O parto normal ou por cesariana: enfoque bioético e no biodireito

Discute-se nos meios médicos e na mídia qual alternativa seria mais conveniente para a criança, se o parto normal ou por cesárea. A discussão é acirrada e merece enfoque sob os princípios da bioética e do biodireito.
Antes, porém, gostaria de esclarecer ser a primeira manifestação na qualidade de “blogueiro” deste autor, nesse seleto espaço. Ademais, externar minha gratidão pelo convite. Espero que o escrito e outros que virão de três em três meses sirvam para aclamar questões debatidas nos dias hodiernos. O foco será mais restrito ao jurídico, com tangência a assuntos multidisciplinares.
Quanto ao tema central, percebe-se que a comunidade médica está muito dividida. Alguns são favoráveis ao parto normal, pois ele seria o mais compatível com a naturalidade e traria maiores benefícios; outros prestigiam a relação médico/paciente e entendem serem eles os interessados em utilizar um ou outro procedimento, podendo ser, de regra, o cesariano.
O Ministério da Saúde e a ANS publicaram resolução, 368/15, em vigor desde Julho de 2015, para estabelecer normas para estímulo do parto normal e consequente redução de cesarianas, cuja taxa é de 84,60% dos partos realizados na rede suplementar.
A resolução mencionada objetiva diminuir a disparidade do percentual supramencionado, para o equilíbrio entre os partos normais e cesarianos, caso não fosse essa a finalidade, despropositada a normatização. Se o percentual de partos em cesariana estivesse em conformidade com o pensado pelo Ministério e a ANS, não haveria necessidade de influir na conscientização, principalmente, das mulheres.
Definir um tipo de parto do outro é importante para dirimir dúvidas sobre possível escolha.
No parto normal (parto vaginal) não há auxílio de anestesias e dispensa-se o trabalho ou a intervenção do médico ou da parteira, a menos que seja necessário. A mãe ajuda o filho a nascer, os dois se esforçam juntos e ela o segura logo que ele consegue sair de seu ventre. Procura-se tornar o nascimento de um ser humano o menos traumático possível, com rápida recuperação da mãe.
Na cesariana, também chamada de parto cesário ou cesária, é uma forma de parto feita por cirurgia. No ato cirúrgico é feita uma incisão no abdômen e outra no útero para se chagar ao bebê. Dura em média 45 minutos a 1 hora. O nascimento costuma ocorrer já nos primeiros 15 minutos, mas o obstetra ainda precisa de pelo menos mais 30 minutos para realizar todas as suturas, incluindo útero, músculos e pele.
Num caso e noutro existem vantagens e desvantagens.
Na primeira hipótese, pontos positivos são, dentre outros, a recuperação rápida; não há dor pós-parto; a rápida recuperação deixa a mãe mais tranquila, o que favorece a lactação; a alta é a mais rápida, o que possibilita à mãe retomar seus afazeres prontamente; a cada parto normal, o trabalho de parto é mais fácil do que no anterior; se a mulher vir a sofrer de mioma (patologia comum do útero), na eventual necessidade de uma operação, esta será mais fácil; o relaxamento da musculatura pélvica não altera em nada o desempenho sexual e a mulher participa ativamente do nascimento do filho; de outro lado, pode haver possíveis danos à pelve; possíveis danos ao períneo, uretra e ânus; incontinência urinária e fecal e dor no períneo, em casos de episitomia e laceração.
Noutra hipótese, parto por cesárea, as vantagens, em linhas gerais, são a possibilidade de escolher previamente a data exata do nascimento; ajuda a reduzir o estresse materno durante o parto por passar a ideia de um ambiente plenamente controlado, onde tudo ocorre de forma previamente estipulada; o trabalho de parto é curto e com duração previsível; garante que o obstetra da gestante estará disponível no dia do parto; impede a ocorrência de nascimentos pós-termo (com mais de 42 semanas de gestação), o que está associado a um maior risco de problemas para o neonato; elimina o risco de complicações relacionadas ao processo de trabalho parto vaginal, como lesão do plexo braquial relacionada a distocia de ombro, traumas ósseos (fratura de clavícula, crânio e úmero) ou asfixia provocada por complicações intra parto e reduz o risco a longo prazo de prolapso uterino ou de bexiga e incontinência urinária da mãe, sendo negativos o maior risco de infecções; maior risco de trombose dos membros inferiores; maior risco de hemorragias; maior risco de reações aos anestésicos; recuperação mais prolongada após o trabalho de parto e maior incidência de dor no pós operatório.
Dessa forma, percebe-se que o “induzimento” para um ou outro tipo de parto não parece razoável, ambos, conforme destacado, tem riscos e vantagens. Ao se escolher entre duas opções, não se está violando o art. 196 da Constituição Federal, que cuida da redução dos riscos de doença e de outros agravos.
Ao contrário, com real “opção” por um parto normal ou por cesariana, acentua-se a “autonomia” do médico e da paciente, princípio da bioética, sem violar os princípios da beneficência e não maleficência, pois, repita-se novamente, encontram-se aspectos negativos numa e noutra situação.
A percentagem maior das cesarianas pode até diminuir, entretanto, ela deve refletir o desejo efetivo das mulheres em não optar por esse tipo de cirurgia, acreditarem no maior benefício do parto vaginal, sem interferências e predisposições, porquanto, se uma mãe foi cerceada em sua liberdade em razão de possível receio de malefício, não se estará contribuir para o bem comum.
Em conclusão, a iniciativa governamental é louvável, todavia, pelas razões expostas, não se pode impedir a escolha pela gestante e médico quanto ao parto a usar, deixando de lado qualquer empecilho para se alcançar um ou outro.

Edison Tetsuzo Namba, 46. Juiz de Direito em São Paulo. Mestre e Doutor em Direito pela Universidade de São Paulo. Docente Civil da Academia de Polícia Militar do Barro Branco (APMBB). Docente Formador da Escola Paulista da Magistratura (EPM). Representante do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo no Comitê Regional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas e na Comissão Estadual para Erradicação do Trabalho Escravo, por indicação da Presidência da Seção de Direito Criminal. Juiz Assessor da Vice-Presidência do Tribunal de Justiça de São Paulo, biênio 2009-2010. Membro do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM). Autor do livro Manual de bioética e biodireito. 2ª ed. São Paulo: Editora Atlas, 2015.

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