O Princípio Constitucional da Eficiência e a EC n.º 19/98 (parte 3)

Coluna Direito Público em Debate

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Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

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AS LIMITAÇÕES DA EMENDA CONSTITUCIONAL N.º 19/98 NA IMPLEMENTAÇÃO DO MODELO GERENCIAL DE ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA NO BRASIL

LIMITATIONS ON CONSTITUTIONAL AMENDMENT 19/98 TO IMPLEMENT THE MANAGEMENT MODEL OF PUBLIC ADMINISTRATION IN BRAZIL

A Emenda Constitucional Nº 19/98 e os limites de uma reforma administrativa

As informações anteriormente lançadas conduzem, inevitavelmente, à conclusão de que uma administração pública efetiva e rápida não é feita apenas por alterações legais. Há quem diga que todas as alterações propostas pela Emenda Constitucional n.º 19/98 – pelo menos na parte relacionada à eficiência administrativa – já existia no ordenamento brasileiro, ao menos implicitamente. Vejamos:

Quanto a esta questão, Gonzalez Borges fez observação extremamente pertinente ao afirmar que um dos defeitos da reforma administrativa é tentar solucionar antigos maltes do serviço público pela introdução desnecessária, no texto constitucional, de determinados dispositivos já largamente previstos em lei, em decorrência de não estarem sendo cumpridos na prática (COUTINHO, 2012, p. 125).

A tão almejada eficiência administrativa, que, em última análise, é a finalidade precípua das inúmeras reformas constitucionais, não pode ser alcançada exclusivamente com alterações de ordem legal.

A busca por melhores resultados no âmbito da administração pública deve contemplar, pelo menos, três aspectos, para que tenha o devido êxito: a) o primeiro deles é de ordem administrativa, uma vez que a gestão é de suma importância para coordenar o dispêndio do dinheiro público; b) o segundo diz respeito à legislação, eis que dispositivos legais anacrônicos impedem a obtenção de resultados positivos; e, por último, c) o terceiro é de ordem comportamental, pois a ineficiência pode decorrer pura e simplesmente da preguiça e da leniência, a despeito do oferecimento de todos os meios para a realização de uma atividade proveitosa (CONTINHO, 2012).

De todos os três elementos acima destacados, não há como negar que a gestão desponta como de expressiva relevância, uma vez que o próprio aspecto comportamental, que também pode barrar a prestação de um bom serviço, pode decorrer fortemente de uma administração frouxa e irresponsável.

As críticas realizadas a respeito da Emenda Constitucional n.º 19/98 são bastante incisivas: “o objetivo do governo com a reforma é instituir um Estado austero, diminuto e eficiente. E complementa com o seguinte comentário: ‘como se se pudesse estabelecer uma relação necessária entre eficiência administrativa e diminuição funcional do Estado” (COUTINHO, 2002, p. 41).

Os institutos jurídicos e as situações que deles decorrem são elementos neutros, que podem ter boas ou más repercussões, conforme o administrador tenha a capacidade de obter os resultados almejados ou não. A própria estabilidade do servidor público – apontada como uma causa de ineficiência administrativa – poderá ser elemento positivo ou negativo. Tendler,
por exemplo, falou a respeito da estabilidade aplicada ao setor privado, concluindo que ela pode ser um fator bom ou ruim, a depender a conjunção de outros fatores:

A literatura sobre desempenho industrial tem ressaltado a falta de estabilidade no trabalho e de perspectivas de ascensão apontada por muitos trabalhadores como causa de estagnação do crescimento da produtividade nos Estados Unidos. A literatura sobre desenvolvimento, pelo contrário, identificou a estabilidade ‘demasiada’ no trabalho como causa de desempenho ruim do setor público. (TENDLER, 1998 p. 53)

Os grandes modelos ou concepções certamente são de grande importância para a organização e reforma das instituições, mas, mais do que isso, é imprescindível que tais alterações nãos sejam encaradas como panaceias para todos os males, como um modelo pronto. É imprescindível, sobretudo, que as condições e situações de cada Estado sejam aquilatadas e consideradas, sempre, quando uma reforma for proposta.

É imprescindível, para o êxito de qualquer medida, que não apenas críticas sejam apontadas, mas que os pontos positivos de uma dada administração sejam localizados e olhados com bons olhos, como exemplos a seguir (TENDLER, 1998).

Portanto, vê-se que os alicerces para a construção de uma administração pública mais efetiva são de inúmeras ordens: legais, gerenciais, e, até mesmo, motivacionais. O fenômeno administrativo certamente é muito amplo e complexo, o que impede uma visão simplista e unilateral. Mas, de qualquer forma, por mais que determinados modelos sejam aptos a provocar as medidas desejadas, é imprescindível que as autoridades administrativas tenham o discernimento de fomentar e incentivar os servidores sob sua responsabilidade. Não existem panaceias.

Foto: Antonio Cruz/AGência Brasil

Foto: Antonio Cruz/AGência Brasil

Conclusão

Ao cabo deste trabalho, vê-se que a busca por melhores resultados na administração pública é ininterrupta e constante. Se, atualmente, é possível entrever dois grandes modelos teóricos que inspiram a prestação do serviço público, é perfeitamente possível visualizar que as necessidades sociais e o entrechoque de ideias inevitavelmente fará com que, no futuro, novas propostas surjam.

O direito é, antes de tudo, fruto de uma construção social. Longe de ser algo hermético, é o resultado das lutas empreendidas pelos grupos sociais e pelas autoridades públicas envolvidas no processo de confecção e implementação de uma determinada lei. A tão almejada busca por eficiência e qualidade na gestão pública não se limitará, por certo, a alterações de ordem legal, pois demandarão, também, na alteração comportamental, que formará, no futuro, novos parâmetros culturais.

É evidente que a sociedade brasileira anseia por uma renovação substancial nas práticas administrativas: as manifestações populares de toda ordem têm demonstrado isso veementemente.

O modelo burocrático de administração pública ofereceu inúmeros pontos positivos ao Estado, basta lembrar que anteriormente a este modelo vigia na máquina pública um espírito de absoluto personalismo e desinteresse pelos pleitos populares. A questão da restrita observância à lei e à observância de um procedimento prévio não deixam de ser aspectos positivos, a despeito de certa deturpação que, posteriormente, surgiu.

Entretanto, em que pesem os avanços trazidos por meio do modelo acima trazido, surge, num momento posterior, o modelo gerencial de administração pública, que almeja quebrar o rigor procedimental que acabou por se sedimentar em torno da administração pública. Indubitavelmente, essa concepção acarretou inegáveis avanços. Neste país, um dos marcos da inserção do modelo gerencial foi a Emenda Constitucional n.º 19/98.

A inserção de elementos legais/constitucionais inovadores na administração pública é relevante, mas não deve ser a única medida. As alterações de ordem constitucional ou legal restarão inócuas, enquanto os valores e preceitos pretendidos por elas não forem entronizadas no cotidiano e nas práticas administrativas. O direito – em qualquer um de seus ramos – somente ganha a devida força quando se transforma numa força viva e pulsante, o que, até o presente momento, não foi possível obter.

O texto da emenda constitucional n.º 19/98 certamente inovou muitíssimo aspectos, mas em alguns deles apenas recheou e enfatizou possibilidades que, desde há muito, já estão disponíveis na ordem jurídica desta nação. Tome-se como exemplo a perda de cargo por parte de servidor público estável: a conduta reiteradamente ineficiente sempre foi passível de ser coibida por meio de simples processo administrativo, que é o elemento capaz de expulsar o servidor relapso.

O que falta, então, para que os instrumentos legais e constitucionais, sobejamente conhecidos no seio da administração pública, tenham utilização e surtam os devidos efeitos? A resposta é singela: basta que as autoridades administrativas tomem as providências necessárias para a verificação do grau de culpa do agente público. Sempre foi mais fácil acomodar-se, deixar fluir. Um dos grandes problemas a serem enfrentados é, sem dúvidas, de gestão.

Segundo a doutrina, a combatida ineficiência administrativa decorre, pelo menos, de três tipos de fatores: legais, de gestão e comportamentais. Logo, não bastam que leis e mais leis sejam editadas, seja flexibilizando ou endurecendo procedimentos, é necessário que as autoridades públicas manejem esses instrumentos com o devido equilíbrio, induzindo comportamentos, coibindo falhas.

Referências

ARAGÃO, Cecília Vescovi de. Burocracia, Eficiência e Modelos de Gestão Pública: um Ensaio. Revista do Serviço Público. Ano 48, n.º 3, Brasília: ENAP, set/dez, 1997.
COUTINHO, Ana Luísa Celino. Servidor Público: Reforma Administrativa, Estabilidade, Empregado Público e Direito Adquitido. Curitiba: Editora Juruá, 2012.
COUTO e SILVA, Almiro. Cadernos de Direito Público – Procuradoria Geral do Estado. N.º 57 Supl. Dezembro de 2003. Disponível: In.: http://www.pge.rs.gov.br/upload/rpge57livro(1).pdf.
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella, MOTTA, Fabrício e FERRAZ, Luciano de Araújo. Servidores Públicos na Constituição de 1988. São Paulo: Editora Atlas, 2011.
GABARDO, Emerson. Princípio Constitucional da Eficiência Administrativa. São Paulo: Editora Dialética, 2002.
HOBSBAWN, Eric J. A Era das Revoluções: Europa 1789-1848. 9.º Ed. Tradução de Maria Tereza Lopes Teixeira e Marcos Penchel. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1994.
MEDAUAR, Odete. Direito Administrativo Moderno. 3.º Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999.
PEREIRA, Luiz Carlos Bresser e SPINK, Peter (Organizadores). Reforma do Estado e Administração Pública Gerencial. 3.ª Ed. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1999.
RODRIGUES, Horácio Wanderlei. Ensino Jurídico e Direito Alternativo. São Paulo: Editora Acadêmica, 1993.
SILVA. Cláudio Eduardo Regis de Figueiredo e. Administração Gerencial & reforma Administrativa no Brasil. 1º Ed. Curitiba: Juruá, 2009.
TENDLER, Judith. Bom Governo dos Trópicos – Uma Visão Crítica. Tradução de Maria Cristina Cupertino. Rio de Janeiro: Revan, Brasílio, DF ENAP, 1998.

 

*Artigo publicado em partes, semanalmente, no site do Jornal Estado de Direito.
Diego Marques Gonçalves é Articulista do Estado de Direito –  Doutorando em Desenvolvimento Regional pela UNISC. Mestre em direitos sociais e políticas públicas pela UNISC. Especialista em direito constitucional aplicado pela UNIFRA. Bacharel em direito pela URCAMP. Atualmente, é professor da Universidade da Região da Campanha, lecionando as disciplinas de Direito Civil III (Teoria Geral dos Contratos), Direito Civil IV (Contratos em Espécie), Direito Administrativo I e Direito Administrativo II. Dedica-se ao estudo do direito civil, na parte atinente ao direito obrigacional e ao direito contratual, bem como ao direito administrativo e constitucional, principalmente na parte atinente ao controle da administração pública e aos direitos dos servidores.
Fábio Franzotti de Souza é Advogado, OAB/RS 101.097. Assessor Jurídico para Licitações, da Secretaria Municipal da Fazenda, da Prefeitura Municipal de Rosário do Sul, RS. Professor da Disciplina de Direito Administrativo em Curso Preparatório para Concursos. Pós-graduando em Direito Administrativo. 1º Tenente da Arma de Cavalaria do Exército Brasileiro, da Reserva.

 

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