Coluna Direito Público em Debate
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AS LIMITAÇÕES DA EMENDA CONSTITUCIONAL N.º 19/98 NA IMPLEMENTAÇÃO DO MODELO GERENCIAL DE ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA NO BRASIL
LIMITATIONS ON CONSTITUTIONAL AMENDMENT 19/98 TO IMPLEMENT THE MANAGEMENT MODEL OF PUBLIC ADMINISTRATION IN BRAZIL
A administração pública gerencial e a introdução de novos rumos para o Estado
Um dos modelos gestados com o fito de imprimir novas feições à administração pública, fazendo frente ao modelo burocrático, denomina-se modelo gerencial de administração. Esse modelo assenta-se, também, no pressuposto de que o aparato estatal deve irrestrita obediência aos preceitos legais que orientam o setor, tal qual o modelo burocrático (SILVA, 2009).
Entretanto, o elemento inovador trazido por esse formato consiste na aproximação do aparato estatal com as práticas e valores típicos do mercado privado, filosofia motivadora da denominação “gerencial”. De forma bastante simplista, é possível asseverar que o elemento mais caro a esse modelo é, sem dúvidas, a obtenção de resultados positivos, de maneira que o procedimento é meramente secundário. Portanto, o aspecto inovador do modelo gerencial é uma verdadeira inversão da filosofia burocrática: enquanto nesta a lisura do funcionário é medida pela observância aos procedimentos administrativos previamente determinados, naquela a moralidade é auferida em razão dos resultados práticos obtidos (SILVA, 2009).
Uma das características da administração gerencial consiste em demonstrar maior confiança pelos agentes públicos, que dispõem de relativa liberdade para realizar suas tarefas. O controle a ser exercido sobre o agente público – conforme já referido – expressa-se de outra maneira: pela aferição dos resultados obtidos. Logo, o indivíduo ao qual são atribuídas incumbências públicas goza de maior liberdade, porque numa administração burocrática os inúmeros procedimentos a serem seguidos engessam o sujeito, criando embaraços de toda espécie (SILVA, 2009).
Em face a isso, várias medidas administrativas são tomadas com o fito de reformar nossa administração pública, dentre os quais se destaca: a existência de uma quantidade menor de graus administrativos, maior desconcentração e descentralização, diminuição dos cargos em comissão, a exigência rigorosa de concurso público para a admissão em cargo ou emprego público, maior treinamento dos agentes públicos, instituição de carreiras, redução da utilização de papeis inúteis e, por último, a implementação de um controle de resultados (MEDAUAR, 1999).
Outras medidas que caracterizam uma administração gerencial são a terceirização e a privatização de empresas estatais. O argumento a fundamentar essa transferência de atribuições é deveras interessante: o Estado não dispõe de condições para prestar todos os
tipos de serviços que a sociedade precisa, nem mesmo recursos suficientes para tanto. Logo, é imprescindível que ocorra a transferência de parcela dessas responsabilidades (SILVA, 2009).
A esse respeito:
Mais que uma vitória da doutrina neoliberal, a onda privatizante que bate anualmente em todos os continentes tem de ser vista como um triunfo do pensamento pragmático ou problemático sobre o pensamento estruturado em bases puramente racionais, de cunho axiomático, dogmático ou sistemático, que tanto seduziu a filosofia e a ciência até tempos bem recentes (COUTO e SILVA, 2003, p. 198).
Uma das consequências oriundas essas concepção de administração pública é a desestatização, que consiste na transmissão para a iniciativa privada de serviços e atividades que, até então, estavam nas mãos do Estado.
É perfeitamente possível dizer que a Emenda Constitucional n.º 19/98 buscou instituir parâmetros consonantes com o modelo gerencial de administração pública. A esse respeito:
(…) a reforma do aparelho do Estado, desenvolveu-se baseado na experiência da administração privada e nos ensinamentos dos doutrinadores americanos Osborne e Gaebler, autores do livro Reinventando o Governo. As principais ideias dessa obra, que foram determinantes para a concepção nacional de reforma administrativa, são: despojamento de normas rígidas, que são características da administração burocrática clássica e destaque atribuído às regras de qualidade total (COUTINHO, 2012, p. 37).
Portanto, a emenda constitucional n.º 19/98 objetivou alterar os fundamentos legais da administração pública brasileira, instituindo regras que, em seu conjunto almejavam instituir um aparato normativo mais flexível, que outorgariam ao dia-a-dia estatal uma feição mais dinâmica. De certa forma, é indubitável que a referida alteração constitucional almejou introduzir elementos consentâneos com a ideologia gerencial, propondo flexibilizações, que, em seu conjunto, pretender inserir maior celeridade e eficiência no cotidiano estatal brasileiro.
Dentro da necessidade de impingir maior qualidade na prestação do serviço público, ganha relevância o princípio constitucional da eficiência administrativa, que alcança status constitucional. A propósito, há quem diga que a eficiência administrativa está para a reforma administrativa assim como o princípio da legalidade está para o Estado de Direito (COUTINHO, 2012).
Logo, o alcance esperado da Emenda em questão, nada mais é que uma administração pública eficiente, e, ter como consequência, a prestação de um serviço público basilar e com
qualidade. O Código de Defesa do Consumidor, em seu art. 6º, inciso X, já previa como um direito básico do consumidor a adequada e eficaz prestação dos serviços públicos em geral.
É óbvio que uma alteração dessa natureza seria objeto de críticas, como de fato foi. De acordo com parcela da doutrina, não é imprescindível a existência explícita do princípio da eficiência, tendo em vista que este decorre implicitamente do ordenamento jurídico.
As críticas não se cingem ao princípio da eficiência administrativa, pois se espraiam por vários dispositivos inseridos por meio da emenda constitucional 19. A questão da avaliação periódica de desempenho, por exemplo, foi combatida com entusiasmo por inúmeros setores, notadamente pelas entidades de classe ligadas aos servidores públicos.
Curiosamente, todas as reformas a que ciclicamente o Estado brasileiro sujeita-se não alcançam pleno êxito. Bem pelo contrário: sem qualquer pessimismo, é perfeitamente possível dizer que os obstáculos os quais se pretendeu remover continuam, quase todos, a rondar o dia-a-dia das várias esferas governamentais deste país.
Compulsando a história brasileira, vê-se que não foram poucas as reformas empreendidas, notadamente pelo governo federal, com o fito de entronizar uma feição mais gerencial ao Estado.
A primeira tentativa de inserir um modelo desse jaez neste país data de 1967, quando foi publicado o decreto-lei n.º 200, que objetivou inserir novos valores ao Estado brasileiro, tal como a descentralização, a maior autonomia das entidades da administração indireta e, até mesmo, a terceirização (PEREIRA e SPINK, 1999).
A despeito de todo esforço empreendido, as alterações legais realizadas não surtiram o efeito necessário, o que deu ensejo a inúmeras reflexões a respeito. O próprio autor da iniciativa, por exemplo, atribuiu o insucesso das medidas tomadas à herança patrimonialista, clientelista e fisiológicas embutidas no Estado brasileiro. Há quem diga que a razão para as frustrações da pretensão de Bresser estavam relacionadas à ausência de controle social sobre o Estado (SILVA, 2009).
Outro referencial importante data de 1979, quando Hélio Beltrão, Ministro de Estado da Desburocratização, lançou amplo programa, objetivando modificações semelhantes, que tinham por escopo “retirar o usuário da condição colonial de súdito para investi-lo na de cidadão…” (PEREIRA e SPINK, 1999, p. 244).
Normalmente, a realização de alterações dessa envergadura são acompanhadas de abundante campanha publicitária, cuja missão é convencer os administrados de que as modificações propostas estão em pleno acordo com as reivindicações deles. Uma das ofensivas realizadas nesse sentido ocorreu em data anterior à Emenda Constitucional n.º 19/98 – no governo Collor de Mello – durante o qual foi lançada intensa ofensiva contra os servidores públicos. Nesse período, encetaram-se algumas iniciativas com o fito de alterar a estrutura burocrática. Uma das medidas adotadas, por exemplo, consistia em convencer os servidores públicos a se tornarem empreendedores, serem donos de seu próprio negócio (COUTINHO, 2012).
Assim, uma análise dos precedentes históricos da aludida emenda constitucional demonstram que vários chefes do poder executivo federal pretenderam alterar as bases da administração pública brasileira. Entretanto, as pretensões dos mandatários invariavelmente encontraram forte oposição dos sindicatos representativos dos servidores públicos, que desde há muito organizam-se em prol dos direitos de seus protegidos. O seguinte trecho é bastante ilustrativo:
Flexibilização da administração: por trás desse nome bonito e pomposo é que se escondem as mais importantes e perigosas armas do governo. A chamada flexibilização não passa de um eufemismo utilizado para rebaixar salários, surrupiar direitos, desqualificar o servidor público e, dessa forma, promover a destruição completa dos serviços públicos prestados à sociedade. (…) (COUTINHO, 2012, p. 44).
As reformas empreendidas pelo Estado brasileiro são bastante interessantes. O desejo de aproximar a administração pública com preceitos relacionados à administração pública gerencial, por exemplo, é bastante oportuna, em razão da leveza e celeridade que, em tese, esse modelo impingiria ao funcionamento governamental. Entretanto, calha não deslembrar que é imprescindível que outros reparos e melhorias – sobretudo de gestão – sejam feitas, para que as possibilidades trazidas pelo aparelho legal surtam todo o efeito almejado.
*Artigo será publicado em partes, semanalmente, no site do Jornal Estado de Direito.
Diego Marques Gonçalves é Articulista do Estado de Direito – Doutorando em Desenvolvimento Regional pela UNISC. Mestre em direitos sociais e políticas públicas pela UNISC. Especialista em direito constitucional aplicado pela UNIFRA. Bacharel em direito pela URCAMP. Atualmente, é professor da Universidade da Região da Campanha, lecionando as disciplinas de Direito Civil III (Teoria Geral dos Contratos), Direito Civil IV (Contratos em Espécie), Direito Administrativo I e Direito Administrativo II. Dedica-se ao estudo do direito civil, na parte atinente ao direito obrigacional e ao direito contratual, bem como ao direito administrativo e constitucional, principalmente na parte atinente ao controle da administração pública e aos direitos dos servidores. |