Coluna Instante Jurídico
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Materialização dos direitos dos cidadãos
Em tempos do chamado Neoconstitucionalismo, é possível observar uma certa flexibilização da legislação na tentativa de se consolidar os direitos previstos nas Constituições.
No caso do Brasil, por exemplo, o que se vê é uma preocupação, por parte do Poder Judiciário, em materializar os direitos dos cidadãos através de uma reengenharia institucional capaz de suprir eventuais omissões dos demais Poderes constituídos.
De se ver que a simbiose entre as necessidades fundamentais do jurisdicionado e a oficiosidade do Judiciário na luta contra possíveis lacunas na legislação constituem um fenômeno progressista (ativismo judicial) capaz de influenciar uma das principais características do Estado Democrático de Direito (existência de limites ao exercício do poder a partir da ideia da tripartição).
Quanto ao fenômeno propriamente dito, é preciso registrar que no mundo existe vasta literatura, entretanto, para o que se pretende com a presente coluna, valemo-nos da noção trabalhada por José Geraldo Alencar Filho:
[…] podemos definir o ativismo judicial como sendo uma conduta ou atitude, com sentido de decisa?o ou comportamento dos magistrados, a fim de revisar temas e questo?es, que inicialmente seriam de compete?ncia de outras instituic?o?es, sobretudo aquelas que tenham poli?tica de deciso?es. Geralmente estes o fazem agindo, ale?m dos limites impostos na lei, ou ainda em sentido contra?rio a? pro?pria norma, sempre intuindo a melhor aplicac?a?o com maior efica?cia das deciso?es.[1]
A interpretação da aplicação do instituto
Como se vê, esse epíteto da judicatura representa “o rompimento com a postura positivista fortemente arraigada no Poder Judiciário”[2], “designando uma postura proativa do magistrado na interpretação da norma, em especial da Constituição, de forma a expandir o seu alcance”[3], “participando o juiz, portanto, no processo de criação da norma jurídica”[4], como que através de uma “descoberta polvolar”[5] do sentido da lei, ainda que numa escala de “macro” ou “micro” direitos judiciários[6].
Frise-se, numa época em que a efetividade dos direitos previstos na Constituição parece se sustentar nos ombros [7] dos juízes, não são raros os casos em que a aplicação do instituto seja interpretada entre extremos e analisada em sentidos contrapostos (positivo/negativo – bom/ruim), etc.
Por esse mesmo motivo, torna-se interessante observá-lo sob uma outra tessitura, senão vejamos.
O Juiz Atlas
Pois bem, partindo da figura do Juiz Hércules[8] – personagem metafórico-literário cunhado por Ronald Dworkin para promover uma análise mais acurada sobre as questões de adequabilidade e de responsabilidade política dos juízes – deparamo-nos com o então inédito Juiz Atlas.
Atlas, também chamado de Atlante, é apresentado pela mitologia grega como um dos Titãs violentos e monstruosos, encarnado das forças selvagens da natureza e dos cataclismas iniciais. A versão clássica da estória diz que Atlas, pretendendo o poder supremo, orquestrou juntamente com outros Titãs um ataque ao Olimpo. Sucumbentes, os Titãs foram castigados e Atlas foi condenado a sustentar para sempre nos ombros, o céu.
Pois bem, descontado o apelo retórico envolvendo o simbolismo contido nas linhas anteriores, o mito de Atlas, hodiernamente, está relacionado ao excesso de incumbências, responsabilidades, obrigações e demais tarefas oriundas das dificuldades cotidianas. Cremos que podemos carregar o mundo em nossos ombros, sem que haja consequências à nossa volta (será?).
Bom, se Hércules simboliza o arquétipo ideal de qualidades extraordinárias de que deveria ser dotado todo e qualquer magistrado para edificar a estrutura do Direito vigente através da tomada da melhor decisão possível estribada na leitura moral dos princípios, Atlas, por sua vez, representa o risco pelo excesso de incumbências atribuídas aos juízes e tribunais ao se tentar concretizar (a qualquer custo) os direitos constitucionais.
Como é possível imaginar, Atlas, nessas ocasiões, passa a agir como uma autoridade “superegóica[9]” a fim de limitar e, certa das vezes, valorar determinadas condutas, incutindo em suas decisões não apenas a violação da norma jurídica, mas, também, a conduta social esperada e valorizada, impondo sanções em caso de descumprimento do Direito, visando restaurar o equilíbrio das relações.[10]
Percebe-se, portanto, que Atlas passa a avocar para si uma contingente quantidade de tarefas, travestindo-se em uma curiosa ferramenta em prol da sociedade.
O excesso de responsabilidade atribuída aos juízes
Veja-se, embora esta função desemboque num sentimento de simpatia por parte do cidadãos e o apelo permanente a? jurisdic?a?o, há de se considerar que o excesso de responsabilidades atribuída aos juízes resulta, além do retardamento da prestação jurisdicional, num sentimento de dúvida sobre a qualidade de algumas decisões judiciais. E isso é algo extremamente relevante, pois, nesses casos, o produto do ato interpretativo (das normas constitucionais) realizado por alguns magistrados pode ter sido obtido sem utilização de elementos jurídicos.
Como se vê, a metáfora do Juiz Atlas é útil por desvelar os riscos inerentes à sobrecarga/avocação de responsabilidades do Poder Judiciário quando da tentativa de se materializar (a qualquer custo) os direitos Constitucionais, o que, deveras, é motivo de preocupada análise.
Notas e referências bibliográficas:
[1] ALENCAR FILHO, José Geraldo. Judicialização da política e ativismo judicial: estudos dos motivos determinantes e limites na interpretação judicial. 2011. 126 f. Dissertação (Mestrado) Universidade Católica de Pernambuco, 2011, p. 47.
[2] NEGRELLY, Leonardo Araujo. O Ativismo Judicial e Seus Limites Frente ao Estado Democrático. In: XIX Encontro Nacional do CONPEDI. Fortaleza, CONPEDI, 2010.Disponível em: <http://www.conpedi.org.br/manaus/arquivos/anais/fortaleza/3684.pdf>.Acesso em 28 de junho de 2013.
[3] BARROSO, Luís Roberto. Judicialização, Ativismo Judicial e Legitimidade Democrática. In: Revista Eletrônica da OAB. n°6 – Janeiro/Fevereiro, 2009. Disponível em:<http://www.oab.org.br/editora/revista/users/revista/1235066670174218181901.pdf>. Acesso: em 28 de agosto de 2016.
[4] DIZ, Jamile B. Mata; SILVEIRA, 1999, p. 167-168 apud NEGRELLY, Leonardo Araujo, 2011. Cf., <http://www.conpedi.org.br/manaus/arquivos/anais/fortaleza/3684.pdf>. Acesso em 10 de Junho de 2013.
[5] STRECK, Lenio Luiz. Verdade e Consenso: Constituição, Hermenêutica e Teorias Discursivas. 4.ed. São Paulo: Saraiva, 2011,p.31.
[6] LEITE, Evandro Gueiros. Ativismo Judicial. In: STJ: Dez anos a serviço da justiça: doutrina. Brasília: Superior Tribunal de Justiça, 1999, p.29-55 (edição comemorativa). Disponível em: <http://biblioteca.universia.net/html_bura/ficha/params/id/52524538.html>. Acesso em: 28 de Agosto de 2013.
[7] A propósito, fala-se, aqui, em “sustentação em ombros de juízes”, pois, se o art.102, caput, da Carta Magna diz que cabe ao STF a guarda da Constituição, significa dizer que o Judiciário sempre terá a palavra final na sistemática democrática. Afinal, seria isso um privilégio ou uma maldição?
[8] Cf., DWORKIN, Ronald. O Império do Direito. Trad. De Jefferson Luiz Camargo. São Paulo: Martins Fontes, 1999. XV, 513 p. Tir. Orig.: Law’s Empire, p.377-492.
[9] Neologismo proveniente do vocábulo ‘superego’ existente na Psicologia que representa a censura quanto às ações do ego – inibindo a satisfação de desejos e instintos – no intuito de conferir ao indivíduo, a capacidade de se inserir em determinado espaço sócio-cultural.
[10] BREVIDELLI, Scheilla Regina. O Juiz e o Superego.Um Olhar Analítico Sobre a Função Judicante. Jus Navegandi, Teresina, ano 6, n. 51, 1 out. 2001. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/2231>. Acesso em: 28 Agosto de 2016.