Antes de retornar ao Prof. Van Parijs, é inegável olhar para a questão da caixinha.
Um conceito objetivo do princípio da legalidade diz que a Administração Pública só pode praticar as condutas autorizadas em lei (MAZZA, Manual de direito administrativo, 2012, p. 76). Neste aspecto, não extrai de lei a necessidade de que, por exemplo, o gestor público proceda a exoneração de todos os cargos em comissão do seu quadro, quando diante do término do seu mandato – ou do fim do mandato da Mesa Diretora, por exemplo, no caso do Poder Legislativo -.
Lado outro, não se entende porque não está em lei, firme aquela legislação local que regulamenta o Regime Jurídico do Município, a previsão de pagamento de férias proporcionais para os cargos em comissão, quando diante da sua exoneração com menos de 1 ano de efetivo exercício prestado ao Município.
O próprio Tribunal de Contas do Estado do RS (Parecer Coletivo nº 3/2010, aprovado pelo Pleno em sessão de 15-06-2011, nos autos do Processo de Uniformização de Jurisprudência no 4732-0200/10-4) possui entendimento pela necessidade da alteração, haja vista a Convenção 132, da Organização Internacional do Trabalho – OIT, sobre férias remuneradas tem “status” de norma constitucional à luz do entendimento formado no Supremo Tribunal Federal a partir do HC 96.772/SP[1]. Esta seria uma alteração em compasso ao novo direito administrativo, observadas as relações com os direitos fundamentais de segunda geração e as normas internacionais de tutela trabalhista.
Ainda sobre a legalidade, não se vislumbra em nenhuma norma, constitucional ou infraconstitucional, a necessidade de que os cargos em comissão depositem determinado percentual “em caixinhas”, como fazem os jogadores de futebol, por atos de atraso ou outras indisciplinas – o Prof. Portalupi era fã, em suas passagens pelo Grêmio-.
Se a tutela dos direitos sociais, através da nova perspectiva aventada para o direito administrativo, dialoga com as normas trabalhistas de proteção ao trabalhador da esfera privada, é fato que a remuneração do cargo em comissão, pelo trabalho laborado, pertence a este. Trata-se da mesma verba alimentar, de subsistência e de visão para as metas e planos futuros.
Negar ao cargo em comissão o pagamento integral da sua remuneração, impondo ônus de depósito a “caixinha”, com motivação no fato de sua existência funcional decorrer de ato precário, de livre nomeação e exoneração, é retornar a paradigma ultrapassado, datado e violador dos direitos fundamentais.
Falar em “caixinha” é retrógado e serve de afronta a própria dignidade do servidor – sim, pois o cargo em comissão é uma das diversas espécies de servidores -. Ao que parece, tudo começa e termina pelo princípio da legalidade, o que torna ainda mais importante o fortalecimento da norma, desde que se banhado na perspectiva de que sua sindicabilidade decorrerá do enfrentamento direito com os demais princípios do ordenamento jurídico (dignidade da pessoa humana; proteção e tutela dos direitos fundamentais, etc.).
E a “caixinha”? Ainda não encontrei sua previsão em lei…
E, por fim, é importante dizer, para que não se crie “jurisprudência” que Chuck Blazer, o “Papai Noel” bizarro, delator do esquema de corrupção da Fifa, não é herói. Como não o foi o delator da Lava Jato. E não pela razão de que a Presidenta nega a eles tal “honraria”. É porque de fato não são. Simples, assim.
Texto produzido por Daniel Pires Christofoli, Consultor Jurídico do IGAM, Mestre em Direito pelo UniRitter, integrante do Grupo de Pesquisa Novas Tecnologias, Processo e Relação de Trabalho, coordenado pela Profa. Dra Denise Pires Fincato, vinculado ao Programa de Pós-Graduação em Direito da PUCRS – PPGD/PUCRS.