O enfraquecimento da Advocacia Pública e do Estado Democrático de Direito

No dia 16 de junho do corrente, o Procurador-Geral da República, Dr. Rodrigo Janot, ingressou com Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIn n. 5334) no Supremo Tribunal Federal (STF) onde persegue:

a) a declaração de inconstitucionalidade do parágrafo primeiro do art. 3o., da Lei n. 8.906, de 1994 (“Exercem atividade de advocacia, sujeitando-se ao regime desta Lei, além do regime próprio a que se subordinem, os integrantes da Advocacia-Geral da União, da Procuradoria da Fazenda Nacional, da Defensoria Pública e das Procuradorias e Consultorias Jurídicas dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios e das respectivas entidades de administração indireta e fundacional”);

b) a interpretação conforme à Constituição do caput do art. 3o., “para entender-se ser tal preceito alusivo apenas aos advogados privados”.

Alguns dias depois de “protocolada” a inicial da ADIn n. 5334, o Procurador-Geral da República substituiu a petição inaugural para, entre outras partes, suprimir as menções a independência e autonomia da Advocacia Pública, e da Advocacia-Geral da União (AGU) em particular. Eis os trechos que sumiram:

“É essencial observar que o constituinte teve o cuidado de situá-la fora dos três Poderes da República, não para que formasse um “quarto poder”, mas para que pudesse atender, com autonomia e independência, aos três Poderes, considerando que a representação judicial da União, confiada à nova instituição, envolveria o Executivo, o Legislativo e o Judiciário.”

“De fato, a advocacia pública strictu sensu é absoluta e constitucionalmente independente de qualquer Poder, órgão, instituição ou entidade. Do contrário não cumpriria sua função e não teria razão de existir.”

“Por fim, é essencial ressaltar, uma vez mais, a importância da advocacia pública para a manutenção e aprimoramento do Estado Democrático de Direito. Sua atividade é constitucionalmente reconhecida como essencial à Justiça e sua autonomia e independência fundamentais para o pleno exercício de suas atribuições.”

“De igual modo, a advocacia pública strictu sensu (arts. 131 e 132 da CF) é absoluta e constitucionalmente independente de qualquer Poder, órgão, instituição ou entidade”.

A propositura da referida ação causou profunda surpresa nos meios jurídicos. Afinal, ataca um enunciado normativo em vigor por mais de 20 (vinte) anos sem questionamentos de maior monta.

Entre os advogados públicos existe, é bem verdade, um movimento minoritário, e cada vez mais fraco, no sentido do desligamento ou afastamento da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). Contudo, a posição francamente majoritária aponta no sentido de que a advocacia pública é simplesmente um ramo ou espécie da advocacia, assim corretamente definida, e sem qualquer afronta à Constituição, no citado parágrafo primeiro do art. 3o. do Estatuto da Advocacia e da OAB.

Cumpre destacar que as normas constitucionais sobre a Advocacia Pública, uma das Funções Essenciais à Justiça (Capítulo IV do Título IV da Constituição), e os regimes próprios aplicáveis aos advogados públicos não afastam a caracterização do exercício, por esses, da nobre profissão de advogado. Ademais, a aprovação num concurso público de provas e títulos e a subsequente ocupação de um cargo público não alteram a natureza das atividades profissionais realizadas pelo advogado público. Exatamente assim se passa com os médicos, engenheiros, dentistas e tantos outros profissionais ocupantes de cargos públicos.

No dia 23 de junho do corrente, em concorrido ato público realizado na sede do Conselho Federal da OAB e aproveitando o momento de grande mobilização dos advogados públicos federais, buscando valorização remuneratória (PEC 443) e condições de trabalho adequadas ou dignas (PEC 82), foi afirmado, pelas principais associações representativas dos advogados públicos (ANAPE, ANAUNI, SINPROFAZ, UNAFE, ANPAF, ANPPREV e ANAJUR), que esses profissionais somente atingirão o exercício pleno de suas missões institucionais como integrantes da nobre atividade da advocacia, nos termos do Estatuto da Advocacia e da OAB.

A surpresa do mundo jurídico foi acentuada com a aludida, curiosa e inusitada “substituição” da inicial.

Observe-se que a propositura da ADIn n. 5334 causou imensa e justificada revolta no seio da Advocacia Pública e em largos setores do mundo jurídico. Exatamente no momento em que os advogados públicos, notadamente os federais, buscam a eliminação de suas diferenças remuneratórias e carências logísticas, o Chefe do Ministério Público Federal adotou uma medida que, se exitosa, pode eliminar, inclusive, o conjunto das prerrogativas que os advogados públicos ostentam. Exatamente por serem advogados, os advogados públicos, na defesa do patrimônio público e das políticas públicas, somente possuem guarida, em termos de prerrogativas, no Estatuto da Advocacia e da OAB (arts. 6o. e 7o.).

Os direitos de ser recebido por magistrado (art. 7o., inciso VIII) ou esclarecer questões de fato durante os julgamentos (art. 7o., inciso X), destacando somente dois exemplos, são prerrogativas dos advogados. Os advogados públicos quando lançam mão dessas possibilidades o fazem na defesa do patrimônio público e das políticas públicas. Como imaginar e aceitar que o Poder Público, por seus advogados públicos, não possua as mesmas “armas” dos advogados e procuradores das partes contrárias nas relações processuais em que figura?

Com a “substituição” da inicial, o Chefe do Ministério Público Federal foi mais longe. Sua Excelência, com precisão cirúrgica, eliminou todas os parágrafos, frases e palavras que mencionavam que a instituição Advocacia Pública “é absoluta e constitucionalmente independente de qualquer Poder, órgão, instituição ou entidade”. O objetivo de amesquinhar essa importantíssima instância do Estado brasileiro, com profundas contribuições prestadas e a prestar ao aperfeiçoamento do Estado Democrático de Direito, é inegável.

A pergunta, portanto, é inevitável. A quem interessa uma advocacia pública com remunerações aviltadas, condições de trabalhos deficitárias, desprovida de prerrogativas profissionais para os integrantes de suas carreiras jurídicas e integrando órgãos carentes de autonomia (ou de independência constitucional, nas palavras do arrependido Procurador-Geral da República)?

Aldemario Araujo Castro – possui GRADUAÇÃO EM DIREITO pela Universidade Federal de Alagoas (1991) e MESTRADO EM DIREITO pela Universidade Católica de Brasília (2006). Atualmente é Procurador da Fazenda Nacional (na PGFN/AGU), Professor da Universidade Católica de Brasília (UCB) e Conselheiro Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). Tem experiência na área de Direito, com ênfase em Direito Administrativo, Direito Tributário, Informática Jurídica e Direito da Informática.

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