O fim do Batlismo à brasileira

acampamento da legalidade e da democracia

Créditos: Gilnei J. O. da Silva

Um fenômeno corriqueiro

O Brasil nunca foi um país de reais rupturas por direitos, ou por mais democracia. Mas o caminho inverso já viveu e está correndo o risco novamente. Todas as insurreições populares, por direitos, contadas em qualquer livro de História do Brasil, foram violentamente massacradas: Revolta dos Malês, Cabanagem, Canudos, Contestado, Balaiada, etc.

As rupturas ditas “positivas”, sempre foram um arranjo político, para não se mexer em quem está, realmente, no poder. Assim, foi na independência pelo príncipe-herdeiro de quem nos colonizava; a libertação dos escravos, sem romper a estrutura de poder escravocrata pautada nos latifúndios e monoculturas de homens brancos; a proclamação da República feita por quem era monarquista; a CLT no Governo Vargas; a Anistia feita pelo próprio Governo Militar; a democratização feita por eleição indireta. Na verdade, estas ações serviram para apaziguar movimentos legítimos, que verdadeiramente queriam romper com a estrutura opressora do país.

E o que tudo isto tem a ver com esse momento atual da conjuntura brasileira? Para se dar “mudanças” consentidas, procura-se o apoio de setores que querem mudanças, mas que acham que a conciliação sempre é possível. Mas quem propunha mudanças antes, termina engolido por toda a dinâmica do poder e desmoralizados, quando do abandono de suas utopias originais. Este não é um fenômeno original, único do Brasil e do PT. O mundo ocidental viveu diversos episódios semelhantes, nos quais, partidos historicamente de esquerda, ao chegarem aos governos, assumem práticas semelhantes às que criticavam. Inclusive, justificando tais medidas em alguns ganhos para a população e na sua manutenção do poder, claro. França, Alemanha, Itália…diversos países tiveram momentos assim.

O Batlismo

José Batlle y Ordóñez

Fonte: Commons Wikimedia

Jorge Zalbaza, autor uruguaio do Livro “La experiência Tupamara- Pensando em futuras insurgências”, chama de “Batlismo”, os períodos da História de seu país, que se viveu a ilusão da conciliação de classes. Este termo advém das gestões de José Battle y Ordónez e seu sobrinho, a frente de governos uruguaios, no sec. XX. O escritor-militante denomina de amortecedores, amortizadores os setores políticos, que dão ganho as classes mais desprovidas, aproveitando momento econômico favorável, freando rupturas necessárias para a consolidação de uma justiça social.

O Governo Lula, aproveitando o momento econômico favorável, fez política de redistribuição de renda e implementou algumas outras conquistas de acesso à educação e direitos. Contudo, manteve a concentração de poder econômico, a forma de fazer política de seus predecessores e o hermetismo das instituições brasileiras. Como diria Jorge Zalbaza, uma política que acredita no avanço do país, na inclusão social duradoura, sem mexer em certas estruturas da sociedade.

Mas passado o momento econômico favorável, as forças mais conservadoras, no Brasil – tal como descrito por Zalbaza no Uruguai da década de 50 e 60 – retomam, de forma violenta, as rédeas, visando não baixar os seus rendimentos.  Para isso, não se importam de romper com as leis, com a Constituição e com a democracia. A instrumentalização do Poder Judiciário para desestabilizar e desmoralizar o Governo Dilma, passando por cima de direitos e garantias ou intervindo na Administração Pública, é exemplo disto. Outro exemplo é o processo de impeachment em curso, sem fundamento, baseado na insatisfação com o atual Governo.

Uma possível ruptura

Se a marcha em curso no Brasil tiver êxito, haverá novamente uma ruptura no país. Realizada em cima do discurso contra a corrupção, mas sem apego de fato a esta questão politica-moral, haja vista quem se está legitimando a subir ao governo. As questões de fundo, o preconceito com a esquerda e seus valores, a manutenção dos rendimentos de certos setores que concentram poder no país, interesses econômicos externos, são o que, na verdade, dão conformação ao governo de quem, “por ventura”, assuma.

Mas a palavra de ordem “Não vai ter golpe, vai ter luta”, parece que está se fazendo real, despertando a maior parte da população, sempre excluída das decisões, quando destas mudanças de poder.

As manifestações do dia 31 de março, a manifestação que ocorreu na Lapa (Rio de Janeiro-RJ) essa semana, e outras que estão tomando o país dão indícios deste despertar. O dia 17 de abril é uma data decisiva, mas seguirão outros capítulos da permanente luta por direitos, participação e justiça social.

Rodrigo de MedeirosRodrigo de Medeiros Silva é Articulista do Estado de Direito – formado em Direito pela Universidade de Fortaleza, pós-graduando em Direito Civil e Processo Civil, no Instituto de Desenvolvimento Cultural (Porto Alegre-RS). Foi assessor parlamentar na Câmara dos Deputados e na Câmara Municipal de Fortaleza. Foi advogado do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, de Sindicatos de Servidores Públicos Municipais e de Trabalhadores Rurais. Atuou na área do Direito da Criança e do Adolescente na Pastoral do Menor e no Centro de Defesa da Criança e do Adolescente do Ceará. Prestou serviço Association pour le Développemente Economic Regional- ADER, junto às comunidades indígenas cearenses Jenipapo-Kanindé, Pitagury, Tapeba e Tremembé. Participou do Fórum em Defesa da Zona Costeira do Ceará-FDZCC na defesa de comunidades de pescadores. Contribuiu com o Plano Diretor Participativo do Município de Fortaleza pela OAB-CE.  Também prestou consultoria à Themis-Gênero e Justiça, em Porto Alegre-RS. Integra a Comissão Nacional de Acesso à Justiça do Conselho Federal da OAB e o Conselho Consultivo da Ouvidoria da Defensoria Pública do Estado do Rio Grande do Sul. É membro da Rede Nacional dos Advogados e Advogadas Populares-RENAP, Fórum Justiça-FJ e Articulação Justiça e Direitos Humanos-JUSDH. É consultor da UNESCO junto à Secretaria-Geral da Presidência da República.
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