O FSM 2018, as eleições e o futuro da esquerda

Coluna Democracia e Política

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Fonte: pixabay

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Fórum Social Mundial, 2018

2018 será um ano de eleições, e por esta razão, a questão “o que fazer” ocupa as consciências da esquerda. O Fórum Social Mundial este ano é em Salvador (BA), onde realizará seminários, plenárias, oficinas, atividades culturais e conferências. Com marchas e atos pela capital baiana, mobilizará redes solidárias de acolhida a participantes e também a comunidade acadêmica. Na Câmara Municipal de Porto Alegre, o programa para discussões preparatórias ao Fórum Social Mundial de 2018 é realizado pelo chamado Fórum Social Temático, que solicitou em agosto, parceria da Câmara Municipal de Porto Alegre para a realização deste evento. Conforme Lélio Luzardi Falcão, o tema será políticas para o idoso, assinala o presidente do Conselho Municipal do Idoso (Comui) e as atividades deverão ser realizadas na Capital entre os dias 22 a 26 de janeiro.

Segundo matéria disponibilizada no site da Câmara Municipal, “a proposta temática a ser promovida em Porto Alegre está voltada à questão da população idosa e as discussões deverão envolver assuntos como Participação Cívica e Emprego, Respeito e Inclusão Social, Transporte e Habitação, Participação Social, Espaços ao Ar Livre, Comunicações e Informação e Serviços Comunitários e de Saúde. O Fórum Social Mundial do próximo ano terá como sede a cidade de Salvador, na Bahia, sendo realizado nos dias 13 a 17 de março. ” Entre os organizadores estão Roberto Jakubaszko, Ivan Feloniuk e Alice Falcão.

Ainda que o tema seja relevante, é importante lembrar os princípios que orientam o Forum Social Mundial. Desde 2001, quando foi realizado em Porto Alegre, o FSM tem uma Carte de Princípios que defende, entre outros aspectos, a formulação de propostas de entidades e movimentos da sociedade civil em oposição ao neoliberalismo e o domínio do mundo pelo capital, a dimensão internacional do movimento e a crítica a cumplicidade de governos com as políticas neoliberais.

Até quando a esquerda só irá debater?

Considero, entretanto, um problema esse excesso de diversidade, pluralismo e diversidade. A Carta de Princípios visa agregar movimentos diversos, oferece autonomia relativa às instâncias participantes, mas sua luta contra a visão reducionista da economia e do estado ao serviço neoliberal o reduzem a um movimento de ideias e reflexão. E nesse sentido, torna-se uma “festa da esquerda”. A questão hoje em ascensão é debater não todas as questões de esquerda, mas apenas uma em especial: para as eleições de 2018, a Frente Única de Esquerdas é o único caminho?

Ao contrário de muitos, entendo a Frente Ampla como uma solução errada. A única solução realista é refundar a esquerda, mudar toda a sua política, alterar os partidos. É isto que o FSM deveria discutir e aprofundar. A razão é que a esquerda também é responsável pela ascensão da direita. Está claro que foi o movimento de 2013 que permitiu que também a direita ocupasse o espaço público. A maior parte dos integrantes de direita vem da classe média, que perdeu posições conquistadas no governo do PT.  Mas também não podemos ficar parados. Se fizermos isso, a destruição do patrimônio público entregue a lógica de mercado, com Prefeitos “gerentes”, servidores públicos “empregados” e cidadãos transformados em “consumidores” se tornará lei, como já vem ocorrendo no Estado.

A única solução que vejo é forjar novas formas de organização. Vimos experiências nos movimentos das ocupações do IFs à UFRGS. A única solução que enxergo é que o FSM deveria propor se transformar em um Fórum Nacional das Esquerda, só uma grande organização dos partidos pode refundar os próprios princípios de sua organização. Há muita emoção no ar e precisaremos quebrar tabus. A esquerda ficou numa situação dramática, chegamos ao fundo do poço. Não podemos ter diversos partidos de esquerda lutando entre si. Isso é loucura.

Por um Fórum Nacional das Esquerdas

As esquerdas terão de recolocar a pergunta de como mudar o funcionamento do capitalismo global (questão do Fórum Social Mundial) há como mudar o funcionamento da esquerda atual. A esquerda se mostrou ser menos eficiente nestas eleições. Mostrou que funciona mal pois abriu espaço para a corrupção. Não se trata apenas de uma convenção de um partido, mas de todos. Não um FSM, mas um FÓRUM NACIONAL DAS ESQUERDAS (FNEs) é capaz de propor em escala nacional a sua reorganização. Mesmo que termine numa Frente Ampla, essa é a responsabilidade das lideranças de esquerda e dos partidos. Se o Fórum Social Mundial é organizado para propor alternativas ao modelo de desenvolvimento econômico, que agora deverá ser substituído por um fórum de desenvolvimento político. Deve ser uma grande convenção de lideranças e militantes para diagnóstico, estudo de alternativas e propostas comuns para compor os programas dos partidos de esquerda.

Fonte: pixabay

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Existe uma visão simplista de esquerda que esconde uma direita que deseja inocular na esquerda o vírus neoliberal. Ela faz isso manipulando resultados de governos de esquerda, substituindo seus objetivos de luta da igualdade social pelo credo neoliberal, pela defesa da liberdade que oculta a defesa do livre mercado e cujo efeito é legitimar a desigualdade. Para esta direita travestida de esquerda, somente interessa uma esquerda que possa ser seu espelho.

As posições verdadeiramente de esquerda não podem surgir da fábula neoliberal. Ao contrário, devemos a renovação do pensamento de esquerda a uma leitura atenta da obra de Marx a partir das novas tradições intelectuais que vão da psicanálise de Lacan ao pensamento de Heidegger e a filosofia de Spinoza. Seus melhores representantes são Slavoj Zizek, Antonio Negri, Michel Hardt, Yannis Stravrakakis e Buyng Chul Han, que reconstroem o triângulo rompido do marxismo clássico entre filosofia, ciência social e política.

Em busca da verdadeira esquerda

A verdadeira esquerda sobrevive porque o capitalismo ainda produz um sentimento de indignação. A verdadeira esquerda demonstra insatisfação com o neoliberalismo, incentiva novas formas de reação dos movimentos sociais e mostra as contradições dos acontecimentos no contexto do capitalismo global. A renovação do pensamento de esquerda passa pela crença na mudança ideológica radical, de que o capitalismo não é a única alternativa possível.

O que alimenta o desejo de esquerda por mudança é o hiato entre desejo coletivo e realidade. O culto capitalista do individualismo nega o conceito do comum, isto é, o conteúdo do pensamento de esquerda se baseia na defesa de um sujeito coletivo. É sobre a fragilização da ideia de comum que o capitalismo tira sua força.

A combinação das perspectivas da esquerda lacaniana com as abordagens da democracia radical tem sido a fonte inesgotável para a reconstrução da esquerda: criticando  a despolitização da tomada de decisões que passaram a ser assumidas por autoridades supostamente neutras (Banco Mundial), o abandono da regulação do mercado no contexto da globalização que produz apenas miséria e fome e a invasão de todos os aspectos da vida pública pelos princípios empresariais, a verdadeira esquerda defende a explicitação do antagonismo real, de que a redução da democracia ao capitalismo globalizado  coloca o problema do investimento libidinal, do desejo de que tipo de sociedade queremos frente aos fantasmas hegemônicos do capital.

A esquerda, para incomodar, precisa se incomodar

Quem melhor expressou uma posição para a esquerda foi o filósofo esloveno Slavoj Zizek em sua obra “O Sujeito Incômodo”: o verdadeiro militante de esquerda incomoda com a nova linguagem que enuncia. Publicado pela Boitempo, a obra é tanto a defesa da subjetividade cartesiana no caminho da interpretação de Martin Heidegger à Jacques Lacan, como um retrato do sujeito incômodo em que se transformou o pensamento do autor e constitui o momento em que o autor enuncia suas teses sobre linguagem:  é a psicanalise que mostra que, se a linguagem é a casa do ser, é uma casa de tortura “em toda a psicopatologia desenvolvida por Freud, da conversão de sintomas em inscrições no corpo ao completo colapso psicótico, encontramo-nos perante as chagas de uma tortura permanente, outros tantos sinais da distância primordial e irremediável entre sujeito e linguagem, de como o homem nem sequer pode sentir-se em casa dentro da sua própria casa. É precisamente isto que Heidegger ignora: a outra face, escura, torturante, da nossa maneira de habitar a linguagem”.  Não é exatamente esta a forma do discurso de esquerda na atualidade, de que o FSM é a casa da esquerda, e, portanto, um espaço em que atores compartilham a mesma linguagem, e que, por seu isolamento, está no caminho da psicose?

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Ora, essa aplicação do pensamento de Zizek ao FSM incomoda muita gente, porque mostra que por detrás das grandes questões da organização política de esquerda, também estão conceitos que a Psicanálise formou e que nossos militantes, acostumados a seus debates fechados, precisavam de um empurrão para o campo social que o autor é um dos raros a fazer. Não é para qualquer um aplicar conceitos como perversão, desejo, ato falho as situações da vida cotidiana, e principalmente, da vida política. Christian Dunker, Wladimir Safatle, entre outros, tem incorporado em nosso meio as teses desenvolvidas por Zizek em obras complexas que vão do O Sublime Objeto da Ideologia à Visão em Paralaxe, para citar duas das 43 obras publicadas pelo autor. A abordagem parece sugerir mais uma obra de filosofia da linguagem, destas que estão por reduzir o significado filosófico da linguagem aos seus aspectos de significo, referência e compreensão. Nada disso, o que Zizek quer é reconstruir os argumentos de Heidegger quanto a linguagem a partir do pensamento de Lacan – esse caminho não é novo na trajetória de Zizek, basta lembrar o método usado pelo autor usado Todo Lo Que Ud. Siempre Quiso Saber Sobre Lacan y Nunca Se Atrevio a Preguntarle a Hitchcok, onde a contraposição de autores e filosofias se fez em seu pensamento pela primeira vez. Porque suas reflexões importam aos participantes do FSM?

Porque Zizek coloca a discussão entre Lacan e Heidegger do sujeito, quer dizer, a pergunta do autor é pela essência do ser humano e aí, a pergunta pela essência do sujeito político de esquerda se torna fundamental. O ponto de diferença para Zizek é que Heidegger não se dá conta da tragédia que significa o homem está envolvido na linguagem: “há sujeito porque o animal humano não se enquadra, não se ajusta à linguagem”. Não é a mesma coisa com a esquerda, com seu FSM envolvido em uma mesma linguagem por anos, e se há algo de animalidade a recuperar para ação política, este algo está em procurar justamente, aquilo que não se ajusta à linguagem política de esquerda, que a rompe? Que a faz avançar em direção a esquerda?  Por esta razão, encontramos por todo o lado no jargão psicanalítico a referência a “Coisa” como “aquela parte/aspecto do real que carece de significante – a dimensão mais elementar do sujeito não é a atividade, mas a passividade, o ato de arcar, de suportar”, diz Zizek. O autor de Bem-Vindo ao Deserto do Real produz desdobramentos desta tese na função simbólica, isto é, se a linguagem estabelece o plano para realizar o desejo, em suas palavras, “não basta a carne se tornar verbo, é preciso o sacrifício de uma parte dela” – famosa libra de “carne” a ser sacrificada do Mercador de Veneza.

O que falta aos debates do FSM?

A noção cartesiana “Penso, logo existo” em Zizek é subvertida pela ideia do “Penso onde não estou”, quer dizer, o exercicio proposto pelo filósofo é inspirada no pensamento lacaniano, é por esta razão, repleta de inversões bem ao estilo de Zizek. Fazendo a transposição, a pergunta é :” Onde os debates do FSM não estão”? Não estão nas estratégias reais da esquerda para as eleições. Qual o aspecto real da esquerda que está carecendo de significante? A passividade que o FSM encarna e que seus militantes não querem reconhecer, de que a esquerda vem suportando silenciosa a emergência da direita em todos os campos, com a desagregação dos direitos sociais em todos os níveis.  Qual é a “carne a ser sacrificada” para as esquerdas nas próximas eleições: a de que há salvação nas candidaturas individuais com o sistema de esquerda que está aí. Por isso, o FSM deve procurar refundar as esquerdas.

Esse é o sacrifício exigido a esquerda no novo tempo da direita: o FSM precisa morrer para que nasça o Fórum Nacional das Esquerdas, única forma capaz de alterar o estado de forças de direita que emergiram nas candidaturas nas principais capitais e que saíram vitoriosas. Elas se preparam agora para disputar as próximas eleições, que já estão definidas se a esquerda confirmar a mesma estratégia de divisão, onde a direita só tende a ganhar.

downloadJorge Barcellos é Articulista do Estado de Direito, responsável pela coluna Democracia e Política – historiador, Mestre e Doutor em Educação pela UFRGS. É autor de “Educação e Poder Legislativo” (Aedos Editora, 2014), coautor de “Brasil: Crise de um projeto de nação” (Evangraf,2015). Menção Honrosa do Prêmio José Reis de Divulgação Científica do CNPQ. Escreve para Estado de Direito semanalmente.
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