJorge Barcellos é Articulista do Estado de Direito, responsável pela coluna Democracia e Política – historiador, Mestre e Doutor em Educação pela UFRGS. É chefe da Ação Educativa do Memorial da Câmara Municipal de Porto Alegre e autor de “Educação e Poder Legislativo” (Aedos Editora, 2014). Escreve para Estado de Direito semanalmente.

SEJA  APOIADOR

Valores sugeridos:  | R$ 20,00 | R$ 30,00 | R$ 50,00 | R$ 100,00 |

FORMAS DE PAGAMENTO

 
Depósito Bancário:

Estado de Direito Comunicação Social Ltda
Banco do Brasil 
Agência 3255-7
Conta Corrente 15.439-3
CNPJ 08.583.884.000/66
Pagseguro: (Boleto ou cartão de crédito)

 

R$10 |
R$15 |
R$20 |
R$25 |
R$50 |
R$100 |

 

Picture of Ondaweb Criação de sites

Ondaweb Criação de sites

Lorem ipsum dolor sit amet, consectetur adipiscing elit, sed do eiusmod tempor incididunt ut labore et dolore magna aliqua. Ut enim ad minim veniam, quis nostrud exercitation ullamco laboris nisi ut aliquip ex ea commodo consequat. Duis aute irure dolor in reprehenderit in voluptate velit esse cillum dolore eu fugiat nulla pariatur. Excepteur sint occaecat cupidatat non proident, sunt in culpa qui officia deserunt mollit anim id est laborum.

Cadastra-se para
receber nossa newsletter